"Sangue na Cidade"-UEF

02-06-2022

Agora que o segredo foi revelado, a linha entre o mundo criminoso e a vida de Damian vai ficando cada vez mais ténue. Jeff terá de lidar com a revelação e a ilusão que tinha do seu pai. Enquanto isso Damian e Iza mentalizam-se do que está por vir e preparam-se para a batalha adiante.

Género: Drama

Naquele jardim de infância, ninguém estava sozinho. Todos se conheciam. Todos brincavam uns com os outros. E por muito que fossem uns estranhos, eram crianças, e nada disso lhes importava.

Não tinham mais do que cinco anos. Conheciam-se há pelo menos três anos e pareciam os melhores amigos do mundo pela forma como brincavam às escondidas. Como criavam lutas com bonecos. Como jogavam ao pião.
E aquela rapariga...aquela menina tão doce e pura...era a que se destacava no meio do recreio.
Com a sua gargalhada alta e aprazível ao ouvido, até as auxiliares sorriam ao vê-la brincar como se não houvesse amanhã. 
Com aquela gargalhada...até o menino que estava sozinho queria ser amigo dela.
...
Apesar de todos estes desejos e vontades...
...por muito que invejasse aquelas crianças...
...por muito que quisesse se diveetir como eles...
...
...a sua timidez...
...os seus receios...
...não desapareciam...
...eram simplesmente mais fortes do que eles.
Então ele assim permaneceu. 
Durante muito tempo.
Contemplando os outros por dias e dias.
Mantendo a sua vontade de um dia rir como eles.
De um dia brincar como eles.

De um dia ser como eles.
De poder ser como aquela menina.

...
Mas graças ao seu caráter, perpermaneceu ali. Estático. No mesmo lugar. Como se estivesse em estado vegetativo.
Uma estátua incapaz de mudar, quando...

Voz feminina: "Ei! Queres brincar connosco?"

O apelo...
Os seus olhos arregalaram-se mal ouviu aquela voz. A voz que sem dúvida pertencia à dona daquela gargalhada.
...
Naquela altura, ele pensou que talvez fosse um sonho. Que poderia estar maluco, no entanto, como se para quebrar as suas suposições, a voz ouviu-se novamente.

Voz feminina: "Queres ou não?"

A menina estende a sua mão, dando-lhe uma oportunidade.
Dando o poder de escolha ao rapaz que nunca a teve.
A ele que sempre se limitou a observar e nunca...
...nunca escolheu.

Rapaz: "..."

Porém...aquela mão...
...era uma oportunidade.
De ouro...uma oportunidade que poderia mudá-lo para sempre...
...pois graças às ações de uma menininha...

...a sua vida poderia mudar.

E ele nem hesitou em escolher.

Nem hesitou em estender a mão para pegar na mão da rapariga.

Não, uma oferta que nunca iria recusar.

Um futuro que queria agarrar.

Um futuro que estava garantido...

até que...

Daniel: "Damian!"

...ele acordasse.
Damian: "Hã? O que é que..."
...
...
...
Vá se lá saber como ou porquê, mas agora...
...
...
...
Damian já não está à frente da porta do quarto do seu filho.
...
Agora ele está noutro lugar.
...
...
...
Já não é de noite.
...
...
...
E Damian está no escritório de Daniel com os raios do sol a incidirem nas paredes.
Daniel: "Parece que já me ouves."
A voz de Daniel prende-o à realidade e prova que tudo aquilo que ouve não é um sonho. Com o olhar a contemplar o que o rodeia, Damian pode confirmar que aquele espaço...aquela secretária à sua frente...a cadeira onde se senta...não dúvidas. Isto é mesmo o escritório do seu chefe.
Damian: "..."
O que é que se passou? Tem a certeza que há um segundo atrás estava na sua casa. Nem piscou os olhos e já se encontra num lugar diferente? Como é que isso é possível? 
Ainda não entende bem a situação em que se encontra. Felizmente, parece não estar sozinho. Exatamente. Daniel está consigo. Quem sabe. Talvez ele saiba de algo e tenha a resposta para pelo menos uma das suas perguntas.
Daniel: "Estavas aí de olhar vazio a olhar para a frente como se estivesses absorvido nos seus pensamentos. Sei que não é minha responsabilidade saber isto, mas está tudo bem, Damian?"
Tal como se sentia há usn momentos atrás, Damian ainda recuperava muitas das suas capacidades básicas. Recuperou a audição, olfato e visão. Faltava-lhe a fala e isso impedia-o de responder ao seu chefe, que se encontrava sentado atrás daquela mesa imponente.
Damian: "..."
Daniel: "Hum. Tudo bem. Se não queres falar, eu também não te culpo."
Fala com uma tamanha calma, mantendo uma postura direita e muito profissional com as mãos juntas em cima da mesa como se aquilo se tratasse de uma reunião de negócios. As coisas não poderiam estar mais longe dessa realidade.
Daniel: "De qualquer forma, sinto que ontem já fui muito íntimo ao dar-te o dinheiro e tudo. Por isso, não te vou chatear muito com isto. Vou logo direto ao porquê de eu te ter aqui chamado, isto é caso não te import-"
Damian: "Espere um segundo. Por favor."
Nesse instante quando o assunto ia mudar, Damian acorda por completo e dá por si naquela situação. Sentado numa cadeira. Dentro do escritório de Daniel, onde este está sentado na cadeira atrás da secretária que tanto estima. Já tinha uma certa compreensão disso tudo. A diferença é que agora tem o poder. Agora pode falar.
Daniel é apanhado de surpresa. Até então esteve com uma boa postura, como sempre. Porém, as palavras de Damian apanhavam-no de surpresa. Sendo o bom observador que é, já se tinha apercebido que algo de errado se passava com ele. Apenas não sabia o quê. Via nos seus olhos vazios que agora brilham com vida. Bem, agora poderá descobrir o que se passa. Isso e também estava farto de falar com alguém que mais parecia morto do que vivo. Ele nem se orgulha da quantidade de tempo que esteve ali a fazê-lo falar com as suas palavras. Por isso, isto é, de certa forma, uma vitória para ele.
Daniel: "Damian. Bom ver que estás com a disponibilidade para falar."
Damian: "Ah. Pois, é capaz. Ouça, em outra vertente, pode só me dizer o que se está a passar? Não sei porquê, mas não me lembro ao certo que se está a passar."
Diz, numa desculpa esfarrapada para que o seu chefe lhe explique todos os eventos que levaram até aqui. Todos esses eventos que ele supostamente experienciou.
Daniel conseguiu ler bem as entrelinhas. Realmente tem uma capacidade de conseguir ler os outros que mais ninguém no mundo deve possuir. E por alguma razão ele esconde essas suas capacidades. Agora, por exemplo, mesmo tendo percebido que o que Damian dizia não passava de uma desculpa esfarrapada, ele ainda assim seguiu a mentira. Limitou-se a subir ligeiramente as sobrancelhas a questionar aquela escolha de palavras para uma desculpa e seguiu com uma resposta.
Daniel: "Ok. Bem, você estava a trabalhar no seu computador. Segundo a Sarah, que foi quem o foi buscar, o senhor estava meio apagado, fora deste mundo se preferir. Contudo, isso são apenas meras observações. O que interessa é que eu mandei a Sarah para o chamar para aqui. Tenho algo que queria dizer-lhe. O problema é que desde que aqui chegou não disse uma palavra. Isto até agora. Mas acredite quando lhe digo que demorou para acontecer. Não sei se notou, mas a própria Sarah não está entre nós. Fartou-se de o tentar acordar e saiu. Só eu é que fiquei a tentar acordar e parece que funcionou. Demorou por volta de 20 minutos, porém lá compensou. E isso leva-nos ao presente onde o senhor voltou a si depois de tanto tempo. Acho que foi praticamente assim, mais coisa menos coisa. Espero ter sido esclarecedor."
Falou tão profissional como sempre. O pior de tudo é que ele até conseguiu ser esclarecedor. Tirando isso e focando-se na situação, não fazia ideia de que tudo isto tinha acontecido. Conseguiu mesmo chegar a este ponto? Foram os acontecimentos de ontem que resultaram nisto?
Sabe que ficou desolado, mas não tinha ideia que teria ficado desolado a este ponto. A última coisa que se lembra é de ter ficado a olhar para a porta do quarto de Jeff durante muito tempo e...depois...depois disso...não se lembra de nada. Como assim? Isso significa que ele nem dormiu? Como é que sequer veio até ao trabalho? Esta descoberta implica muitas perguntas.
Deve estar a enlouquecer. Não, tem de estar louco. É que tudo o que Daniel descreveu são acontecimentos que não se lembra. Quer dizer, nem sabia que tudo isso tinha acontecido. Primeiro o ataque de pânico e depois isto. O que aconteceu ontem mudou-o mesmo. Tornou-o mais vulnerável e isso está a afetá-lo a um nível profissional. Ao menos isso do que hoje à noite. 
Ele faz uma tentativa para achar a resposta. Recorre à sua memória e parte racional do cérebro. A informação tem, basta pensar para chegar a uma conclusão. É só pensar. Pensar. Pensar. Como sempre fez. E já alcançou a verdade.
Ontem, Damian foi apanhado com uma surpresa. Voltou a casa e viu o seu filho traumatizado. O vidro da janela partido. E é claro, Iza. Todos estes fatores levaram-no a um estado de choque que nunca tinha experienciado. Foi atingido com tanta surpresa e notícia desgaradável que deixou o seu coração num esforço contínuo.
Diz isto sem ser algum médico, porém tem quase a certeza que o seu coração, que não se pode dizer que é propriamente novo, foi mesmo levado ao extremo. Deve ter batido tão rapidamente. Deve ter aplicado os mais variados níveis de esforço. Pequenos atos destes foram se acumulando e resultaram no ataque de pânico de ontem.
O seu coração parece estar mais estável. Esqueceu-se do que aconteceu. Mas a cabeça...a cabeça não esquece. Ainda está a matutar nas mesmas coisas. Insiste em encontrar significado e razão para cada ato. Tanta coisa aconteceu ontem em tão pouco tempo. Apenas hoje é que teve apgum tempo para pensar. Correção. Hoje e no resto do dia de ontem.
Caso não tenham entendido o ponto onde quer chegar, Damian está a sugerir que a sua cabeça está mergulhada nos acontecimentos de ontem. Tão absorvida que não para de pensar em cada detalhe e procura explicação para tudo. É este o tipo de obsessão que estamos a falar. Uma obsessão que vai a todos os cantos à procura da razão de uma ação que ainda não compreendeu totalmente. E isso começou ontem à noite.
Quando estava a olhar para a porta do quarto de Jeff, sem se aperceber, já tinha mergulhado no momento. Estava a pensar no que tinha levado a isto que vivia. O que tinha levado uma pessoa a escolher este caminho. Era aí onde estava depositada toda a sua consciência.
Como tal, o seu corpo funcionava à parte. Funcionava quase que como instintivamente. Seguia o que se lembrava de memória muscular. Por isso, pode-se dizer que o corpo apenas agiu segundo foi habituado. Isso explica porque é que foi dormir logo a seguir. Porque é que tomou banho e se vestiu às mesmas horas. Como é que foi parar ao trabalho. Mas também explica porque é que paralisou frente a frente com a tela do computador, já que tem sempre trabalho novo a cada dia. 
Ao mesmo tempo, este estranho estado em que estava também parecia ter alguma racionalidade e controlo sobre si. Segundo Daniel, ele sempre repsondeu a Sarah e seguiu as suas ordens. Ok, talvez esta teoria não seja infalível, mas dá para ter uma noção. Consegue entender porque é que não se apercebeu de nada. Porém isto é só uma teoria e uma com falhas. Só resta agradecer a Daniel por ter ficado com este entendimento melhor (e ainda assim não perfeito) do que aconteceu.
Damian: "Ok. Hum, obrigado. Daniel, obrigado. Sinto que já fiquei a entender melhor o que aconteceu."
Responde, esfregando os olhos e confirmando que voltou totalmente a si. Agora não haverão mais imprevistos.
Daniel: "Ainda bem. Presumo que isso significa que agora tenho permissão para seguir em frente. Quero falar-lhe sobre a razão de eu o ter trazido para aqui."
Damian: "S-Sim. Faça favor."
Daniel: "Muito bem. Passemos a falar sobre o seu artigo."
Subitamente o tom da conversa muda. Damian fica mais apreensivo, endireitando mais a coluna e pondo-se numa postura mais direita na cadeira. Já ficou com certo receio do que pode sair dali. Daniel permanece o mesmo. Não move um centímetro que fosse. O máximo que acontece foi ele pausar para recuperar a voz como segmento para introduzir o novo assunto.
Daniel: "Relembro-o que hoje é o último dia que terá para fazer a sua pesquisa e recolha de informação. Normalmente uma notícia não demoraria tanto para dair, mas como este cado tem tão pouca informação e parece ter uma estranha natureza até posso aceitar que demore para o concluir. Habitualmente demora um, dois dias no máximo. Claramente já passa disso. Hoje marca o terceiro dia de trabalho nesse artigo."
Damian: "C-Claro. Estou ciente disso. Mas porque é que me está a dizer isto?"
Daniel: "Porque quero marcar uma data. Se preferir, um ultimato. Tem até amanhã. Hoje é o último dia que terá para trabalhar neste seu artigo. No fim do dia, daqui a umas horas, não importa. Quando acabar, entregue ao Edward, como sempre tem feito. Ele vai tratar da edição e aprovará tudo. Não importa a altura do dia, terá é que entregar hoje. Entendido?"
Damian: "S-Sim, senhor Diretor."
Responde, sentindo-se intimidado pela presença e pela forma séria como ele fala aquilo tudo. Até fica complicado falar. Só de saber que Daniel fala sobre o seu trabalho de um tom neutro é o suficiente para lhe colocar pressão.
Sim. Ele não parece necessariamente farto. Quis fazer-lhe esta advertência para Damian não se perder na pesquisa. Daniel quer deixar claro que este artigo é importante, contudo existe mais trabalho pela frente e muitos desses outros potenciais artigos têm maior importância. E mesmo assim ele conseguiu passar tudo isso sem ser rude ou maldoso. O Diretor tem mesmo umas boas capacidades de discurso.
Daniel: "Espero não ter sido rude. Não estou a menosprezar o seu trabalho, na verdade, até respeito o esforço que está a pôr neste artigo. Só quero que saiba que o trabalho não acaba e existem por aí muitos mais artigos de importância tão grande senão maior. Como uns que tenho aí guardados sobre as recentes vagas de crimes. E já que ninguém parece suficientemente disposto a fazê-los, restas-me tu, Damian."
Foi exatamente o que disse.
Damian: "Não se preocupe. A mensagem foi compreendida e bem interpretada."
Daniel ri levemente, num dos raros momentos em que quebra a sua postura de homem imponente e inquebrável e diz:
Daniel: "Se dizes isso é porue não deve faltar muito."
Damian: "Tem razão. Apenas preciso de ver uma única pessoa de nome Danic Verty. Ele vive na Bird Street 292."
Daniel: "Dizes isso como soubesses as coisas na ponta da língua."
Damian: "..."
Prefere não elaborar. Acharia um pouco vergonhoso entrar nos detalhes e contar como conseguiu acesso a um computador. Sim, é melhor não falar daquela troca de favores que teve com Dimo. Isso também seria demasiado pessoal para trazer numa conversa com o seu chefe.
De qualquer forma, tem algo a dizer a Daniel. No meio disto tudo e de todas as complicações que encontrou entre ontem e hoje quase se esquecia do que Daniel tinha feito por si. Ontem, no dia de aniversário do seu filho, foi Daniel quem lhe deu dinheiro. Por isso tem de lhe agradecer.
Damian: "Quase me esquecia, Daniel."
Daniel: "O que é?"
Pergunta, estranhando uma tão súbita mudança no tom de Damian.
Damian: "Antes que me esqueça, preciso de te agradecer pelo que fizeste ontem."
Daniel: "Referes-te ao dinheiro."
Damian: "Nem mais. Confia em mim quando te digo que foi gasto. Tudo foi para agradar o meu filho. Se funcionou ou não prefiro não partilhar, mas acredite, a intenção ficou e por isso agradeço-lhe. Prometo que não me esquecerei do que fez. Do fundo do meu coração, obrigado, Daniel."
Ok...não esperava que as coisas chegassem a este nível. Quando se apercebeu que Damian ia mudar de assunto tinha presumido ser outro assunto profissional. Ao invés disso, o que obteve foi uma confissão sincera e repleta de carinho vinda de um pai a agradecer o amor que lhe foi dado sob a forma de um maço de notas.
Não que tivesse deixado Daniel em lágrimas, mas fê-lo reclinar para trás na cadeira. Pode parecer insignificante. Porque até o é. Contudo esse pequeno gesto é prova que sentiu cada palavra e agradece os elogios. De resto, não mudou nada. Mas esse pequeno gesto. Essa reclinação no encosto da cadeira foi o suficiente para Damian perceber que ele foi afetado. Daniel não quer admitir, mas aquelas palavras tocaram-lhe fundo no seu coração.
Daniel: "Obrigado eu. Levarei as palavras como uma prenda. Não precisa de me dar nada em troca. O que ouvi bastou para me compensar."
Diz todo este agradecimento carinhoso na mesma voz séria e neutra. Nem em momentos como este Daniel se atrave em quebrar personagem. Enfim, ele é que sabe.
Damian: "É que a sua ajuda foi uma das poucas coisas que posso levar de ontem. Ou melhor, foi uma das poucas coisas boas que me aconteceu...desculpe, acho que estou a ir para um lado mais pessoal da coisa."
Daniel: "Não faz mal. O que quer que tenha acontecido certamente o marcou. Para ficar fora de si durante tanto tempo é porque deve ter sido algo traumatizante. Censurá-lo pelo passado seria um erro meu."
Damian: "Sim, acho que tem um ponto..."
...
E agora voltou para um estado mais melancólico. Cabeça caiu e passou a olhar para os pés da mesa. O seu foco desviou-se do presente e voltou-se para o passado. Isso porque Daniel o lembrou do maço de notas que, por sua vez, o lembrou das compras que fez ontem e nem se lembra onde as deixou. O que interessa é que uma coisa levou a outra e deu por si nos mesmos pensamentos de sempre.
Iza. Jeff. Os criminosos da gangue sem nome do seu melhor amigo. Todas estas são preocupações de elevada importância. Nenhuma é amior do que a outra. Cada uma está no nível do outro e deve ser levada em consideração. 
...
Em cada segundo que passa, Damian vai se enterrando cada vez mais no dia de ontem. Vai lembrando-se de cada minucioso detalhe. Do saco das compras que deixou na sala de estar. A faca que sentiu a afundar-se na sua roupa e barriga. A pistola que apontou à cabeça do seu amigo. A pistola. A pistola. Pensando nela, onde é que a deixou? Não me digam que...
...
Raios. Colocando a mão no bolso do seu casaco (que é o mesmo que ontem) nota em algo. Não a tira para fora, mas está certo de que é o que está a pensar. A pistola. A arma continua consigo. 
...
Isto é um perigo. Ninguém pode descobrir. Terá de manter a arma lá guardada até à noite, onde finalmente servirá a sua utilidade. Até então, é só fingir que nada aconteceu. Que não guarda nada no bolso do casaco. Só que neste momento absorvido nos seus pensamentos cometeu exatamente esse erro. Esqueceu-se que não estava sozinho na sala.
...
Daniel: "Damian? Guarda algo no casaco?"
Merda. Logo quando pensava que não ia arranjar problema surgiu um. Ok, o essencial e pensar rápido. Agir rápido para não levantar mais suspeitas. Precisa de uma desculpa. Desculpa boa e credível. Certo, já arranjou uma. Sim, deve funcionar.
Damian: "N-Não se preocupe. São só umas dores. Dores. Sabe como é. Nestas idades começam a doer-nos todos os ossos do corpo. Haha."
Daniel: "Estou a ver..."
Na realidade, Daniel estava a desconfiar de Damian. Já o estava desde que o viu naquele estado esquisito sonâmbulo. Mas agora era outro nível. Tinha sim razão para levantar suspeitas. A maneira como aquele trabalhador agia era digna de alguém culpado ou que sabia de algo comprometedor. Fosse o que for, não deveria ser algo bom.
Mesmo assim, ele faz um esforço para acreditar nas suas mentiras e finge comprar a desculpa de Damian. 
Contudo, há algo que quer saber. Ele tem estas dúvidas que quer esclarecer, pois, embora saiba que isto não é da sua conta, se o bom funcionamento do seu jornal estiver comprometido, então cabe-lhe fazer alguma coisa. Damian claramente não está bem. Passou por algo ontem. Precisa de ajuda. Não pode ir trabalhar assim. E é aí que entra Daniel. Esta é uma das raras ocasiões onde terá de mostrar o seu altroísmo.
Daniel: "De novo, eu sei que não é da minha conta, mas está mesmo tudo bem, Damian? Andas muito fora de ti. Como se houvesse algo a perfurbar-te na cabeça. Tu lá tens os teus problemas, mas quando esses problemas começam a afetar a tua capacidade de trabalho a um nível profissional, sinto que eles também me envolvem. Por isso é que estou aqui a perguntar-te com o bjetivo de te ajudar: o que é que se passa?"
Damian: "..."
Eram razões válidas as que ele tinha colocado ali em cima da mesa. Não havia forma de negar. O seu chefe conseguiu argumentar bem. Aquele também era um assunto que lhe importava. A sua má prestação no trabalho poderia arruinar o pouco de reputação que o "The Right" tem.
Porém não sabia o que responder. Não sabia se devia sequer responder. Tudo está a acontecer tão rápido e sem tempo para reflexão que fica difícil parar para escolher a opção de que mais se orgulhará no futuro. Zela por si e por Jeff o quanto pode e nem isso garante que será sempre feliz. Existem sempre novos imprevistos.
Daniel: "Não sabes se respondes, não é? Compreendo."
Adotando este tom mais compreensivo e repleto de empatia, Daniel inclina-se para a frente como nunca, sempre com as mão unidas para mostrar o seu profissionalismo. Então, quase que falando a sussurrar, ele dá a sua opinião na matéria de modo a convencer Damian, que ainda a olhar para baixo. olha de relance nos olhos do seu chefe que começa lentamente a abrir a boca:
Daniel: "Já disse isto várias vezes e voltarei a repetir até que a mensagem chegue. Não duvido que tenhas passado por coisas más. Preciso é de saber o que posso fazer para te ajudar, caso contrário ficaremos aqui o dia todo. Ouviste, Damian? Preciso que cooperes aqui comigo numa conversa de homem para homem sem mais ninguém a interferir. Estamos entendidos?" 
Damian: "..."
Continua sem falar. Olhando nos olhos do seu chefe consegue ver a seriedade com que fala. É um olhar capaz de intimidá-lo e de o deixar no seu lugar. Acima de tudo, é um olhar que diz tudo sem uma palavra.
O modo como falava fazia tudo parecer uma sessão de aconselhamento. Já os seus olhos...os seus olhos...faziam aquilo parecer uma ameaça. Na realidade, as coisas não poderiam estar mais longe.
Sentindo que a sua mensagem foi passada, Daniel volta a inclinar para trás e chega as costas ao encosto extremamente almofadado da cadeira.
...
Sinceramente ainda não tem muito bem ideia do que aconteceu. Ameaça. Aconselhamento. Não importa. De uma coisa tem a certeza. Seja qual tenha sido a estratégia de Daniel, seja qual tenha sido o seu modo de pensar, funcionou.
Não se sente mais confiante, no entanto. Não se sente mais aberto a partilhar o que sente. Continua a ter medo do que aconteceu ontem. Continua o mesmo. Com uma diferença. Uma mísera e aparentemente insignificante diferença...
Agora tem medo do presente. Incutido por Daniel. Terá sido planeado por ele? Não sabe. Nunca sabe o que vai na cabeça dele, mas, funcionou. O que ele fez convenceu-o a abrir-se. Convenceu-o a contar os acontecimentos de ontem para se aliviar e...para suprir este novo medo.
Medo. Que tipo de medo é este que sente? Será medo das memórias? Sim, sente isso, mas não é exatamente bem identificado. Então será medo do seu chefe? De certa forma sim, porém é algo mais profundo. Será...só se for...medo de ser despedido dali? 
...sim. Em cheio.
O que viu naquele olhar nos olhos foi o perigo. Perigo de se ver livre daquele lugar. Livre de um emprego. Depois de tudo o que passou isso não poderia acontecer. Não depois do dia de ontem. Por isso é que agora se sente tão pronto para contar o que se passou a Daniel.
Ainda assim fica a pergunta: será que ele fez aquilo de propósito? Pela maneira como falava, Daniel não pretendia castigar Damian pela sua atituda. Pelo contrário, até se mostrou afetivo e compreensivo. Mas a pressão que colocou sobre ele...sim, isso só pode ter sido planeado.
Fê-lo para colocar Damian entre a espada e a parede. Como se estivesse indiretamente a dizer que, se ele não cooperar, pode estar a fazer uma escolha de que se arrependerá no futuro. Isso foi o que Damian imaginou. Tudo veio como efeito da pressão que Daniel colocou sobre ele com a sua resposta quase a sussurrar. Essa foi a maneira que arranjou para pressionar Damian e fazê-lo pensar em todas as coisas terríveis que pudessem vir sem sequer dizer uma palavra.
O resto coube ao escritor fazer. E funcionou. Ele ficou com medo. Já não bastava aquele medo que tinha do passado ainda tinha um novo no presente. Logicamente não quer mais sofrer. Quanto ao passado terá de aprender a viver, mas o presente...isso ainda dá para mudar. Sim, foi por essa razão que decidiu levantar a cabeça e voltar a encarar Daniel nos olhos. Foi por isso que decidiu confessar.
Damian: "Eu...eu tive um mau dia ontem. Na verdade, tudo corria bem até ter chegado a casa. Tinha feito as minhas compras, usando o maço de notas que me deu. Comprei alguns bens essenciais e até um bolo para o Jeff. Este seria o seu primeiro aniversário desde que a Maria morreu que ele teria um bolo para comer."
Daniel: "Não precisa de falar sobre a Maria. Ainda me lembro bem do dia em que recebi a notícia e continuo a dar os meus pêsames. Mantém-te nos acontecimentos de ontem, por favor."
Intervém para manter Damian, melancólico e de voz fraca e triste, no caminho para a verdade. A última coisa que quer neste momento de confissão é que algo o tire do caminho da verdade.
Damian: "Sim, eu sei. Queria deixar só tudo mais claro e...e tirar isto do meu coração."
Ele ajeita-se na cadeira para ficar mais confortável. A conversa ainda só começou. Será uma confissão bem longa...
Damian: "Continuando...eu ia com o meu saco de compras para casa. Já era de noite. Via a lua a brilhar claramente no céu. A lua que tanto me tem acompanhado durante estes tempos. Nos melhores e piores momentos. E desta vez, infelizmente, não era um bom momento. Gostava de ter entendido o presságio que ela significava. Muitas vezes serviu como presságio para coisas boas, mas é claro que o que aconteceu ontem foi tudo menos bom."
Daniel: "..."
Os papéis inverteram-se. Agora é Daniel quem fica calado ouvindo o outro falar. É isto o que lhe resta fazer. Deixar-se levar pela viagem ao passado que Damian narra. Basta ouvir e interpretar o que aconteceu. Está ali para ajudá-lo e, para curar feridas mentais, é preciso palavras que obterá chegando a uma conclusão a partir dos eventos narrados.
Por isso é que não diz nada. Mesmo nos momentos mais tensos ele não o interrompe. Não quer que o seu comboio do pensamento seja interrompido. Afinal, isto é como se fosse uma sessão de terapia. Bem que Damian precisa de deitar cá para fora as dores que sente.
Damian: "Tenho tudo tão vivido na minha memória. E digo isso com vergonha e terror. A última coisa que quereria era ter uma memória vivida de ontem...enfim...terei de viver com estas memórias malditas. Ok, voltando ao assunto. Como estava a dizer, eu ia com um saco de compras na minha mão direita. Andava no passeio do bairro. Tinha voltado do supermercado que ficava até relativamente perto de casa. Vinha do 'Cali Mart' que fica na rotunda a menos de 5 quilómetros de casa. Não estava muito cansado, pois o senhor deu-me o dia de folga e agradeço-lhe por isso. Pode-se até dizer que o meu dia estava a correr bem. Tinha sim alguns problemas pessoais para resolver, mas, no geral, pode-se dizer que tudo ia bem até lá ter chegado."
No momento ele tira os olhos de Daniel. Olha para cima em contemplação. Parece que está a olhar para a lâmpada no teto, porém ele, lá no fundo, está a lembrar-se dos acontecimentos com uma clareza que nunca teve até então.
Damian: "Tinha chegado a casa. Estava já na zona. Entre as duas casas com que tanto me tinha habituado. Só tenho uma vizinha, Irene. A outra casa está à venda para compra. Mas isso são apenas detalhes. O que interessa é que a rua estava vazia e não havia ninguém ao meu redor. Na minha pura inocência do que estava por vir eu subi a pequena escadaria que levava à entrada. Coloquei a minha mão esquerda sobre a maçaneta e quando a ia girar, senti uma força do outro lado a puxar também. Imediatamente larguei a maçaneta e deixei que as coisas acontecessem com a perfeita noção que alguém de dentro de casa estava a abrir a porta, presumidamente para sair. Julgava que era Jeff, o meu filho, no entanto não poderia estar mais errdo. A porta foi sendo levada e levada, continuamente até me revelar quem era que ia sair."
Daniel: "Essa pessoa em questão era um conhecido seu?"
Pergunta finalmente deixando um pouco à parte a sua boa educação.
Damian compreende que esta é uma pergunta feita para saber mais sobre a situação e tentar ajudá-lo na superação destes momentos. Todavia, não pode revelar nada. 
E diz isso porque não quer deixar o seu chefe a correr risco de vida. Se lhe contasse sobre a verdade e sobre como o seu amigo é um criminoso ele ficaria a saber demais. Já para não falar que não sabe o que ele faria com essa informação. Caso fosse chibar-se para a polícia, Daniel estaria a correr risco de vida e a pessoa que sequer lhe contou certamente morreria, não por Iza, mas pelos seus colegas de gangue.
Mesmo assim não pode deixá-lo sem resposta. Especialmente quando chegou relativamente longe. Significa que terá de inventar uma desculpa para disfarçar a relação que tem com Iza. Até terá de alterar um pouco o contexto das coisas. É um desafio maior, mas é pelo bem dos outros. 
Damian: "Quanto a isso, gostava de conhecer quem era. Isso teria até que diminuído o estrago, pois saberia que ele era um amigo. Não, nem isso o mundo me pôde dar. Quando a porta se abriu e vi quem se tratava entrei imediatamente em pânico. Aquela pessoa era claramente alguém que não entrou pela porta. Depois olhei um pouco em redor da casa e vi a janela da cozinha partida. Adivinha. Foi lá por onde ele forçou a entrada. Veio assaltar-me essa é a naior verdade. Roubou-me muita coisa, certamente, o que nunca me vou esquecer foi a minha felicidade roubada. Minha e do meu filho, pois ele também foi afetado. Não sei ao certo o nível de danos que ele recebeu. Bati várias vezes na porta do quarto, mas ele permanecia lá trancado. Isso só para tu veres o nível das coisas. Só para tu veres o nível em que ele não deve ter chegado. Fosse ele quem fosse, que tivesse roubado o que roubou, não mereci aquilo. Eu estava no meu canto. Com os meus problemas. Garanto-te que nada fiz para merecer levar com os problemas de outros em cima de mim. Já passei por merdas suficientes. Nestes últimos dias, não, últimos meses, há quase um ano que tenho de lidar com o passado e as coisas que ele me trouxe. Mas não, isso não era suficiente. Temos de dar mais tristeza ao Damian que ele ainda não sofreu o suficiente! E já não bastavam os problemas que a minha mente me traz e o passado que ainda não consegui superar totalmente e...e...e o meu filho que anda com estes pesadelos que segundo ele são uma criatura ou algo do género e isso não importa, pois tudo combinado faz-me querer desistir e quem sabe não vá chegar ao ponto em que eu-"
*Bip* 
Daniel: "..."
*Bip*
Damian: *Pant* *Pant*
Está ofegante. Graças ao som do telemóvel foi parado. Não sabia que tinha chegado a este ponto. Irritou-se bastante. A sua voz já tinha sido erguida e as pessoas lá fora deviam-no ter ouvido. Que vergonha...
Tinha que falar sobre as suas frustrações e acabou por ir longe demais. Acabou tornando-se um desabafo. Começou tranquilo e melancólico e acabou irritado e apressado. E só agora é que se apercebeu disso...
*Bip*
Damian: *Pant* *Pant* 
Daniel: "Vejo que já tenho alguém à minha espera."
Acrescenta pegando no flip phone que guarda no seu bolso. Ele abre-o e olha para a tela de cima confirmando a importância da chamada.
Daniel: "As minhas desculpas, mas esta pessoa é de tamanha importância. Preciso mesmo de atender."
*Bip* 
Damian: "N-Não. Tudo certo. E-Eu vou andando."
Diz nervosamente e tentando ao máximo para esconder a vergonha que sente por ter descarrilado tanto no seu discurso.
Damian levanta-se da cadeira e vira as costas a Daniel enquanto dá os poucos passos em direção à porta. Nem se atreve a olhar para Daniel nos olhos de tanta vergonha que sente. Quer é sair dali o mais rápido e fingir que nada daquilo aconteceu quando...
Daniel: "Damian."
*Bip* 
Estava já frente a frente com a porta. Ia esticar o braço para mexer na maçaneta quando a voz de Daniel o parou. O que ele quereria agora? Não vê que está com vergonha. Ao menos tenha a decência de ser rápido. É que não quer mesmo passar mais um segundo ali...
*Bip* 
Daniel: "Espero não ter sido constrangedor para ti e que, acima de tudo, te sintas mais aliviado. A meu ver pareceu ter funcionado. Por isso acho que arranjaste solução para esse tipo de problemas. Quero que te lembres que sempre que te vires enrrascado nos teus próprios sentimentos, podes vir ter comigo. Receber-te-ei sempre de braços abertos não importa a situação ou a altura do dia. Estarei sempre aqui para os meus trabalhadores que tudo dão para levar o 'The Right' até ao topo. Isso naturalmente também te inclui a ti, Damian."
*Bip*
Damian: "..."
Novamente. Daniel continua a surpreendê-lo. Sempre o achou alguém cruel e aqui está ele a revelar-se como uma pessoa gentil. Estoíco e sério demais, mas bondoso e sempre pronto a ajudar os outros. Talvez não seja assim tão má pessoa. Não, ele não é má pessoa.
Agora que se encontra perante a porta do escritório do Diretor é que Damian se apercebe disso. Tudo o que tinha ouvido até então não passava de má fama. Não sabe de onde é que veio. Ou então ele é realmente mau com toda a gente. Damian é que pode ser a excepção. Mesmo sabendo disso, ele continua a gostar dele, pois, por muito que seja mau com todos, no que trata à sua experiência, nada tem para se queixar.
*Bip*  
Os outros podem ter exagerado. Ou podem tê-lo apanhado num mau dia. Seja pelas razões que forem apanharam-no num mau dia. Pois Damian tem quase a certeza que ele não é má pessoa. As pessoas apenas o apanhavam num mau dia ou faziam algo que o irritava. E sabendo que muitos dos trabalhadores do local eram pessoas que faziam pouco e só estavam para ganhar um tostão fácil, isso é bem provável. Pois, se trabalhares, serás bem recompensado e tratado por Daniel Dare.
*Bip*
Damian: "Obrigado, Daniel."
Ele vira a cabeça, deixando de parte o nervosismo que tem e deixando-se envolver pelo clima amigável que aquele homem transparece. Nega todas as acusações e falácias ditas sobre ele para dizer a sua verdadeira opinião numa voz suave e com um sorriso tímido na cara:

Damian: "És uma boa pessoa."

E sem mais nem menos ele coloca a mão em cima da maçaneta. Dá uma volta e puxa a porta para si, de modo a sair com um.
*Thump*
... 
*Bip*
Daniel: "..."
Tambem foi apanhado de surpresa. Não esperava que ele deixasse a sua vergonha à parte. Sim, porque Daniel conseguiria perceber isso a um quilómetro de distância. Mas aquelas palavras...aqhilo que disse...atingiu-o bem fundo.
*Bip* 
Nunca o trataram assim. Provavelmente porque nunca tratou alguém da mesma forma. É um tipo rígido, mas só com as pessoas que não respeitam aquele local e fazem de pouco para o fazer subir no mundo. Calhou que esse tipo de pessoas contitui a maior parte do seu local de trabalho e por isso o tipo de atitude que se vê obrigado a adotar é a de um homem ruim e cruel.
Na realidade, é tão humano como qualquer um. O seu cargo é que o obriga a ser o mais rígido e sério possível para vencer. Este é um desses raros momentos em que quebra essa figura. É uma ocasião rara onde, encontrando-se sozinho...ele sorri.
Sorri em agradecimento e felicidade pela gentileza que Damian mostrou. É um dos poucos que respeita naquele local. Um dos poucos que dá de tudo para ganhar o dinheiro que merece. Pode-se dizer que é o tipo de pessoa que mais respeita. Quem sabe, se não fosse por ser Diretor, lá fora, até se poderia tornar seu amigo...
*Bip*
O telemóvel ainda toca. Relembra-o que a sua vida não mudará de forma alguma. Ele é Daniel Dare. Diretor do jornal "The Right". Foi sua escolha tornar-se quem se tornou. Também já é tarde demais para escapar. Gostava de ser alguém mais bondoso e amigável, mas os eu trabalho não o exige. Não enquanto tiver um telemóvel a tocar e trabalhadores preguiçosos.
Não enquanto o "The Right" não for famoso. Até aí não irá parar.
*Bip*
...
*Bip*
...
*Bi-*
Com medo de deixar esta pessoa mais tempo à espera, ele finalmente clica no botão e atende a chamada. Tem estado com a tela para cima há muito tempo. Perdeu demasiado tempo a contemplar o futuro que poderia ter tido. Mas neste mundo do negócio, tempo é ouro e não dá jeito andar por aí a gastá-lo. Por isso não tem razão para ficar como Damian a olhar para trás. Ja estmais do que na hora de voltar ao presente.
Então, ele aproxima o flip phone do ouvido e começa a chamada, recuperando o seu ar neutro ao livrar-se do sorriso. Quando regressa ao personagem ele finalmente fala:
Daniel: "Estou?"

Damian saía do escritório mais aliviado. A vergonha tinha dissipado um pouco. Andava em direção ao seu cubículo com o peito mais erguido e uma confiança que nem tinha ideia que poderia sequer possuir, em primeiro lugar. 
Vamos só ignorar o facto que todos o estão a olhar de forma estranha. Não vale a pena fingir. Claramente que ouviram o que ele disse, mas tudo bem. Damian está bem e mais aliviado Por isso nem se importa com isso. Enquanto estiver bem, está bem com todos.
Ia em direção ao seu cubículo. Sem pressa. Ao seu vagar. Em ritmo lento e cheio de jubilo. Nem se dava pelos trabalhadores que o olhavam estranho. Mal se apercebeu dos trabalhadores que andavam a jogar videojogos e a ouvir música no monitor ao invés de trabalhar. Limitou-se a passar por todos esses cubículos até chegar ao seu quando...
Sarah: "Espera aí, Damian!"
Damian: "Opa..."
Ouve a voz de Sarah a chamá-lo. Certamente que ela não está dentro do seu cubículo. Ela deve estar atrás dele. Damian vira-se para trás e não é que...
Sarah: "Pareces demasiado bem disposto para alguém que há pouco tempo estava paralisado."
...sim estava atrás dele.
Damian: "Sarah, eu-"
Sarah: "Não me venhas com brincadeiras. Eu quero saber o que é tens de mal."
A mulher não está mesmo para brincadeiras. Chegou a interrompê-lo no meio da sua introdução. Vê que tem de a levar a sério e o sorriso estúpido que ele tem no rosto não o vai ajudar nem um pouco com esta tarefa.
Damian: "Eu...não sei se me sinto muito confortável em partilhar."
Sarah: "Ai é? Mas olha que para estares tão feliz é porque contaste ao Daniel."
Diz com fumo quase a sair das suas narinas. Parece ter perdido a sua paciência há muito. Só talvez de ter estado a dar tudo de si para o acordar e agora vê-lo ali todo bom quando nem estava presente. Não posso dizer que é muito compreensivel. 
Está mais a descarregar frustrações do que propriamente zangada com ele. Isso apenas o deixa a erguer a sobrancelha e a estranhar aquilo tudo enquanto responde levemente confuso.
Damian: "B-Bem, foi algo momentâneo. Agora não sei se me sinto muito seguro em partilhar. Estamos rodeados de tantas pessoas."
Sarah: "..."
Deixou-a um pouco sem palavras. Esse é o problema de descarregar frustrações. Grande parte das vezes não se fazem bons argumentos. Muitos dos argumentos fabricados são facilmente refutados usando um pouco de lógica e, no fim, deixa-se o outro sem resposta. Mas caso as coisas não estejam claras o suficiente, Damian insiste em explicar ainda mais.
Damian: "Não sei se me estou a fazer entender. Eu só consegui falar sobre aquilo ao Daniel porque...nem sei porquê. Foi algo tão...súbito."
Sarah: "Olha que eu é que não vou saber. E não precisas de me dizer isso tudo como se já não percebece. Eu...só estava preocupada."
Os ânimos acalmam e ela fica com a voz mais profunda e depressiva. Aquela raiva toda que ela tinha era apenas uma façada para mascarar o que sentia verdadeiramente. Uma máscara para esconder a preocupação que sentiu.
Sarah: "Damian..."
Damian: "Sim?"
Pergunta confuso quanto ao comportamento da secretária.

Sarah: "Nunca mais me deixes assim."

Agora percebeu. Tudo é uma farsa para esconder o que realmente sentia. Com cada resposta que Damian dava, um pedaço dessa máscara ia sendo retirado. ao que agora aconteceu foi só o desabrochar da flor. A máscara a fraturar-se em pedaços para mostrar a preocupação.
Por trás daquela agressividade toda estava uma amiga. Alguém que se preocupava consigo e queria vê-lo sempre bem. Com a personalidade difícil de Sarah chega a esquecer-se que esta pessoa sempre existiu.
Ela pode exigir que os dois sejam profissionais em zona de trabalho. Pode querer que ambos passem a ideia de que mal se conhecem em zona de trabalho. No entanto, isso é só para esconder a vergonha que tem ao admitir que a secretária do Daniel também é humana.
Focou-se tanto em parecer profissional junto ao Daniel para fazê-lo acreditar que era uma secretária digna. Mas esqueceu-se que era humana. Isso é algo que não consegue esconder. Neste momento, ela percebeu que não era como o Daniel. Ela era...
Damian: "Não te preocupes."
Subitamente Damian abraça-a. Coloca-a sobre o conforto dos seus braços e deixa que ela se envolva nele. Sem vergonha qualquer no que faz. Sem segundas intenções. O que ele está a fazer é tranquilizar um amigo. Uma amiga.
Sarah: "Ei! Estamos em público. Tu sabes quais são as minhas regras. Fora do escritório podemos ser amigos, mas aqui somos só colegas de trabalho e nada mai-"
Damian: "Sim, eu sei."
Sarah: "..."
Percebendo que ele o fazia de propósito ficou novamente sem resposta. No que é que ele estava a pensar? Revirando os olhos para os lados nota que algumas pessoas estão a observá-los. Que vergonha...
O que é que lhe deu na cabeça? Quer estragar-lhe a reputação ali ou o quê? Ela tem todas as preocupações e mesmo assim...não tenta resistir. Por alguma razão, sente-se confortável ali. Envolvida no calor do corpo do seu amigo. Deixando que o quente do coração de Damian elimine estas preocupações. 
Deixando os outros de lado, ela...deixa de se importar com tudo. Abstem-se do resto do mundo e a sua realidade passa a resumir-se àquele momento. Àqueles braços e àquele calor que sente. É tudo o que importa.
Passado algum tempo, ela deixa de se importar. Com a imagem que quer passar. Com os observadores descarados. Se Daniel vai ouvir o que se passou ou não. Brevemente, vai se esquecer de tudo o que lhe anda a moer a cabeça. E isso também inclui o bem-estar de Damian.
Damian: "Finge que estás sozinha. Deixa tudo ir cá para fora. Não precisas mais de fingir ser como o Daniel para ser respeitada. Nem que seja só agora, sê tu."
Sarah sucumbe. Deixou que as palavras que Damian disse quase em sussurro a hipnotizem como uma canção de embalar. Uma canção que acalmava e unia dois amigos num momento complicado. 
Os dois passam a viver naquele momento. Um colado ao outro. Como se ninguém mais estivesse naquele edifício, pois, mais tarde ou mais cedo...os observadores fartam-se. Passam a sentir-se intrusos naquele momento que nascia entre duas pessoas que se conheciam há muito.
Todos esses voltavam ao trabalho que fingiam fazer e deixavam ali os dois. Damian e Sarah. A ficarem abraçados só mais um pouco naquele momento que não queriam que acabasse.
Sarah: "Eu vou te matar depois disto."
Diz num tom de voz tão baixo como o de Damian enquanto pousa a sua cabeça sobre o seu ombro.
Damian: "Guarda isso para o jantar."
Sugere-lge, desta vez, mostrando disposição para ir. 
Sarah: "Jantar. Parece-me bem."
Fala enquanto se deixa levar pelo momento. Como se indo para um sonho para nunca mais voltar. Como se deixando este mundo para ir para outro como se para ir sonhar onde tudo é possível.

A esta altura do dia Jeff acordava. A estas horas da manhã abria os olhos e...
Jeff: "Ai!"
Abriu os olhos e deparou-se com a luz da mesa de cabeceira ligada que mais parecia cegá-lo. Pois é. Esteve a dormir de luz ligada. Ontem estava tão farto de tudo que nem tentou ser mais experimental com a criatura. Depois de ontem não poderá mais ser experimental. Certamente não hoje.
Mas ainda não veio a pior parte...
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*
Só agora é que tocou o despertador. Só podem estar a brincar.
Já bem sei se disse isto ou não, mas quero dizer de qualquer forma. A pior coisa que pode acontecer de férias é acordar antes do despertador tocar. Esta é uma época onde queremos dormir até ao máximo possível e ver o nosso desejo a ser impedido por nós mesmos e não por uma força exterior. Essa é a maior frustração de todas.
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*  
Jeff: "..."
Normalmente Jeff ficaria irritadinho e limitaria-se a dar um pancadinha no despertador. Acontece que depois de ontem Jeff está levemente fora de si. Experiencia emoções que nem sabia possuir. E não diz isso num bom sentido.
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*
De olhos semiabertos continua a ouvir o som do despertador. Infernalmente aguardando que uma força divina o fosse ajudar. Aguardando que um deus ouvisse as suas preces e tivesse pena para vir desligar o maldito despertador.
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*
Claramente as coisas não funcionavam. Estava Jeff com os olhos cometamente abertos e habituados à luz quando se farta por completo de ouvir aquele som. Todo aquele... 
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim* 
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*
*Pim* *Pim* *Pim*       
...que não para por nada nem por ninguém. Aquele maldito barulho que vai se entranhando na cabeça. Um som metálico que vai sendo repetido vezes e vezes sem conta até alguém não aguentar mais. Um som que lhe lembra o...
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
...o som metálico da criatura e...o som do bater na porta do seu pai.
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
Porquê? As coisas já não estavam más o suficiente? Vai começando a suplicar para pararem.
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
Os sons vão ficando mais altos e insuportáveis. Mais difíceis de ignorar. Vai querendo que o som pare.
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
*Dam* *Dam* *Dam*
Entranhando-se cada vez mais na cabeça. Enchendo-a mais de ruído até explodir. Vai suplicando que o som pare de alguma forma. Leva as mão aos ouvidos não aguentando mais.
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
*Dam* *Dam* *Dam*
*Clank* *Clank* *Clank*
*Dam* *Dam* *Dam*
A tensão ia acumulando e acumulando e quando parecia que não ia aguentar mais...agiu...
Jeff: "CALA-TE!!!"
*Varash*
Num piscar de olhos ele levanta-se e varre o despertador com tanta força que o desconecta da ficha e leva a voar até à parede do quarto onde ficava a criatura. O monstro...o vírus...
*Paaah* *Pim* *Pim*
Com um estrondo o despertador bate na parede e cai no chão, soando os sinos com cada impacto. Quando ouviu o último "pim" e viu o despertador a caiu no chão, morreu de alívio. Teria celebrado só se não estivesse tão...
Jeff: *Pant* *Pant*
...cansado e...ofegante.
Já passou tempo demais a aguentar todo aquele inferno de barulho. Já passou tempo demais a aguentar a criatura. Já está farto de ouvir mentiras e palavras do seu pai. Já está farto de tudo isto.
Jeff: *Pant* *Pant*
Já chega de estar aqui trancado no quarto também. Está mais do que na hora de respirar o ar de fora. Também não corre mais risco de se irritar com o seu pai. Agora está sozinho. Finalmente, sozinho...

*Vr* *Vr* *Vr*
... 
*Crrrrrrrrr*
De dentro Jeff abria a porta com a chave que se encontrava sempre na fechadura de dentro. Com a porta pronta para ser aberta por qualquer um, a criança gira a maçaneta e puxa-a, deixando-a ranger e o som em questão ecoar pelo resto da cada vazia.
*Crrrrrrrrrrrrrrrrrrrr*
Até que parou.
...
Agora é só ele na casa. A casa é só sua. Não há mais nada para o incomodar. É isso o que quer especialmente depois de ontem. O problema serão os eventos na sua cabeça a serem constantemente reproduzidos. 
Refiro-me àqueles que fazem um ano e aos que fazem um ano hoje e aos de ontem. Um já não bastava. Agora tem dois. As coisas acabaram de complicar ainda mais. Quanto à forma como lidará, resta esperar.  
Por enquanto, Jeff desce as escadas com as suas pantufas que contrastam bastante com o seu estado de espírito depressivo. Vai até abaixo com pouco ânimo e num passo bastante lento. Como se estivesse sempre a contemplar algo. Como se a sua cabeça estivesse presa no passado...
Sem dar conta já tinha chegado à sala. A sua mente acaba por voltar ao presente. Foca-se em arranjar o pequeno-almoço. Irá comer o de sempre. A mesma barrita de cereais com sabor deprimente. Comeu isso anteontem. Comeu ontem. Vai comer hoje. Quando se está de férias, cada dia parece o mesmo. É sempre a mesma coisa que deixamos de conseguir diferenciar os dias. Mas hoje aconteceu algo levemente incomum.
Tinha se voltado para a cozinha. Era até aí que ia. Bastava passar pelo sofá à esquerda e a televisão à direita. Não, não era assim tão simples. Ainda nem se tinha apercebido, porém havia algo a mais no caminho. Jeff deu um, dois, três passos e o quarto passo encalhou com algo.
Estava já entre a televisão e o sofá. Pisou em algo que era mole e parecia ser plástico. Não, havia algo a mais ali. Pelo toque parecia ser uma embalagem de algum tipo talveź de plástico também. Olhando para baixo rapidamente averigua que é um saco de plástico. Daqueles que se usam para as compras. Não se lembra de isto ter lá estado ontem...que esquisito...
De onde é que aquilo veio? Com especulações não irá longe. Ele tira o pé de cima do saco que dizia ser do "Cali Mart", agacha-se e vai ver o conteúdo das compras. A criança pega nas asas e puxa o saco para dois lados distintos para finalmente ver o que tem lá dentro. Jeff não vê muita coisa além do claro destaque dali. Só há um item dentro do saco. Foi uma compra pequena e esse pequeno item era...um bolo.
Intrigado ele tira a embalagem do saco e contempla-a na sua mão. Os seus olhos não o enganam. É um bolo de brigadeiro. Um pouco amassado, no entanto, dá para comer perfeitamente. Quem sabe, pode servir de um bom pequeno-almoço. Pode não ser saudável, contudo pode ser bom para variar um pouco. 
Mesmo assim não para de se perguntar de onde veio. Quem é que o comprou. Recorrendo às memórias do dia de ontem que gostava de manter esquecidas, ele chega a uma conclusão em tempo recorde. Iza não foi. Jeff também não foi. Foi Damian então.
Sim, isso lembra-o que ontem foi o seu aniversário. Nem pareceu. Com tanta porcaria que teve de lidar mais pareceu um dia infernal. Um completo oposto do que um aniversário deve ser. Enqunato que, num aniversário se presenteia o aniversariante com brinquedos e felicidade, ontem apenas o presentearam com más notícias e depressão. Quer mesmo tentar esquecer tudo o que se passou, mas fica complicado...
Tentando focar-se no agora, Jeff pondera o que fazer com o bolo. Vai comê-lo? Até tem bom aspeto. A sua barriga diz que deve comer. O seu estômago também. Parece que tudo indica qual a opção a tomar. Não é como se tivesse algo muito melhor para comer. 
Acho que está decidido. Voltando a levantar-se, Jeff carrega o bolo amassado numa mão. Ele retoma o passo e continua em direção à cozinha. Bolo numa mão e a outra vazia. Pronto para devorar o bolo.
Jeff chega até à cozinha já com fome. Ia em direção à bancada de madeira para cortar uma fatia só para si. Caminha até aí, mas faz um gesto esquisito. Gesto talvez não seja a palavra certa. Foi um ato que fez em caminho à bancada.
O que aconteceu foi que, no meio do caminho, a uns cinco passos de lá chegar ele...vira? Parece que desviou-se do seu destino. Não, acho que o seu destino nunca foi a bancada. Sempre quis ir a outro lado. Mas isso significará...ele...quer mesmo comer o bolo?
Esta pergunta é respondida em pouco tempo. Jeff vira para a esquerda e vai ao pé do frigorífico. Não é para guardar o bolo. A criança olha para baixo e vê o caixote do lixo. Já devem estar a ver onde isto vai parar. Jeff não quer comer o bolo. Ele coloca o pé em cima daquele pedal, levantando a tampa e, sem mais nem menos, atira para lá a embalagem com o bolo lá dentro.
Nem mostra misericórdia pelo pobre bolo. Atira-o para lá como se não fosse nada para ele. Se bem que...lá no fundo ele o quisesse devorar. Estava a morrer de fome e gostava de ter comido algo diferente. No entanto, atirou-o para lá na mesma. E querem saber porquê? Porque aquilo era uma prenda de Damian.
Só por isso. Não há uma razão muito mais profunda. Podem achar idiota, mas lembrem-se que ele é uma criança. Age de modo infantil. É teimoso e quer manter-se verdadeiro aos seus ideiais e gostos como qualquer criança.
Por muito que lhe tenha apetecido, lembrou-se da posição que defendia. Depois de ontem deixou de ver o seu pai da mesma forma. Já não o vê como uma figura zeladora que o protege a todo o custo. Ele pode ainda ter essa vontade, mas agora só o consegue ver como um mentiroso. 
Um mentiroso. Foi com esta ideia que ficou dele. Pensa agora no seu pai como um idiota que lhe passou anos inteiros a esconder a verdade sobre a morte de sua mãe. Não sabe porquê. Não quer saber porquê. Ele é o seu filho. Merece saber tudo. Merecia a decência de saber o que aconteceu à sua mãe. Mas é claro que isso não aconteceu.
O seu pai foi idiota o suficiente para lhe ocultar a verdade. Mesmo depois do trauma pelo qual passou e ainda passa recusou-se a contar-lhe tudo. Ele é a culpa de ver o monstro todas as noites, se a sua teoria estiver certa. Ele é a culpa de já não ser respeitado pelo seu próprio filho. São pelos seus atos que este bolo foi para o lixo tal como o respeito que Jeff tinha por ele. Não existe mais ninguém a culpar na sua queda senão ele. Damian é o verdadeiro culpado disto tudo e não existe mais ninguém a culpar senão ele, um pai mentiroso incapaz de contar a verdade ao seu filho, magoando-o durante anos. 
...
Acho que já chega de desabafos. Caramba. Está mesmo com fome. Já chega de adiar as coisas. Tem de ir finalmente tomar o pequeno-almoço. A barra de cereais deve estar na dispensa. Ele lembra-se da música. A mesma que tem andado a reclrrer para acalmar e decide cantá-la de boca fechada mais uma vez em caminho à dispensa para comer a sua barra de cereais.
Sim. Isso parece-lhe bem. Há minutos atrás teve maior opção de escolha, mas isso já foi. Essa opção foi excluída pela sua associação com uma certa figura. Quem sabe...se não fosse por ele...pelo que ele fez...pelas revelações de ontem...aquele bolo já teria sido devorado. Mas isso é ir além da realidade. Isso significa ir para outro mundo. Para outro universo. E acho que sabem que tudo isso não passam de idiotices de cariz sobrenatural. Devem saber o quão boas essas teorias são.

Iza acorda em cima do seu colchão. Colchão sujo. Repleto de nódoas acastanhadas. Calma. Não é o que estão a pensar. São nódoas de gordura. Aquilo já é um colchão bem usado, por isso era de se esperar que não estivesse nas melhores condições.
Sim, eu disse usado, mas...não foi por ele.
Ner: "Hora de acordar! É quase meio-dia. Queres ficar a dormir até ao almoço?" 
A voz de Ner é ouvida. Deve ser ele quem o acordou. E está relativamente apressado. Não me digam que já está na hora.
Iza: "..."
Ner: "Vamos! Eles estão a chegar. Por isso para de tentar dormir nesse colchão. Já que acordaste não vale mais a pena tentar entrar no sono."
Ele até tem razão. Se o que diz é verdade tem mesmo que acordar. As regras são simples. Têm de sair antes que eles voltem ou comprometem toda a gangue sem nome. Custa é sempre para levantar. Ainda por cima depois de ontem precisava mesmo de um bom descanso.
Iza: "Ok. Eu vou levantar-me."
Diz, com voz sonolenta.
Exercendo grande esforço Iza levanta a cabeça do colchão e ergue o seu corpo. Continua a fazer este sacrifício com grande pesar no coração até ficar sentado em cima daquele colchão onde queria ficar mais uns minutos.
Ner: "Sentes-te pronto?"
Iza olha para o lado da cama onde se senta e olha para Ner, lentamente abrindo os olhos e habituando-se à luz que entra pela janela.
Iza: "Queria descansar mais um pouco, mas tudo bem. O cansaço deve passar com o dia."
Ner: "Não podes demorar a te recuperar. Hoje à noite tens que estar a 100%."
Iza: "É verdade."
Foi relembrado que não há mais tempo para pensar ou refletir no passado. Tem de se recuperar e rápido. Hoje marca um dos dias mais importantes da sua vida. É o dia em que se provará como um grande líder ou cono um grande cobarde. Tudo depende da sua decisão. Mas até aí...tem este trabalho por fazer.
Homem: "QUEM É QUE ROUBOU A MINHA ESCOVA DE DENTES?"
O clima parece estar em chamas lá em baixo. Os membros da gangue já começaram a enpacotar os seus bens para sair. Só deve faltar mesmo Iza. Só falta mesmo o líder. Depois de ouvir este grito solto do piso de baixo é que percebe a pressão que tem em cima dele. Basta confirmar se essa pressão é justificada.
Iza: "Quanto tempo é que temos?"
Pergunta com a maior calma do mundo enquanto recupera do sono.
Ner: "Por volta de 10 minutos até chegarem. Se o calendário que eles deixaram na cozinha antes de irem de férias não mente. Estamos um pouco atrasados, não vou mentir."
Iza: "Hummm. Está bem."
Confirmadas as suspeitas ele percebe a gravidade da situação. Esta não é a primeira vez que fazem uma estadia neste tipo de casas, porém é uma das raras ocasiões em que estão atrasados. E bastante atrasados.
Não há tempo a perder. Percebendo a gravidade da situação ele não gasta tempo. Iza levanta-se da cama com as mesmas roupas de ontem e calça os sapatos que deixou debaixo da janela. Olha para a janela de fora e vê a rua vazia. Aproveita também para rapidamente ver a sua reflexão. Dá um jeitinho no casaco, ajeita o seu cabelo e está pronto para ir.
Iza: "Ok. Vamos é tratar disto."
Sem gastar tempo ele passa por Ner com um passo apressado e sai daquela divisão. Parece que ele já entrou no ritmo da coisa. Demora sempre um pouco, mas, quando chega mantém-se constante. Satisfeito com esta rápida adaptação do seu capitão, Ner sai do quarto e segue atrás dele com todo o gosto.
Ner: "Os nossos homens estiveram já há algum tempo a arrumarem-se." 
Fala para Iza enquanto os dois caminham no piso de cima em direção às escadas.
Iza: "Quanto tempo exatamente?"
Ner: "Por volta de uma hora."
Iza: "Uma hora..."
Comenta para si mesmo enquanto ambos chegam às escadas. Iza coloca os pés nas escadas e começa a descida. Ner segue instantes atrás dele e a conversa vai continuando a partir daí.
Ner: "Tem algo de mal? Uma hora antes. É sempre assim que fizemos."
Iza: "Não é isso. Só me surpreendi de ainda não estarmos todos prontos com todo esse tempo."
Ner: "Realmente. Achava o mesmo."
Os dois já desciam as escadas. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez passos tinham sido dados no meio daquilo tudo. E como a escadaria até que era pequena isso foi o suficiente para chegar ao piso de baixo. 
Quando lá chegam, os dois param. O modelo da casa é muito semelhante à de Damian, embora seja num bairro diferente. Iza até fica frente a frente com a porta mal chega ao piso de baixo. Por isso vira-sw juntamente com Ner para ver o cenário no total e que catástrofe isto foi.
Sabem que não deviam parar. O clima é que os fez parar. O que viram ali. Era um clima caótico. Não, caótico era elogio. Aquilo estava muito pior. Pior do que Iza tinha imaginado. Pior do que Ner tinha presenciado há uns segundos.
Multidão: "Vem para aqui! Passa-me a minha pistola! Não isso é meu! Dá cá! Desculpa, pensava que eras o Jamis." 
Ner: "Em minha defesa, as coisas não estavam assim tão más."
Diz boquiaberto com aquele cenário quase apocalíptico.
Iza: "Acho que 10 minutos não bastarão."
Responde começando a estressar.
A casa estava uma total bagunça. Eram uns 20 marmanjos ali ao molho. Cada um a fazer a sua. Cada um a dar de tudo para limpar e tentar arranjar arrumação no meio de toda aquela confusão. De novo, confusão era elogio.
Tinha três sofás verdes a rodear a televisão. A cozinha ao lado desta sala de estar tinha uma panela e um frigorífico com comida. Já devem ter percebido, mas aquela casa não é deles. Pertence a outra família. 
A gangue limitou-se a entrar lá quando a família está de férias e aproveitar tudo o que tem para oferecer até eles voltarem. Segundo o que viram no calendário que eles guardam na cozinha, eles voltam hoje, daqui a 10 minutos. Por isso sim. Estão um pouco lixados.
Multidão: "Levanta-te! Não é aí! Onde é que podemos guardar esta comida? Quanto tempo é que nos resta?" 
Especialmente sabendo qual é a situação sabe-se que eles estão mesmo feitos. Ainda existem alguns homens a dormir nos sofás, incluindo Wedge que guarda religiosamente a sua faca enquanto ressona. Outros aproveitam para roubar alguma comida do frigorífico ou para fazer uns petiscos de última hora. Isso sem falar de outros que estavam à procura dos seus pertences perdidos que outros provavelmente tinham levado sem querer ao saquear a sala e a roubar todas as porcarias, migalhas e até fios de cabelo. E também havia Jamis que só conversava com os outros.
Jamis: "E foi isso o que aconteceu. Depois disso a gaja só me deixou sem mais nem menos."
Homem com quem fala: "Tu és louco. Nem sei como consegues arranjar tanta mulher."
Jamis: "Que posso dizer? Sou estiloso e tenho jogo."
E para além destes azeiteiros ainda havia um maluco a gritar no meio da multidão e de toda a converseta e...
Homem: "ESTÃO A OUVIR-ME? ONDE ESTÁ A MINHA ESCOVA DE DENTES?"
...é esse mesmo. E Wedge a ressonar.
Wedge: *Ronflhhl* *Ronfllh* 
Têm um longo trabalho pela frente. Iza olha para o relógio em cima da televisão. Nem mais nem menos. São 10 minutos e nem mais um segundo. É o tempo certinho que têm para saie dali. 
Vai ser um desafio. Um desafio para a velocidade de todos. E um desafio para a liderança de Iza. Mas um desafio que terá de encarar de cabeça erguida. Se não conseguir comandar nos seus homens, certamente a missão de hoje à noite será um massacre.
Wedge: *Ronflhhlf* *Roonnfl*
Muito bem. Mesmo perante todos estes riscos, Iza está disposto a ser o melhor que pode. Para não levar mais raspanetes daqueles. Para eles não duvidarem mais dele. É a sua oportunidade para se provar como um bom líder e é uma oportunidade que não vai perder.
Homem: "MALTA! A MINHA ESCOVA DE DENTES?!"
Multidão: "Anda aqui! Sai daí de cima! Olhem que temos pouco tempo! Tu para de comer!"
E quando a confusão está no ponto mais alto.
Multidão: "Acordem, idiotas! Estamos no tempo limite! TEMPO LIMITE!"
Com o barulho a tornar-se insuportável.
Jamis: "Não, eu não estou a gozar contigo."
Multidão: "IDIOTAS! QUEM FOI QUE ME TIROU A PISTOLA?"
Os nervos de todos a chegar ao clímax.
Jamis: "Sou mesmo assim tão bom."
Homem: "MALTA! A ESCOVA DE DENTES!!!"
Multidão: "SAIAM DAÍ!!! TEMOS DE NOS DESPACHAR!"
Wedge: *Ronfllll* *Ronhllll*
Iza intervém.
Iza: "PAAAAAREEEEEEEEMMMMM!"
A sua voz série e farta ecoa por toda a sala e sobrepõe qualquer som que estava a atuar. O ressonar de Wedge. A conversa de Jamis. O som todo da multidão perdida a atuar ao mesmo tempo com objetivos diferentes. Todos esses agentes eprdem para o poder e intensidade da voz de Iza. Por isso é que todos param de fazer o que faziam e prestam atenção ao homem ao pé das escadas, ao homem que os lidera.
Ner: "..."
Iza: "..."
Ele permanece tão imóvel ali. Como se o grito que deu nem o tivesse desgastado. Aquele homem. Aquela figura. Tão ausente, mas agora tão presente e imponente. Mesmo os que o desprezam não conseguem conter o medo que sente. A pressão que aquele tipo emana. Não sabem o que lhe aconteceu de ontem para hoje, mas ele parece ter mudado. Está diferente.
Wedge acorda do sono com a faca junto ao peito. Jamis interrompe a conversa. Toda a multidão acorda do seu sono, para de fazer o que faz para olhar para aquele homem. Iza Ingram. O líder que comanda as atenções de todos. O líder que os vai pôr no lugar.
Iza: "OUÇAM-ME BEM! Vou dizer isto uma única vez e nunca mais."
Cada um para e põe-se de pé. Tal como a multidão de um concerto prestes a aproveitar a voz do seu cantor favorito.
Iza: "A partir de agora vocês têm 10 minutos para sair daqui. Terão de arrumar tudo e levar tudo o que consideram necessário em 10 minutos. A família Jumes vai voltar em 10 minutos das suas férias no Novo México. Guardem esse tempo bem na vossa cabeça. 10 minutos. 10 MINUTOS! NÃO PRECISO DE DIZER MAIS NADA! ARRUMEM-SE E SAÍAM DE CASA! Vemo-nos no beco ao lado do Rico's Cafe para reunirmos as armas e tudo para hoje à noite. NÃO SE ATRASEM! OUVIRÃO?"
Todos: "SIM, CAPITÃO!"
Ner: "Entendido."
Surpreendentemente, todos o respeitam. Ouviram bem as suas palavras e mostraram-se satisfeitos com o discurso. Por uns breves momentos, os membros mais antigos que o odiavam até viram Garrth em Iza. Só naquele breve momento tiveram a sua esperança recuperada. Voltaram a acreditar que a gangue talvez tivesse voltado a um bom caminho.
Para corresponder com a satisfação que tinham, responderam o mais positivamente possível. Uma forma de feedback para mostrar que estavam a gostar do que viam e que era este o Iza que queriam ver hoje à noite. Este era o líder que sempre quiseram e, embora tenha demorado, ele finalmente parece ter chegado.
Iza: "Do que é que estão à espera? VÃO! VÃO! VÃO!!!"
Ao som das palavras do chefe, os capangas agem adequadamente. Passam logo a importar-se com o que realmente vale a pena. Deixam as conversas e a galhofa. Largam as sanduíches que estavam a comer e guardam no bolso para depois. 
Jamis deixa as conversas e despede-se do outro homem por enquanto. Depois retomam o assunto, pois agora têm outros assuntos em mão. Wedge também foi acordado e devidamente alertado para os perigos que corria. Sabendo disso ele levanta-se do sofá e passa a cooperar com os outros no roubo daquele lugar. 
Todos pareciam voltar a cooperar. Pareciam uma orquestra que se sincronizou graças às instruções do maestro: Iza Ingram. Ele que orquestrou tudo. Ele que fez com que o roubo e fuga da casa parecesse possível. Um minuto já se passou e as pessoas cooperam mais. Comunicam melhor. Até o tipo que andava a gritar recebeu a sua escova de dentes de volta de um tipo.
Finalmente organizaram-se. Pistolas foram entregues aos seus devidos donos. Sacos eram enchidos com mobília. Quadros de fotos de família. Vasos que pareciam valiosos. Copos e facas da cozinha que poderiam ser vendidos a um bom preço ou para usar como armas. Tudo uniu-se para o bom funcionamento daquele pequeno assalto. Assaltos. Foi nisso que a "Dishonour" se especializou e é nisso que eles se focam agora. A vocação que cada um tinha parecia voltar. Ninguém esperava isso. Nem Ner.
Ner: "Bem dito. Gostei do que vi. Até tiveste os gajos que te odiavam a cumprir as tuas ordens."
Iza: "Ai é? Não me tinha apercebido disso."
Fala sem dar grande importância ao que acabou de fazer. É que, depois do que aconteceu ontem, nada lhe importa muito senão o que vai acontecer à noite. É aí que está o seu foco. É aí que está a sua cabeça. Por isso é que nem deu muito valor ao que fez. 
Mas Ner vê algo nele. Apercebe-se de algo. Que talvez esta nova atitude esteja relacionada com algo. Para estar tão desinteressado no presente e tão profissional é porque algo aconteceu. Sim, ontem pareceu-lhe que as suas palavras lhe tinham feito algo. Ele ontem também chegou mais tarde à casa dos Jumes. Algo aconteceu.
Ner: "Iza. Sei que não é da minha conta, mas ontem chegaste mais tarde. Por acaso, foste a algum lado?"
O capitão cala-se por um pouco. Voltando ao presente e preparando uma resposta que lhe pareça plausível. 
Iza: "Agora não é hora para isso, Ner. Temos mais assuntos em mãos."
E deixa-o sem resposta antes de se pôr a andar em direção à porta.
Iza: "Eu vou andando até ao beco. Vou ver se não há lá nenhum mendigo ou pessoa que nos possa denunciar. Fica por aqui a vigiá-los, mas acho que, com esta disposição, não devem ter problema a sair daqui."
Ner: "C-Certo."
Diz estranhando o seu estranho comportamento.
Ao vê-lo abrir a porta e sair da casa, ele tem quase a confirmação de que algo aconteceu. Foi ontem e não tem a certeza do que foi, mas parece tê-lo afetado de uma maneira positiva. Tornou-o mais sério e profissional. O que quer que tenha acontecido...Ner gostou.

Iza sai da casa e vai direto ao bairro. Não precisa de descer nenhuma pequena escadaria nem nada. Vai direto à terra. Ao jardim da casa. Todo verde e bem cuidado. Com flores das mais variadas cores a ornamentá-lo. 
E nada disso lhe capta a atenção. O filho de Gareth passa pelo jardim apenas a olhar para a frente. Passado pela zona da entrada, ele vira para a direita e vai passando pelas outras casas. Sem se importar com eles ou com a sua aparência. Apenas passa por elas depressivamente com o seu mau aspeto de alguém que acabou de acordar.
Caminha naquela urbanização de bom aspeto. Melhor aspeto que a de Damian até. Poucas pessoas passam ao seu lado. Apenas um senhor a passear um cão e um senhor a correr no passeio do outro lado da estrada, mas ele nem se apercebe de nada.
Vai na sua. Com a mente a mil. Com todas as possibilidades do que pode acontecer hoje à noite a serem formuladas e, ao mesmo tempo, com as memórias da morte de Maria na cabeça. Maria. Foi hoje. Hoje há um ano. Hoje faz um ano desde que matou Maria.
Matou-a há um ano e ainda assim não sente que superou o que aconteceu. Depois de um ano ainda não se sente seguro em dizer que superou o passado. Tudo isso...não esperava acontecer. Este dia...tem temido por tanto tempo. Não só pelo que ele significa, mas também pelo que vai acontecer.
Já não bastava as memórias do passado...do que aconteceu ontem...do que aconteceu há um ano...ainda tem de se preocupar com o agora num raro momento. Este dia tem tudo para correr mal. Este dia marcará o fim de um dos seus grandes problemas e não sabe como tudo isso irá correr. Bem ou mal só o futuro dirá. A escolha está nas mão de Iza. Nas suas mãos. Com a faca no bolso ele decidirá o seu futuro. Quem morre e quem vive na noite de hoje. A noite dos passados conflituosos.

Damian estava a trabalhar no seu cubículo. Fazia as últimas preparações para ir fazer a sua visita a Danic Verty. Apenas olhava para as informações que tinha uma última vez e pensava nas suas perguntas uma última vez.
Tinha que manter sempre uma coisa na sua cabeça. A morada do rapaz. Como no escritória não há internet teve de o manter na sua cabeça desde a visitinha que fez àquele tal de Dimo. O que interessa é que sempre se lembrou. Bird Street 292. Acabou de dizer a Daniel e serviu para se relembrar a si mesmo. Num lugar sem internet como aquele, a memória é o melhor amigo. 
Damian: "Certo."
As coisas pareciam estar todas certas. Já tinha uma certa ideia do tipo de perguntas a fazer e de como agir. Só não sabia muito sobre a estabilidade mental da pessoa. Na verdade, não sabia nada sobre ele. Estava de certa forma a fazer uma aposta ali. Uma aposta que era a sua única oportunidade para solucionar aquele caso. Por isso não é como se tivesse grande escolha ali.
Tinha tudo pronto. Tirou a pen do computador e ia encerrá-lo. Afinal, teria de fazer uma visita a alguém. Mais tarde logo voltava. Depois da entrevista a Danic. Preparava-se para fechar o computador portátil fornecido pelo próprio jornal para ir pedir boleia a Sarah quando...os seus olhos encalham com algo.
Quando ia guiando o rato pelo ambiente de trabalho de modo a clicar no botão de encerrar passou os olhos pelo calendário. Foi muito brevemente, mas depois de o ver não conseguiu impedir a vontade de lá pôr os olhos uma outra vez. 
A data. Com todos estes problemas até se tinha esquecido. Não, desde que falou com Damian, tem se sentido mais aliviado e de certa forma contente, mas ver aquela data trouxe-lhe memórias. Não é alguém muito de se lembrar das coisas, mas...lembrou-se de algo.
Este foi o dia em que ela morreu, mas não é essa a memória que lhe vem à cabeça. Não. Não sabe porquê ao como, porém vem-lhe à cabeça uma outra memória. Talvez seja do ambiente profissional em que se encontra ou dos números que viu no ecrã que se lembrou daquela comversa naquela noite com Maria.
O sorriso tímido que tinha no rosto vai descendo e dando lugar a uma depressão enorme no seu coração. Esta memória...isto de que se lembra...pensava já se ter esquecido...mas hoje...fazendo um ano desde que ela morreu...ganha um novo significado...um significado mais melancólico e triste. Esta conversa que teve com ela foi o ponto de partida. Foi o principal culapdo de tudo, pensando bem. Da sua dor. Da de Iza. Da de Jeff. Nenhum dos dois sabia, mas esta comversa causou grande parte da dor na vida dos dois. Foi uma reação em cadeia que começou com uma bomba. E esta memória...foi a bomba que desencadeou a morte de Maria.

Era já de noite. A lua estava tão cheia e redonda no céu. Damian lembra-se bem. Ele caminhava do trabalho. Ia com um anel no dedo anelar da dua mão direita. Anel esse que já não carrega. Deixou de o levar consigo desde que aquilo lhe aconteceu naquela manhã.
Ele ia por uma rua. A típica rua que leva à sua cada. Uma rua escura...essa era a rua pela qual caminhava. Na rua escura apenas iluminado pelos postes de luz e...pela lua. Aquela grande figura no céu que por alguma razão captava a sua atenção...e ainda hoje capta.
A lua. Naquela caminhada em direção a casa, passando pelas mesmas casas de sempre, a lua é o que vem trazer algo de novo. Ela veio para fazer algo. Já não é a primeira vez que surge no céu. Houve outras vezes onde apareceu. Nada podes ser coincidência.
Seja pelo que for, ela parece simbolizar algo. Parece servir de símbolo para indicar algo. Uma espécie de presságio para o que está por vir. Se é o presságio de algo bom ou mau é que não sabe. Só sabe que ela veio agora avisar de algo. E não sabe o que esperar.
À medida que vai até casa com o seu casaco naquela noite de inverno onde a brisa ainda está fraca, ele vai temendo o que possa vir. O que é que aquela noite tem para lhe trazer? Só a lua sabe. A lua...que o observa lá no céu. 
Já chega de tanta especulação e maluquices. Damian vira para a sua casa mal a identifica. Caminha até à porta, subindo a escadaria em poucos segundos. Coloca a mão no bolso para tirar a chave de casa. Insere-a na fechadura e destranca a porta. Põe a mão na maçaneta e abre a porta.
Damian: "Cheguei!"
Anuncia em voz alta para todos ouvirem. E a princípio sente que ninguém o ouviu. Não houve nenhuma resposta aparente vinda de ninguém até ouvir...
Maria: "Estou na cozinha! Podes vir!"
Parece que a sua voz até chegou a algum lado. Chegou aos ouvidos de alguém. E esse alguém é a sua mulher, Maria. Com um sorriso no rosto por ouvir a sua voz, Damian vai em passos curtos e lentos em direção à cozinha.
Ele passa pela televisão que está ligada. Pelo sofá que parece mesmo bom para sentar. Ignora todos esses elementos e vai direto até onde interessa. A cozinha. Onde está a sua mulher a preparar algo com as costas viradas para si.
Damian chega atrás dela com um sorriso e envolve as suas mãos à volta da sua cintura, fazendo-lhe um abraço surpresa. É claro que Maria não esperava nada disso e também é apanhada de surpresa por Damian que agora coloca a sua cabeça em cima do seu ombro.
Parece só de olhos fechados. Não faz nenhum comentário sobre a comida que prepara nem se apercebe da sua expressão...preocupada. O que será que ela esconde lá no fundo? Rapidamente tira esses sentimentos da sua cara e finge uma expressão feliz para os próximos minutos. Sabe que demorará um pouco, por isso decide-se envolver no momento.
Maria: "Ora olá. Se os meus ouvidos não me enganam alguém vem na minha direção."
Damian: "E não te enganam esses ouvidos. Passaram-se 7 anos desde que te conheci e estás tão aguçada como sempre."
Diz num comentário galhofa e tom de voz cansado e baixo.
Maria: "Bom saber que existem coisas que nunca mudam mesmo. Ainda por cima aos meus 25 anos não esperava estar tão boa quanto tu dizes."
Damian: "Não me digas que já te achas velha. Estás bela como sempre."
Maria: "E tu já me estás a fazer graxa. Achas que eu não sei?"
Vendo que a sua mulher não está mais para brincadeiras, ele larga-a e põe-se à vontade na casa. Está mesmo cansado. Nunca se lembrou de voltar do seu trabalho tão tarde. Desde que os seus pais morreram, tem andado assim a dar tudo de si. 
Por isso é que ele anda nas últimas. Quer relaxar um pouco as costas e o corpo em algo mais confortável do que aquela cadeira do seu cubículo. O sofá parece ser o ideal.
Afastando-se da cozinha com o corpo todo dorido, ele vai até ao sofá. Damian deixa-se cair de costas como se fosse uma queda de fé para cima de algo muito confortável. E quando aterra deleita-se com o conforto da superfície.
Damian: "Ah! Que bom!"
Comenta num ato inevitável que não conseguiu impedir.
Maria: "Tu deves estar nas últimas das misérias. Com as horas que chegas a casa e o esforço que tu colocas ali deve ser o suficiente para deixar o Daniel de joelhos."
Fala, continuando a conversa da cozinha enquanto dá os últimos retoques no que prepara.
Damian: "Até parece que o Daniel parabenizaria alguém. O gajo é mais frio que um serial killer. Não, diria que ele está mais para ditador do que Diretor. Se bem que tenho de admitir, muitos daqueles trabalhadores não fazem lá nada."
Maria: "Também não compreendo o que é que esse tipo de pessoas vai lá fazer. O lugar nem tem internet. Deve ter de trazer os mp3 ou lá como se chamam com música e as consolas portáteis já com os jogos."
Damian: "O pior é que o chefe tem o trabalho tudo de colecionar notícias e informação em casa no seu computador para nos passar para a pen de cada um as notícias que acha mais apropriadas. Dá-me um certo dó do homem."
Pelo modo como falou, até parece simpatizar de certa forma com o seu chefe. Não gosta muito dele. Nem o acha boa pessoa ainda. Também não o veio a conhecer suficientemente bem, mas a visão que tem dele a partir dos outros é tudo menos positiva. Lá no fundo, não sabe o que achar e por isso concorda com a maioria. Faz isso mesmo só para ter uma opinião formada, porque quando estamos em dúvida, vamos com a maioria. Porém, nem sempre esta está certa...
Maria: "Ok. Prepara-te. O jantar está pronto."
Subitamente, interrompendo o seu pensamento, Maria vira-se e revela duas taças com garfos metidos lá para dentro. Uma que leva em cada mão. Aquilo é o jantar? Ok, espera que seja uma boa surpresa.
Ela tem especial cuidado no caminho. O que seria se agora tropeçasse e todo o trabalho que teve tivesse sido em vão. Maria passa pela bancada da cozinha e vai até ao sofá onde Damian se encontra. Cuidadosamente senta-se ao lado dele e passa-lhe uma taça para a mão.
Maria: "Aqui tens. A minha massa especial."
Damian pega na taça e dá uma boa olhada. Trata-se de uma massa como dizia ela. Uma de bom aspeto, vale acrescentar. Com pedaços de bacon e fatias de maçã cortadas em pedaços. Não entende a parte da maça, mas tudo bem. Ok, talvez não seja só a maçã.
Maria: "Que tal?"
Pergunta encarando-o com uma cara que apenas se equipara ao de um cãozinho a fazer de fofo.
Se fosse para ser sincero, diria já que não é nada demais e que massa que ela usou não é de grande qualidade. Com a antecipação que ela deu, não esperava uma massa instantânea daquelas de pacote. Mas aquela cara que ela lhe fazia...é difícil de negar-lhe qualquer coisa. 
Ai! O que é que diz? A sua cara não está muito convincente se disser que está bom. Até está a franzir a sobrancelha como se a duvidar do aspeto do prato e das qualidades culinárias dela. Ultimamente essa acaba também por ser a principal razão de ele não fingir nada.
Damian: "Para ser sincero...e para a antecipação que destes...deste a entender que iria ser algo vindo de um restaurante cinco estrelas. Sabes, algo que fosse mais incomum nesta casa. Não massa instantânea."
Maria: "Espera...o quê?"
A sua cara muda completamente. Tom de voz, postura e todo o resto. As extremidades da sua boca que estavam no seu ponto mais alto a formar um sorriso, vão descendo lentamente até chegarem até ao seu ponto mais baixo. Com as suas palavras conseguiu deixar Maria no oposto do seu estado de espírito há uns segundos atrás.
Não era este o tipo de feito que tinha esperado. Ver a sua mulher a fazer cara tristonha dá-lhe um apertozinho no coração. Que poder que ela tem. Até se sente mal. Tudo bem. Vai tentar fazer um pouco para melhorar a situação.
Damian: "Ok. Deixa-me reformular. Isto está com bom aspeto. Gosto da maçã e o bacon também parece bom."
Diz numa forma pouco convincente.
Maria: "Então o que é que o meu prato tem de mal?"
Pergunta com aquela postura cabisbaixa.
Damian: "Bem...hummm..." 
Acho que foi vencido. Tem de admitir que não pode vencer esta batalha. Tem de abordar missão. Desta vez falhou, mas, na próxima, vencerá de certeza. Chegou a hora de aplicar a melhor estratégia: mudar de assunto.
Damian: "E o Jeff? Não o vejo por aqui. Está no quarto dele? Está a dormir?"
Inquire-a desesperado para mudar de assunto. Foi tão desesperado a falar que não conseguiu mascarar a sua terrível atuação e ainda assim...parece ter funcionado. O que posso dizer? Contra um adversário pouco astuto, qualquer truque na manga funciona.
Não consegue acreditar como é que o sorriso dela voltou. Como é que ela voltou ao que estava antes de todo o problema da massa? Não sabe como, mas bastou referenciar a família que ela se esqueceu que se tinha zangado. Foi tudo graças à família. Sim, isso é o que mais importa. É isso o que faz Damian e os outros voltarem aos seus eus sorridentes que falam mais civilizadamente.
Maria: "O Jeff, perguntas tu. Esteve a ver televisão depois de chegar da escola. Passou lá o tempo tudo. Aproveitou que não teouxe trabalhos de casa e não tinha mais testes nesta semana e descansou a tarde toda. Depois dei-lhe o jantar. Douradinhos com massa e foi dormir."
Informa ao seu marido. Quando acaba de falar ela envolve a massa no garfo, girando-o, pega também nos acompanhamentos e leva à boca. Usa a sua mão direita para fazer todo esse movimento. A mesma mão onde tem o anel no dedo anelar. Anel esse que Damian também possui. 
Maria: "Desta vez esforcei-me muito e compensou. Anda, prova."
Obrigado pela mulher, Damian faz o que ela exige. Também não quer causar outra confusão. Mesmo sabendo que teria maneira de se safar dessa confusão com a mesma técnica. Sim, está muito seguro de que funcionaria duas vezes.
Girando o garfo de uma forma semelhante, Damian ata a massa à volta do talher e espeta uma fatia de maça e pedaços de bacon à mistura. Relutantemente, leva o garfo à boca. Por muito que esteja a fingir, este é o momento da verdade. Conseguirá resistir. Ele é que não quer mesmo comer aquilo.
O bacon tudo bem. Da massa estava farto, mas tudo bem. Agora a maçã...não põe muita confiança naquilo. Não confia muito que vá ser bom e ainda assim, para não deixar passar a sua façada vai ser um sacrifício e...
Damian: "Uau! Nada mau."
Por acaso até está bom. Surpreendeu-o pelo lado positivo. Talvez o medo que tinha foi assim tão justificado. Ok, tem de admitir que Maria merece elogio desta vez. Já se sente mais aliviado e tudo por ter um jantar decente na mão. E com Maria isso nem sempre é garantido.
Maria: "É o que eu disse. Uma combinação improvável, mas excelente."
Damian: "Sim, desta vez tenho de admitir que fizeste um bom jantar. Mas não te habitues a isso."
Maria: "Claro, meu crítico gastronnómico."
Os dois pareciam criar um laço a partir daquele jantar. Tomavam garfadas daquela combinação que por alguma razão sabia bem. Era um daqueles raros momentos em que se encontravam sozinhos e podiam pôr a conversa em dia. Falar sobre os amigos. Acontecimentos passados. Todas as novidades que se recordavam e...o trabalho.
Televisão: "Sjaksnbxjssnns"
A televisão não parecia dizer nada com nada. Não, o som estava meio abafado. Damian e Maria abstiveram-se do resto da realidade e passaram a focar-se no presente. Naquela conversa. O presente limitou-se àquela conversa e aos assuntos idiotas que traziam à tona. Aquela refeição parecia as do tempo da universidade onde era tudo para desenrascar e a partir disso lembraram-se de algumas figuras daquela época.
Lembravam-se de coisas do tempo da escola. Do tal aluno que nunca tomava banho. Aquele que passou uma visita de estudo inteira com a mesma roupa e a cheirar mesmo mal. Ninguém queria dormir com ele. Na época morriam de medo dele, mas agora só riem.
Ao falar dele lembraram-se do tempo de escola e de alguns outros alunos que tinham. A turma deles era mais estranha do que pensava. Lembraram-se de muitas figuras, mas não de Iza. Pelo menos, ele ainda não veio à tona.
Maria até se mostrava receosa durante toda aquela conversa. Estranhamente receosa e temendo por algo. Isso internamente, pois, no exterior passava-se pela típica Maria. O sentimento...essa tal coisa que ela temia...não parecia muito ansiosa para que Damian trouxesse à tona o nome de uma certa pessoa. Ela sabia quem era e estava com algum medo de ouvir aquele nome a ser proferido pelo seu marido, pois isso significaria que teria de lhe explicar o que aconteceu.
Por sorte, nada disso aconteceu. Com grande alívio no coração que não ouviu nada do que não queria ouvir. Por isso continuou com toda aquela atuação. Fingiu um sorriso e limitou-se a rir nos momentos apropriados. Rir e sorrir. E olhem que não foi por essa razão que não apreciou o momento. Não, grande parte daqueles sorrisos eram genuínos. Pelos vistos, não importa o quanto tente fingir, às vezes é impossível não se envolver no momento e deixar levar. Com estes risos e sorrisos até se esqueceu do que escondia...por enquanto...
Já cansados de rir eles voltam a um tom mais sério. A televisão permanece ligada e eles nem prestam atenção ao que dá. A massa foi toda devorada naquele intervalo de tempo de 20 minutos. Não estava grande coisa, mas a conversa fê-los ignorar o sabor e focar no assunto. Demoraram até que algum tempo a jantar com aquela conversa tudo, mas eventualmente abrandam um pouco. 
Maria pega nas taças dos dois e leva-as para a bancada da cozinha com um sorriso de pura felicidade. Esse sentimento não duraria muito mais, pois ao lavar rapidamente as taças lembrou-se de algo que lhe tinha acontecido hoje. Algo que se esqueceu com a conversa. Devia estar mesmo a divertir-se, mas a diversão parece acabar agora. Isso tirou-lhe o sorriso do rosto, deixando-a com uma face mais neutra e séria, algo que é raro de ver.
Algo tinha acontecido. Ela estava apenas a esconder este tempo inteiro numa atuação bastante convincente para os padrões de Maria. Para nem o seu marido desconfiar é porque está, no mínimo a fazer um bom trabalho. O que precisa de fazer agora é arranjar forma de lhe revelar o que aconteceu. Não conseguirá guardar aquilo por muito mais tempo.
Enquanto lavava a taça com a esponja, pensava numa forma de dizer o que aconteceu ao seu marido. Não tem muito tempo. Já acabou quase de lavar ambas as taças e tem tudo aquilo para dizer. O que mais lhe mete medo é como ele reagirá...
Infelizmente, não terá mais tempo para pensar. Acabou de lavar as taças e tem o seu marido a ver televisão enquanto a aguarda no sofá. É agora ou nunca. Tem quase a certeza que ele vai fazer a fatídica pergunta quando lá voltar. Por isso, ela lentamente vira-se fingindo um sorriso para não o preocupar. Vai andando em passo lento até chegar ao sofá e senta-se que é quando Damian se vira para ela com um sorriso genuíno e lhe pergunta o que menos queria ouvir: 
Damian: "Já sabes como correu o meu trabalho, mas e tu? Como foi o teu dia a tocar guitarra na rua?"
Lá está. O que queria evitar. Mas Damian foi preciso no que queria. Parece que Maria não vai conseguir fingir o sorriso por muito. Sem se aperceber, ele já tinha desaparecido e Damian foi rápido a notar.
Foi possível ter mais azar? Azar. Nem tem q certeza se azar é a palavra certa. Talvez até seja sorte. Foi mesmo algo bom? Pensando bem, não teve de trazer o assunto para cima da mesa. Por outro...não adiantou de muito...
Vai ter de falar sobre aquilo que não quer. Aquilo que tanto receia falar. Isso é algo que teria de acontecer de qualquer forma. Agora é que não tem escolha. Não tem outro caminho para seguir. Nem conseguiu se preparar, mas tudo bem. Sim, tudo bem. Tudo vai dar bem. 
Ao tentar parecer normal, parecia cada vez mais estranha. Não bastava a ausência do sorriso ainda ficou com os ombros inquietos. Como se não conseguisse tirar as palavras da boca. Como se...ela tivesse medo... 
Damian: "Maria?"
A sua expressão fica mais relaxada e a sua boca abre levemente. Não está pronto para o que aí vem. Nem se apercebia do peso daquela sua pergunta. Mal sabia ele o que tinha acontecido.
E ainda assim estava preocupado com a sua mulher. É claro que está preocupado. Nunca a viu assim. Por isso estava curioso e pronto a ajudá-la. O que quer que tivesse acontecido, ele estaria disposto a ajudá-la. 
Maria: "..."
Damian: "Aconteceu algo?"
Maria sente que não consegue mais esconder o que aconteceu. Está demasiado pressionada e já aceitou esse facto. Vendo que não tem outra escolha, ela abre a boca para falar.
Maria: "Isto que vou contar aconteceu hoje. Q-Quando estava a tocar na rua."
Diz hesitando com medo da reação que possa causar
Damian: "Foi algo mau?"
Maria: "Sinceramente, não posso dizer isso com muita certeza. Foi mais um encontro com alguém que não esperava e daí veio uma proposta."
Damian: "Proposta..."
Só aquelas palavras já levantavam um alarme. Até agora não sabe praticamente nada e já está com algumas suspeitas. Quem era essa tal de pessoa? Era um conhecido seu? Ou talvez alguém mau que fez mal a Maria. Para ela ter andado com isto durante o jantar todo é porque estava receosa para tocar no assunto.
Damian tinha todas estas preocupações e ainda assim queria ouvir onde é que aquilo iria parar. Queria saber o que tinha acontecido naquele dia à sua mulher. Só o facto de ter acontecido a ela faz-lhe logo importar no assunto. Torna o assunto da sua conta.
Maria: "Eu estava na rua. Perto da mesma pastelaria de sempre. Aquela que supostamente tem um excelente café. O 'Rico's Cafe'."
Começa a contar a história num tom monocórdico e triste. Como se aquela memória fosse algo que não quisesse desenterrar, mas relembrou-se para não preocupar o seu marido. Ela continua...
Maria: "Tocava sentada à porta com a guitarra na minha mão e a mala da guitarra no chão a servir de colecionador de moedas. As pessoas passavam por lá e, se gostassem da música que tocavam iam lá deixando uma moeda. E o dia nem corria mal. As pessoas até tinham deixado mais esmolas hoje do que em qualquer outro dia. Já não era a primeira vez que aquele local se tinha provado muito bom. Cantava eu uma das minhas músicas. Ia tudo a correr bem. Quando uma moeda caiu na mala. O que eu normalmente faço nesses casos é olhar para a pessoa e temporariamente interromper a cantoria, agradecendo à pessoa. Porém, quando fui olhar para a pessoa, antes que pudesse agradecer, eu...parei de cantar."
A forma como falava...dava a entender que não era um simples estranho. Tem quase a certeza que a pessoa de que ela falava era um conhecido dela ou, quem sabe, talvez de ambos. Mas as suas suposições não o conseguem levar muito longe. Terá de perguntar para saber.
Damian: "Por acaso era alguém que conhecias?"
Ao que ela responde, sentindo a parte que menos esperava a ficar cada vez mais perto: 
Maria: "Sim. E é uma pessoa que tu deves conhecer tão bem quanto eu. Essa pessoa em questão..."
Bingo. A sua suposição estava certa. Resta saber quem é essa pessoa ao certo. Tem as suas suspeitas e suposições, mas ele não esperava que a pessoa em questão fosse precisamente aquela.
Damian: "Não tenhas medo em dizer, querida. Quem era?"
Pede-lhe educadamente, confortando-a que nada de mal vai acontecer. Neste ponto apenas quer saber mesmo quem era a pessoa. Maria confia em Damian. Se ele lhe assegurou que não vai levar bronca por contar, então não vale a pena hesitar.
Ok. Sem medos, Maria. Diz o que sabes. Esta é a parte que mais temes e ela acaabou de chegar. Esta parte tanbém pode partir se simplesmente disser as palavras. 
Tem de se acalmar e dizer as palavras. Não nada a temer. O seu marido assegura. A sua cabeça assegura. O seu corpo assegura. Basta confiar e dizer que... 
Maria: "E-Era...o...era o..."
A palavra está mesmo na ponta da lingua. Só tem é dificuldade em acreditar que tudo o resto aconteceu mesmo. Por isso é que não consegue dizer tudo de uma vez.
É obrigada a pausar por um pouco. Para respirar fundo e reunir todos os pensamentos. Sem pressão. O mundo não está em risco. Nada de mal lhe vai acontecer. Foi palavra de Damian e, se ele disse, é porque é promessa. Muito bem. Chega de correr. 
Pondo de parte qualquer máscara emocional que tinha, Maria engole em seco. Pisca os olhos uma última vez e reconquista um olhar sério e assustado para em menos de um segundo abrir a boca e dizer a identidade da pessoa: 

Maria: "Essa pessoa em questão...era ele. O nosso colega da época da escola. Era o...o...o Iza."

Desta vez errou. A sua aposta estava errada. Iza. Iza. Certamente não é a pessoa que imaginou. Pensava que seria um outro colega que tinha na escola. Mas esse parece que ficará mais na sua cabeça do que fora. Terá de se contentar com Iza. Iza. Sim, Iza.
Para ser sincero, Damian não viu logo quem era Iza. Teve de pensar um pouco e de recorrer à memória para saber de quem se tratava. A sua cabeça foi lá ao fundo buscar as memórias de há anos atrás até que se lembra daqueles dois dias. Do dia do funeral de Gareth Ingram e...do dia da graduação.
São aqueles dois momentos que o trazem de volta à sua cabeça. Graças a essas suas memórias voltou a lembrar-se de Iza. E...espera aí...já não vê aquele tipo há anos. Empolgação começa a correr nas suas veias. Não consegue aguentar a surpresa que tem. Tantas perguntas que quer ver respondidas e não vê hora para isso.
Damian: "Iza?! Não acredito. O que é que ele estava lá a fazer? Ou melhor, o que é que ele tem feito da vida?"
Fala, surpreso e entusiástico, percebendo a figura a quem Maria se referia. Esta, por sua vez, não mostra a mesma empolgação. No momento até tinha revelado, mas, depois de saber o que aconteceu, não consegue mostrar mais entusiasmo. Ela mostra recejo. E continua a falar com esse mesmo sentimento: receosa quanto ao que o seu marido achará daquilo tudo.  
Maria: "B-Bem, eu meti conversa com ele e pausei a música por um bocado. Pelo que entendi, ele tinha vindo ali para uma espécie de reunião de trabalho. Até ia perguntar-lhe qual o trabalho em que estava, mas ele nem me deu essa oportunidade e fez-me logo uma pergunta. Queria saber o que eu fazia. Com uma certa vergonha no coração disse que não consegui arranjar emprego e cantava na rua para conseguir alguns trocos. Ele depois perguntou por ti e eu disse que trabalhavas no 'The Right'. Para variar, ele não conhecia o jornal e dizia que não fazia a mínima ideia. Aproveitando que já tinha falado de mim, ia mudar o assunto para ele, porém novamente ele foi mais rápido do que eu. Perguntou-me agora como tinha andado. Disse que até que bem, mas talvez tenha sido muito sincera."
Não precisou de dizer mais nada que Damian já percebeu o que realmente aconteceu. Conhece a sua mulher bem o suficiente para saber que, quando ela coloca uma hipótese em cima da mesa, é porque essa hipótese não passava de hipótese. Era realidade. Tinha já tudo imaginado na cabeça e a prever o resultado daquilo, pergunta-lhe com ar de sabichão:
Damian: "Tu contaste-lhe coisas a mais, não foi?"
Maria: "Não me consegui conter. Pensava que, se lhe contasse a minha parte, ele devolveria na mesma moeda."
Ao menos ela parece apta em defender-se. Isso significa que tem alguma verdade no que diz. Damian até decide parar. Já deu para perceber que ela está desesperadamente a tentar defender-se. Não quer lhe colocar mais pressão do que a que ela já deve ter. Por isso ele decide parar de desvendar cada uma das suas palavras ou de reclamar indiretamente dela. O passado é o passado e nada pode fazer para o mudar. Só precisa de saber uma única coisa daquela sucessão de acontecimentos...
Damian: "Acho que não vale a pena chatear-me agora. Já vou tarde. Mas ao menos funcionou?"
Diz, suspirando sobre a sua inabilidade para a culpar pelo que aconteceu e perguntando, levemente irritado com os atos da sua mulher, se valeu a pena contar demais sobre a sua vida pessoal a Iza. Em outras palavras, queria saber se o sacrifício que ela fez foi um justificado. Ao que Maria responde com um nervosismo absurdo.
Maria: "Bem, eu contei as coisas que tu já deves saber. Coisas como o nosso tempo na faculdade. Como não termos conseguido fazer mestrados entre outras coisas por falta de dinheiro. Como os teus pais não terem deixado herança quando morreram. Sobre como os meus também não deixaram. Sobre como temos um filho e temos estado num aperto financeiro enorme e o dinheiro que temos não tem chegado para cobrir as contas. O Iza pareceu-me genuinamente tocado pelas nossas palavras. Claramente que ele não estava feliz por saber que nós, seus amigos, estávamos a passar por complicações. Foi bom saber que lhe deixámos um impacto tão forte que mesmo depois destes anos todos ele ainda nos considera amigos. Contudo, sinto que estou a descarrilar. Como dizia, eu estava a contar-lhe tudo pelo qual passámos e sofremos e ele estava a ouvir tudo parecendo meio triste por ouvir aquilo tudo vindo de mim. E foi aí que ele me veio com uma sacada que não estava à espera. Acabado de lhe contar o que contei, inesperadamente, ele sorri como se tivesse uma solução para o nosso problema. Olha-me nos olhos com felicidade e uma grande surpresa. Subitamente, ele pergunta-me: 'queres cem mil dólares?'."
...
Será que ouviu bem?
...
Damian sente-se obrigado a passar o dedo pelo ouvido só para se assegurar que ouviu bem.
...
Cem mil.
...
Cem mil.
...
CEM MIL!
...
Damian: "Espera...cem mil...eu ouvi bem?"
Maria acena com a cabeça. Devia sentir tanta pressão naquele momento que nem conseguia abrir a boca. Esta é das partes que mais temia ver a sua reação. Por enquanto está mau, mas ele poderia estar pior. Até agora só está estupefacto. Não irritado. Por enquanto...
Cem mil. Aquilo é dinheiro que ninguém anda por aí a esbanjar. É uma quantia de dinheiro que também não se importava de ter, mas isso é passar do ponto. Cem mil. Cem mil. Que raios. Como é que caramba aquele tipo na escola todo engraçadinho conseguiu cem mil dólares? É uma pergunta que, se tivesse pensado um bocadito, lá teria chegado. Era associar a riqueza do pai de Iza ao próprio Iza, mas talvez esteja a pedir muito de alguém que nunca recebeu herança. Novamente, não está irritado. Só em choque...
Só está muito, muito, muito confuso com o que ela acabou de dizer. Isto é alguma espécie de partida? Não me parece. Para Maria nem ter a vontade de abrir a boca é porque sente com algum receio. E pela forma como ela está completamente séria é porque a pior parte ainda nem chegou. Mas lá está Damian a duvidar de tudo. Quer dizer, está incrédulo. Nem sabe por onde começar. Ou até sabe. Tem tantas perguntas... 
Damian: "Cem mil?! Não me digas que ele tem cem mil dólares..."
Pergunta, estupefacto. Maria é que terá um trabalho maior ao parecer credível, mas lá vai ela...
Maria: "Sim. Eu também duvidei dele, mas abriu a carteira e mostrou-me. Centenas de notas de cem. Disse que havia mais em casa dele. Olha que eu nunca tinha visto uma nota de cem e, para ser sincera, ele pareceu estar a dizer a verdade. Isto vem de alguém que o conhece desde o infantário."
Damian: "Por favor, diz-me que não aceitaste dinheiro."
Diz, quase esperando que o pior venha dali, mas Maria é rápida a negar para não haver confusões. Já tem preocupações suficientes. Neste ponto, Damian já acredita em tudo.
Maria: "Tem calma. Não aceitei nada. Ele também não me ofereceu nada por enquanto. Manteve a proposta em cima da mesa e disse-me que sempre que eu quisesse, ele estava disposto a dar-me o dinheiro. Apenas queria deixar claro que não estava a mentir e tinha realmente aquele dinheiro todo. Em outras palavras, queria mostrar que não era só garganta e que nos podia dar a quantia quando nós assim quisessemos. Mas é claro que ainda fiquei com a pergunta: onde é que ele conseguiu o seu dinheiro? Finalmente consegui. Perguntei-lhe o que é que ele fazia da vida. Deve ter se apercebido que não conseguiria escapar da pergunta e cedeu. Ele respondeu-me numa voz pouco orgulhosa e mais nervosa do que a minha..."
Maria respira uma última vez calmamente. É a calmaria antes da tempestade. Tempestade essa que ela está segura que virá com as próximas palavras. Tem medo de dizer, é claro. É isto o que tem mais receado desde que chegou a casa.
Não. na verdade até era revelar quem era. Parece que este maior medo foi sempre transmutado e se tornando em coisas diferentes. Independentemente da situação, ele nunca desapareceu. Esteve sempre presente, mas em formas diferentes. Grande sacana este tipo. E um sacana muito forte e difícil de susperar. No entanto, é um que ela terá de vencer para ganhar a verdade.
Um que terá de superar. Um que terá de largar para se tornar única nesta próxima fala. Nesta sua próxima intervenção. Tudo está em jogo. Nesta próxima intervenção que terá de fazer o maior esforço é que conta. Nesta próxima intervenção é que terá de cometar o assunto.
É agora. Vai revelar tudo. Rapidamente e efetivamente, despindo-se de tudo o que teme. De tudo o que receia. De tudo o que lhe mete medo. Aqui e agora terá de superar os seus medos. Da melhor forma que sabe. Sem meter um sorriso nem nada. Apenas com pura força de vontade. 
Foi neste momento que teve de largar tudo para fora. Tudo para este momento único. Este momento que tanto temeu e onde não hesitará em falar. Então, pondo temporariamente os seus medos de parte, Maria diz, trémula: 

Maria: "E-Ele diz-me: 'Eu sou um criminoso'."

E agora entrou a parte mais difícil. Sente os seus próprios músculos a ficar mais tensos enquanto observa as mudanças no comportamento do seu marido. Foi este o momento que tanto tem temido. A revelação da identidade da pessoa e como Damian reagiria. Isso era o que mais a preocupava e bem...
Damian nem muda a expressão facial. Os seus músculos ressaltam um pouco de tanto choque ao mesmo tempo. Pareceu até que, por momentos, ele tinha saltado do sofá.
Aquilo que Maria disse...é uma acusação? A verdade? Uma mentira? Seja o que for, garante que terá de ser uma ilusão. O Iza. O Iza? Não. Ele não tem razão para fazer isso. Ele que tinha um pai tão rico. Ele que tinha mais dinheiro e oportunidades do que os dois. Porque é que ele quereria tornar-se um criminoso.
A vida de crime. Iza não tinha cara de ser esse tipo de pessoa. Nem no passado. Muito menos agora. O homem tinha potencial para ser alguém brilhante. Não, está certo que ele é alguém normal. Mas porque é que diz isto a si próprio?
Porque não acredita? Porque não quer acreditar? Por teimosia ou porque...porque se recusa a acreditar que o seu amigo afinal não era alguém tão bom e puro? 
Maria já parecia ter passado pela fase em que Damian se encontrava. Já sabia que ele iria ultrapassar esta fase. Já sabia que ele teria de deixar os seus sentimentos à parte para aceitar a realidade. No entanto, este processo não seria assim tão rápido como a sua próxima intervenção provou.
Damian: "Isso não faz sentido algum. Porque é que ele quereria ir para as ilegalidades. Deve viver bem. O seu pai era um arquiteto bem rico, por isso deve ter-lhe deixado bastante dinheiro."
Diz ele, recusando-se a acreditar a verdade. Coube a Maria tirar-lhe dessa posição. Ela que tinha experiência por também ter estado num mesmo lugar que Damian. Ficou a saber a verdade e foi isso o que lhe tirou dali. Pode também ser esse o conhecimento que o tirará dali.
Maria: "O problema é esse. O pai dele não era arquiteto, Damian. Eu também entendo o choque em que deves estar, mas ele contou-me isto. São as palavras dele, não minhas. E entre quem sabe melhor o Iza, acho que ele se conhece melhor a ele próprio."
Entre todos aqueles argumentos foi algo que ressaltou a Damian. Não foram as últimas palavras de Maria. Não foram as razões que Maria arranjou para  convencer. Não, foi algo muito antes disso tudo.
Foi a primeira coisa que ela disse. "O pai dele não era arquiteto". Não era arquiteto. Até ficou estúpido por ela ter passado à frente de um detalhe tão importante. Deve estar a ficar parvo...
Tudo o que achava que sabia...o amigo que julgava conhecer...todo o tempo passado com ele...todas as expectativas que ele tinha dele...tudo isso e mais foi atirado pela janela fora. Naqueles segundos, naqueles curtos instantes, teve a percepção que tinha de Iza completamente alterada e nem sabe o que fazer senão fazer perguntas.
Damian: "O quê? Como assim o pai dele não era arquiteto?"
As dúvidas de Damian só vão crescendo e Maria é encarregue de as responder. Tenta fazer um melhor trabalho, mas nem ela a ha que consegue. Com toda aquela pressão sob os seus ombros nem sabe se consegue. Tenta convencê-lo da verdade e isso nem será a parte mais difícil. 
Maria: "A história é longa e complicada, mas o que precisas de saber é que no dia em que o seu pai morreu, ele passou-lhe de herança o papel de líder da sua gangue criminosa. Agora Iza está a cumprir o desejo de morte do seu pai e a tornar-se um criminoso tão respeitado quanto ele. Foi isso o que ele me disse. Acredita, ele não parecia estar a mentir."
Diz, insistindo que o que diz é verdade. Contudo, isso nem era o que mais tirava Damian do sério. No meio daquilo tudo o que de certa forma o irritava era ver que Maria até que parecia inclinada para aceitar a proposta.
Damian: "Neste ponto, a minha preocupação não é a de ele estar a mentir ou não. O que me preocupa é aquele dinheiro todo."
Maria: "Antes que digas qualquer coisa, deixa-me relembrar-te que a proposta ainda está em cima da mesa."
Damian: "E?"
Maria: "Pessoalmente, eu aceitaria." 
Lá está o que mais temia a tornar-se realidade. 
Damian: "Estava mesmo a ver. Ok, desta vez passaste-te. Andaste a beber antes de eu ter chegado?"
Maria: "Damian, ouve-me bem. Nós estamos nas últimas. Os cem mil dólares que ele oferece, e garanto-te que são genuínos, poderiam mudar a nossa vida."
Damian: "Isso e pôr-nos em perigo. É claro que eles vão pedir algo em troca, sua idiota. E deve ser mais dinheiro."
Maria: "E então?"
Damian: "Então?! Estarias a colocar o nosso filho em perigo com esse dinheiro."
Maria: "Dinheiro que usaremos para lhe dar mais proteção e felicidade."
Damian: "Claro! E como pensas em conseguir mais dinheiro a partir dessa quantia?"
Maria: "Eu não sei, mas vou arranjar forma. Como sempre arranjei para me safar na escola."
Damian: "Nem venhas com essa. Tudo menos isso. Pode ter funcionado na época, mas...eram outros tempos."
Damian abranda a voz com memórias a inundarem-lhe a cabeça. Ele inclina as costas para a frente e sai daquele mundo. Como se tivesse voltado atrás no tempo ali naquele instante. Só pode ser truque de Maria para lhe tocar nas partes mais vulneráveis e até está a funcionar.
O pior é precisamente isso. Não sabe como é que o apelo dela ao passado se está a mostrar efetivo. É como se ela soubesse. Ela é a sua mulher e deve conhecê-lo bem. Bem o suficiente para saber que o passado é algo muito importante para ele.
Sim, ela sabia disto. Sabia e aproveitou-se do passado e do apego que Damian tem para com ele para o convencer a aceitar a proposta. Damian até está com cabisbaixo de olhos assente no chão. Ali está uma oportunidade de ouro. Quando o inimigo está mais fraco, é suposto atacar. Maria aproveita e chega-se mais para Damian no sofá, colocando um braço a confortá-lo nas costas enquanto começa a sua iniciativa em voz suave e reconfortante:
Maria: "Tu lembraste, não é? Nós tínhamos uma banca de limonada. Parecíamos duas crianças."
Damian: "Bem sabes que nunca fizemos muito dinheiro."
Ainda assim ele resiste um pouco. Lentamente começa a entender o ponto que Maria está a tentar fazer, mas simplesmente não quer correr risco. Não quer ver ninguém da sua família a sofrer. Jeff. Maria. Todos eles lhe são queridos. 
Este desejo de proteger todos...esta vontade de viver feliz com quem ama é admirável. Maria até sente pena por o estar a fazer quebrar estes ideiais. No entanto, ele tem de entender que este é um rico, mas um que vale a pena passar.
Com este perigo que possam correr estarão a melhorar a vida do filho deles. Isso é algo que qualquer pai almeja acima do seu bem-estar. Essa é a prioridade de ambos. É isso o que Maria que que ele entenda. Que não é pela morte de um que o outro deixará de prosperar e de ser feliz. Mas ele não parece acreditar muito nisso...
Talvez a melhor maneira de ele entender que vale a pena é optando pelo passado. O passado é aquilo a que ele mais se apega. Não sabe se ele alguma vez conseguirá superá-lo. Parcialmente sim. Totalmente não pode dizer com tanta certeza. 
Caberá a ele superar ou não. O que Maria está a tentar fazer é convencê-lo usando esta sua falha. Este seu defeito que traria consequências mortais futuras das quais ninguém estava ciente. Então, aproveitando a última intervenção de Damian a seu favor e as suas falhas...Maria faz o seu golpe derradeiro:
Maria: "Mas esse não é o ponto onde quero chegar. Naquela época, mais do que estarmos a fazer dinheiro, estávamos a trabalhar em equipa. Resolvíamos os problemas que surgiam e fazíamo-lo juntos. E é isso o que estamos a fazer agora. Ao aceitar o dinheiro não estaremos a correr risco. Vamos estar apenas a fazer aquilo a que já nos habituamos: a arranjar forma de conseguir dinheiro em equipa. É por isso que somos um casal, uma família, Damian. Tu não estás sozinho."
Damian: "..."
O que ela disse...fê-lo questionar-se a si próprio. Ela não disse mentira nenhuma. Foram factos. Recorreu até ao passado para os justificar, algo que nem era preciso. Mas ela insistiu. Insistiu em fazê-lo entender de todos os cantos possíveis.
Quanto à efetividade...parece também ter funcionado. Damian percebeu-se que os riscos não importam lá muito. O mais importante era as consequências que a ação trouxessem. Não os sacrifícios ou os preços a pagar. As consequências e a felicidade dos outros como prioridade. A felicidade de Jeff. Era isso o que mais importava.
Mas será que ele concordava. Sim, quer a felicidade de Jeff e o seu bem-estar garantido. E o bem-estar de Maria? Iria simplesmente ignorá-la no meio de toda esta equação. A sua mulher também importava. Todos importavam. Todos eles eram pessoas que lhe eram queridos e, como tal, queria ver todos a salvo.
A questão era: seria isso possível? Será possível salvar todos? Jeff. Maria. Humm...não sabe. Não sabe. Maria até fez um bom ponto. Será que ela quis dizer que temos de tentar salvar o máximo de pessoas possível, mesmo sabendo que o nosso tempo aqui é finito e nem conseguiremos ajudar todos? Será que apenas temos de tentar salvar o máximo de pessoas possíveis?
Estas perguntas...dúvidas...ceticismo. Faziam-no mudar de ideia. Quem sabe talvez não fosse admitir que Maria estava certa. Talvez até precisasse de mais tempo para pensar. Esta indecisão e batalha dentro da sua cabeça foi rapidamente interrompida ao ouvir... 
Jeff: "Mãe? Pai?"
Sendo tirado dos seus pensamentos, Damian olha para cima de onde está a televisão e foca-se nas escadas. Lá vê Jeff, timidamente segurando-se ao corrimão de madeira com um peculiar urso de peluche na outra mão. Maria tinha dito que ele estava a dormir.
Parece que aconteceu algum imprevisto para ele vir aparecer ali de surpresa. O que preocupa ambos é que ele possa ter ouvido a conversa que estavam a ter. São assuntos sérios e deprimentes que querem claramente meter longe de Jeff.
Felizmente ele parece ter chegado há pouco tempo. A forma como olha para eles confuso entrega tudo. Incluindo a pouca froça com que segura no urso de peluche. De qualquer forma, a entrada do filho deles marca o fim daquela conversa. Nem que seja temporariamente.
Com os pensamentos daquela conversa de fora, emoções na situação e fingindo um sorriso, os dois tentam pôr a imagem de que estava tudo normal. Maria é mais convincente, no entanto, rapidamente tirando a sua mão de cima das costas de Damian e tentando pôr-se mais tranquila, apoiando o braço na parte de trás do sofá. Com uns poucos segundos se diferença, Damian arranja a postura das costas, pondo-se direito e põe um sorriso falso (menos convincente de Maria). Agora que estava tudo pronto, podiam começar as interrogações.
Maria: "Jeff, querido. Porque é que não estás a dormir?"
Pergunta, surpreendida, tentando descobrir o que fazia ali o seu filho. 
Jeff: "Não consigo fechar os olhos. Só quero ver televisão. Não me apetece muito dormir. Sobre o que é que estavam a conversar? Pareciam demasiado exaltados."
Responde na mesma moeda, pondo outra pergunta em cima da mesa. O rapaz era astuto. É capaz de lhe ter ajudado o facto de Damian possivelmente ter estado a erguer a voz no meio da discussão.
Em retrospectiva não foi assim grande feito. Ainda assim, ele estava a começar a dar algum trabalho. Ficaram a dever-lhe uma explicação. 
O miúdo até se estava provar mais inteligente do que pensavam, capaz de chegar a uma conclusão a partir de pequenos detalhes. Essas conclusões também não eram más. Bom filho este que criaram. Maria terá de aproveitar a sua doce e convincente postura e voz para o fazer acreditar numa mentira.
Maria: "Nada de mais. E não estávamos assim tão excitados quanto tu. Garanto-te. A série empolgou-te muito, não foi? Oh! Não faz mal. Sabes que mais, eu acho que tenho uma solução para esse problema."
Jeff: "Ai sim?"
Pergunta extremamente curioso com os seus olhos a brilhar. Maria conseguiu mesmo convencê-lo, arranjando uma solução para o seu problema. Não como se a explicação que deu fosse boa, apenas arranjou boa maneira de desviar o assunto.
Damian nem teria tanto jeito para resolver isto. Acabou de voltar de uma longa reflexão e ter logo de lidar com o seu filho, tentando ocultar algo...vamos só dizer que não ia correr muito bem. Por isso depositou as suas confianças em Maria e parece ter feito uma boa escolha. 
É claro que também estão a lidar com uma criança que conhecem bem e, como tal, não precisam de grande esforço. Mesmo assim é de reconhecer a aptidão que é preciso ter para com as palavras e o discurso. Capacidades que a sua mulher felizmente tem. 
Maria: "Humm. Sabes que mais? Porque é que não te vais deitar que eu já lá vou com a minha surpresa."
Diz, fazendo uma sugestão para o levar rapidamente ao quarto. E parece ter sido outra vez eficiente...
Jeff: "Ok, mãe."
Responde, mantendo o mesmo brilho nos olhos. Empolgado e teorizando sobre o que possa ser ele vai subindo os degraus e indo em direção ao seu quarto sempre com aquele urso na mão. Aquele peluche que tanto adora.É um miúdo feliz e contente. Sempre empolgado e curioso com o que o rodeia. Chega a contrastar com a pessoa que se tornou...
Triste. Quase sempre deprimido e melancólico. Os tempos mudaram. Desde que ela desapareceu da sua vida ele também mudou. Jeff mudou desde que ela partiu. Desde que Maria morreu tudo mudou...
...
Lá foi ele. O rapaz parece já ter entrado no quarto. Sendo assim, não há muito tempo a perder. Tem de preparar a surpresa. Surpresa essa que Damian também não sabe qual será. Está em tanto mistério como Jeff.
Inesperadamente, Maria vai até ao pé da televisão onde está a mala da sua guitarra, apoiada na parede. Ela pega na mala e coloca alça em volta do seu ombro direito para a levar às costas com maior facilidade. Damian começa a entender onde é que isto vai dar.
Meio confuso ao que achar e dizer de tudo isto, ele é apanhado de surpresa também. Tal pai tal filho. Um tão no escuro como o outro. Ainda a recuperar da conversa que tiveram, ele é continua a manter-se pensativo sobre o assunto.
Foram confirmadas as suspeitas que já tinha. Parece que ela pretende mesmo ir tocar guitarra ao seu filho. E não é uma má ideia até. Jeff raramente a vê a tocar. Talvez porque ela toca tanto que acaba por se fartar um pouco.
Pensando bem, este é um momento bem raro. Uma pena que ele tem de coincidir num dia onde teve uma conversa tão séria. Não é hipérbole quando diz que esta talvez seja a escolha mais importante da sua vida. Aceitar ou recusar o dinheiro pode condicionar o bem-estar de Jeff, Maria. Toda a sua família pode estar em risco.
Ele teve de levar com tanta surpresa ao mesmo tempo. Iza. A verdade do seu pai. A profissão dele. Sinceramente ainda não sabe como reagir. Não sabe se sequer quer acreditar naquilo. Querendo ou não, uma coisa permanece verdadeira: a proposta que ele deu.
Os cem mil dólares. Cem mil em dinheiro que poderiam mudar a vida deles. Jeff poderia ter um quarto mais decente. Maria uma carreira melhor do que ficar a tocar guitarra na rua (não que ela não goste).Todos ficariam a ganhar. Mas por quanto tempo?
Quem é que garante que ninguém virá atrás deles. Levando em conta que Iza é sim criminoso, então eles estão a meterem-se em lugares perigosos. Um dia a polícia pode vir bater-lhes à porta. Um dia um criminoso pode vir pedir algo em troca. Pois é, algo em troca. Pode ser dinheiro e aí lixaram-se. Pode até mesmo ser...as suas próprias vidas...
Todos estes perigos...riscos...as suas próprias vidas...valerão mesmo a pena para que pudessem dar uma vida melhor a Jeff. Bens e uma cama boa é bom, mas a vida deles...a presença dos dois...deverá ser mais importante...não é?
A pergunta não dura muito. Sem lhe dar mais tempo para pensar, Maria, já ao pé das escadas, tira-o daqueles pensamentos deprimentes, perguntando-lhe:  
Maria: "Queres vir? Vou cantar um pouco para o fazer adormecer."
Ela tira-o novamente dos seus próprios pensamentos. O que ela fez não foi só um convite para a vir ouvir cantar. Foi mais do que tudo um convite para se esquecer de tudo.
O que ela quis dizer foi muito mais. Quis deixar claro que ele não chegará a uma conclusão tão rapidamente. Para fazer uma escolha com este nível de importância segundos não bastam. Não, precisará de muito mais. Horas. Dias. Meses. Até um ano. Quem sabe. O que ela garante com aquele olhar feliz e bem disposto é que não conseguirá nada agora.
É um convite para relaxar. Sabe o quão tensa foi esta conversa que tiveram e como ele deve estar com a cabeça a mil. Com a sua sabedoria garanta-lhe que ele não chegará a nenhuma conclusão satisfatória ali. E Damian finalmente compreende isso.
Não vale a pena. Não chegará a lado nenhum com o estado em que se encontra. Às vezes é preciso relaxar um pouco e clarear a cabeça e os pensamentos. Esta oportunidade, este convite que Maria lhe fez, é um momento perfeito. Por isso, ele responde, recompondo-se e pondo um sorriso genuíno na sua cara:  
Damian: "Sim, pode ser."
Então, Maria começa a subir as escadas. Em direção ao quarto de Jeff com a alegria no coração e na sua cara. Damian também não se deixa ficar para trás e levanta-se do sofá para ir presenciar aquele mítico momento. 
Naquele tempo onde tudo ainda era feliz. Onde tudo era muito melhor. Com Maria...com a sua mulher viva...tudo tinha mais cor...tudo era...tão...simples...

Mas por alguma razão, a parte seguinte da sua memória está...em branco. O resto não parece existir. Tem a certeza que eles foram lá a cima para fazer Jeff adormecer e a sua cabeça não parece conseguir encontrar as peças que faltam para completar o puzzle. 
A memória está incompleta...não importa. Mesmo incompleta foi o suficiente para o alterar. Mesmo não conseguindo ver o resto, a grande parte que viu foi o suficiente para lhe baixar o espírito. Sim, ele foi quebrado assim tão facilmente. 
O sorriso que tinha desapareceu. Os seus olhos caíram e deixaram de parecer vivos. Na verdade, a felicidade que ele parecia ter ganho antes...provou-se temporária. Um efeito que Daniel lhe deu por um curto período de tempo. Claro. Seria demasiado fácil estar feliz por tanto tempo, especialmente com as porcarias pelas quais está a passar.
Damian simplesmente se tinha apegado às palavras de Daniel. Fê-lo para se colar ao presente, para se colar àquela ocasião rara onde realmente foi feliz. Queria viver naquele momento no escritório para sempre. Queria experienciar um momento feliz outra vez. Isso é algo que sente saudades. Sente saudades de se sentir feliz.
Por isso, agora percebe, que aquela felicidade não era lá muito genuína. Era de certa forma falsa. Sim, ficou contente por saber que Daniel era boa pessoa, mas esse sentimento tinha durado pouco, pois logo voltaram pensamentos negativos sobre o que ia acontecer hoje à noite. Já estava farto disso. Sentia-se atormentado por esses sentimentos e tinha saudades de se sentir feliz.
E foi isso o que o levou a apegar-se àquele momento. Tentou ao máximo para se esquecer do seu contexto, legado, família, cono se fosse alguém que tinha acabado de nascer e tinha apenas aquele momento feliz como experiência neste mundo. Até que funcionou. Por um bom período de tempo, fez as memórias daquele momento no escritório, a felicidade que tinha sido injetada, durar pelo máximo de tempo possível. Porém, não importava o quanto tentasse...o quanto quisesse se esquecer das partes mais tristes para se focar no mais alegre...o passado que queria esquecer voltava sempre. Tal como agora... 
Homem invulgar:
"Está tudo bem, aí?"
Novamente ele é retirado dos seus pensamentos por alguém. Está sentado na sua cadeira. Dentro do seu cubículo e ouve a voz de alguém. Damian levanta-se para ver melhor quem fala consigo e vê...um homem que sente que já viu antes.
Voltando à realidade começa a notar nos pequenos detalhes. Os olhos castanhos. Rosto com sardas junto ao nariz. Aquele corte no seu queixo. A roupa pode ser diferente, mas o resto não engana. O homem em questão...chame-se ele como chamar...ele foi a pessoa que viu a sair a correr do escritório do Daniel há dois dias atrás.
Homem invulgar: "Finalmente te levantaste."
Damian: "Hã?"
Foi a única coisa que conseguiu soltar. Para ser sincero, ele ainda estava um pouco atordoado de tanto se lembrar de coisas e de voltar à sua pessoa mais triste. Agora tinha se lembrado de outra coisa, com a diferença que esta coisa conectava com alguém que ainda estava vivo e que era um acontecimento mais recente.
Homem invulgar: "Não te preocupes. Não quero fazer nada contigo. Não quero desperdiçar o teu tempo. Queria só te relembrar que podes estar atrasado."
Damian: "Atrasado...espera...que horas são?"
Olhando em volta, ele procura uma resposta ao olhar para as janelas que estão em certas paredes do escritório. Ele deixa a tristeza e as memórias de parte por agora, preocupado com os horários. Contudo, o homem responde antes que ele consiga averiguar qualquer coisa que pudesse.
Homem invulgar: "São 17 horas da tarde. Já vamos quase no fim do dia. Não sei se viste, mas o escritório está um bocadito vazio."
Agora que olha em redor percebe o quão idiota é. Vendo uma janela ao fundo vê que o sol está mais fraco. Não que se esteja a pôr, mas o processo de anoitecer começou. E o escritório...olhando bem só vê mais umas quatro pessoas nas suas secretárias, provavelmente na borga.
Como é que passou assim tanto tempo? Nem sentiu que tinha ficado tanto tempo preso nos seus pensamentos. Por muito que saiba que é inevitável lembrar-se deles, sendo hoje o aniversário da morte de Maria.
Percebendo isso, só tem a agradecer àquele homem. De aparência jovem e séria. Se não fosse por ele ainda estaria preso nos seus pensamentos e só sairia dali à noite, quando fosse a invasão. Isso é que nunca poderia acontecer. Por isso, de uma forma triste, aquele homem salvou-lhe a ele e ao seu filho. Mais do que tudo, ele lembrou-lhe de manter a mente no presente, caso contrário ficará a perder horas sem fazer nada. No início até conseguia fazer isso sozinho. Mas desde que Iza fez o seu ultimato naquele beco tem ficado mais complicado ficar dentro de si. 
Damian: "Tens razão. Acho melhor acordar para a vida. Ainda tenho coisas para fazer."
Diz, começando a recuperar o ritmo das coisas.
Damian: "Muito obrigado. Se não te importas, podes dizer-me o teu nome?"
Vê-se que o outro não esperava que esta pessoa fosse armar conversa. Contudo, acharia inapropriado não receber um pedido de ajuda. Não tem todo o tempo do mundo, mas sente que merece algo em troca por salvar um colega de trabalho seu do possível desemprego.
Andrew: "Andrew Armas."
Damian: "Damian Mindler. Agradeço por me teres acordado. Conhecendo-me bem ainda estaria nesta espécie de transe até à noite se não tivesses vindo aqui."
Andrew: "Só estava a passar por aqui. Ia ver umas coisas com o Edward e encontro-te aqui estranhamente a olhar para o nada, parecendo absrovido nos teus pensamentos. Já passei por isso e sei como te pode distrair dos teus objetivos e trabalhos no presente. Limitei-me a fazer aquilo que gostaria que os outros me fizessem."
Damian: "Estou a ver..."
Neste momento ele percebeu que talvez tivessem mais em comum do que aparentavam. Ainda assim aquele jovem não parecia ter passado por tanto sofrimento. Teve uma experiência de vida tão diferente e mesmo assim eles são tão parecidos. Pelos vistos, não é preciso passar pelo mesmo para as pessoas se puderem tornar amigos. E, ele nem se apercebeu, mas...Damian...antes que pudesse notar...já se tinha esquecido daquela tristeza toda ao relacionar-se com outro...
Bem, já está a ficar tarde. Tem uma entrevista, um jantar e uma luta para enfrentar. Este dia está a mais de metade e parece que ainda acabou de começar. Sem tempo a gastar Damian sai do cubículo de mãos vazias e com toda a informação que precisa na sua cabeça. Vai até ao pé de Andrew para se despedir dele.
Damian: "Tenho um longo dia pela frente. Incluindo uma entrevista pertencente a um caso que é tão estranho que me faz acreditar que aqueles maluquinhos dos monstros são normais."
Andrew: "E isso, por si só, já é anormal."
Damian: "A quem o dizes..."
Pronto para partir ele olha para a frente. Com a cabeça destinada a outro lugar. À tal de Bird Street 292. Esta morada que tem feito questão de fixar desde o dia de ontem. 
Damian: "Tenho de ir. Foi um gosto conhecer-te, Andrew."
Diz, preparando-se para partir. Andrew que o observava com tanto cuidado ouve aquilo tudo e não o quer deixar sem também uma despedida. Não, aquele homem tão...incomum merece melhor. O homem que se parece tanto com ele próprio tem o direito a uma despedida.
Andrew: "Digo o mesmo, Damian." 
Sem que possa dizer mais uma palavra o homem já estava em andamento. Em direção ao seu próximo destino antes da noite chegar. Antes da noite dos dilemas chegar. A noite em que o destino de dois amigos e de uma criança seria decidido sobre a brilhante lua cheia.
Foi bom conhecê-lo. Bom conhecer que existe alguém tão maluco quanto ele. Isto sendo generoso. Os dois trabalham no mesmo lugar e parecem passar por muito. Ainda assim, dão de tudo no trabalho, por muito que a recompensa nem sempre valha a pena.
Talvez seja isso o que mais importa. Não o dinheiro, mas a felicidade que ganham ao fazer o que fazem. Eles trabalham e fazem o que gostam ao mesmo tempo. Pelo menos esse é o caso de Andrew. Estas coisas que diz são apenas suposições. Suposições vindas de um homem maluco com o trabalho que tem e a falta de recompensa que recebe dele. Maluco. Talvez tão maluco quanto aqueles tipos que acreditam nos monstros...
Quem sabe.
Apalpando o bolso do casaco enquanto caminha, ele sente lá a pistola. A decisão que terá de fazer e que ainda não escolheu está cada vez mais próxima. Cada vez mais próxima de acontecer.
A entrevista que fará é apenas mais um passo na direção da noute que cada vez mais se aproxima. Mais um passo na direção da batalha adiante, da violência debaixo da lua. 

Homem de pistola na mão: "Podes passar-me algumas balas para glock?"
Wedge: "De quais ao certo?"
O homem olha bem para a pistola. Vira e revira-a vezes e vezes sem conta. Parecia que não ia sair dali com toda aquela espera. Wedge estava quase a desistir quando...parecendo uma dádiva dos deuses, ele finalmente responde.
Homem de pistola na mão: "Ah! Está aqui. Preciso de 9mm."
Wedge: "Já aqui vai."
Responde grato pela espera ter acabado.
Só faltava dar-lhe o que ele pedia. Os dois estavam sentados em caixas de cartão. Num beco sujo e molhado com sabe-se lá o quê. Debaixo do sol da tarde que fica cada vez mais fraco. Aquilo era o beco ao lado de um café. Do que é que estavam à espera?
Agora algo que devem se estar a perguntar é como é que ele ia arranjar as balas. Simples. Wedge tinha à direita o tal do homem. À esquerda, outro homem sentado em cima de uma pedaço de cartão com as pernas cruzadas enquanto mexe também numa pistola. Ele vira-se para ele e pede, de faca na mão:
Wedge: "Balas para glock de 9mm."
Homem de pernas cruzadas: "A caminho."
Mal ouve o pedido ele deixa a arma de lado e vira-se para a sua esquerda. Dirige-se para um homem de pé com as costas junto à parede enquanto parece organizar munições na palma da sua mão.
Homem de pernas cruzadas: "Balas de 9mm. Glock."
Homem de pé: "Certo."
Este também deixa de parte o que estava à fazer para se virar para a esquerda.
Homem de pé: "Glock 9mm." 
Homem numa cadeira de praia com faca na mão: "Sim. Está a vir."
Vira-se para a esquerda e faz o mesmo.
Homem numa cadeira de praia com faca na mão: "9mm."
Jamis: "Para Glock, não é? Já vai."
E como dominós, o ciclo continua.
Jamis: "Glock 9mm."
Homem em pé com soco inglês: "Balas de 9mm para glock."
Homem sentado no chão com pistola: "Glock para 9mm."
Homem em caixa de cartão com faca: "9mm para glock."
Homem em pedaço de cartão com pistola: "Glock. De 9mm."
Homem sentado no chão com faca: "São balas para glock de 9mm."
Homem em pé com pistola na mão: "Glock. São de 9mm."
Homem sentado no chão com munições na mão: "Entendido."
Este vira-se para a sua esquerda, para o destinatário final desta corrente. Um homem com alguns vestígios de cabelos grisalhos em cima de uma caixa de cartão. Mexia numa caixa de plástico que continha...munições.
Homem sentado no chão com munições na mão: "São balas de 9mm para uma glock."
O senhor que parecia organizar aquela caixa para o que faz e ergue a cabeça para cima.
Senhor a mexer na caixa: "Disseste de 9mm?"
Homem sentado no chão com munições na mão: "Precisamente."
Senhor a mexer na caixa: "Ok."
Recebida a informação ele volta a inclinar-se para a frente e torna a mexer na caixa. Afunda a mão naquele mar de balas e vai remexendo lá até ao fundo para encontrar a textura que quer. Sim, porque chegou a um ponto onde ele consegue identificar o tipo de bala pelo toque.
O homem já está neste negócio há anos. Desde a época de Gareth que faz isto. Não é a primeira vez que se prepara para uma invasão. Não será a sua primeira invasão também. E esta não é a primeira vez que passa balas para alguém. Está tão acostumado com isto que consegue identificar o tipo de balas com as pontas dos seus dedos.
Não precisa de olhar. Precisa apenas de sentir. À medida que vai deixando-se entranhar por aqueles frios pedaços de metal dispersos por aquela caixa plástica amarela ele sente que vai ficando mais perto. Mais perto de encontrar aquilo que quer. Mais perto de encontrar aquela textura característica de balas de 9mm para uma glock. E quando menos esperava, encontrou.
Senhor a mexer na caixa: "Está aqui!"
Confiante no seu tato ele tira mão de todo aquele peso e parece ter realmente acertado. Aproxima aquela peça pequena do seu olho só para se assegurar. A sua visão pode piorar com a idade, mas aquilo que tem na mão não engana ninguém. É exatamente o que procurava.
Já tem uma. Uma pecinha pequrnina e crucial. Um pequeno pedaço de metal com uma ponta capaz, de perfurar crânios com a ajuda de uma arma. Precisa de mais umas daquelas. Sabendo que o homem muito provavlemente tem uma glock 17 ele precisará de mais umas 16. Nem sabe se tem 16 na caixa, mas tudo bem. Vai tentar conseguir o máximo que pode.
Mergulhando agora a sua mão esquerda livre ele vai rapidamente até ao fundo da caixa. Foi aí que encontrou da outra vez e será aí onde terá maior probabilidade de encontrar outra vez o que procura. E com a experiência que tem não poseria estar mais certo. 
Com a mão sobreposta por todo aquele peso a que já se habituou ele encontrou mais umas balas. Encheu a mão com o máximo que pôde e voltou à superfície. Mais umas 7 balas. Isto dá 8 no total. Também não deve ser preciso mais tendo em conta que estão a lidar com um escritor.
Por isso ele passa uma mão cheia com 8 balas para a pessoa à sua direita. Deste modo reiniciando todo o processo só que agora é para entrega. Um efeito dominó com um propósito diferente.
Senhor a mexer na caixa: "Aqui."
O homem a quem se dirige para de mexer nas balas que segura na palma da mão e olha para a mão estendida do velhote. Tem a mão cheia de balas. Parece ser aquilo o que ouviu que era pedido. 
Homem sentado no chão com munições na mão: "Certo."
Pondo as munições com que mexia no chão, ele pega naquelas balas todas e faz uma conchinha com as mãos. Desta forma ele vai passando para a pessoa à sua direita. Tal e qual como foi feito há bocado com a diferença que eles passavam balas um para um até chegar à pessoa que pediu. É escusado explicar. Já.devem ter entendido.
Homem sentado no chão com faca: "Passa até ao fundo do beco."
Homem em caixa de cartão com faca: "É para o fundo."
Homem sentado no chão com pistola: "Para a pessoa no fundo do beco."
As balas iam passando de pessoa para pessoa numa corrente de entregas. Uma forma de entrega que funciona numa linha reta desde uma ponta da parede onde se encontra o senhor com a caixa de plástico até à outra ponta onde temos o nosso homem com a glock com balas de 9mm.
Contudo, por muito que esta rede funcionasse bem, havia alguém com a cabeça em outro lugar. Parecia até que ele estava a olhar para outro lado. Frustrado com qualquer coisa.
Homem sentado no chão com pistola: "Ei! Ouviste-me, Jop? É para o fundo do beco."
Teve de ser a voz da pessoa à sua esquerda para o acordar. O homem que ajustava um soco inglês em pé viu-se obrigado a deixar de parte os seus pensamentos para ajudar os seus colegas na entrega daquele punhado de balas que viu quando virou a cabeça.
Jop: "Sim, já vai."
Ele segura naquele monte de balas e passa para a pessoa à sua direita sem dizer uma palavra. Com as mãos livres, isto é, apenas com um soco inglês a envolver o seu punho ele volta as suas atenções para aquele homem que lhe tem captado a atenção. O homem na boca do beco a contemplar as pessoas a passarem. O líder da gangue sem nome deles. Iza Ingram.
A pessoa que ele observa parece estar perdido. Hoje ele está diferente. Na casa daquela família ele organizou todo o pessoal incluindo o próprio Jop só com o poder da sua voz. Isto nunca tinha acontecido. Nunca em todo o seu tempo de governação na "Dishonour" ou, se preferirem, nesta gangue sem nome, ele alguma vez demonstrou boas capacidade de liderança. Só hoje é que se mostrou digno do respeito de Gareth. E ainda assim não parece estar focado a 100%.
É como se algo tivesse acontecido ontem que o mudou a um nível psicológico. Age de maneira diferente. Como se aquele seu amiguinho fosse agora a única coisa que importasse. Esta invasão toda tem sido adiada e adiado e só hoje, um ano depois da morte de Maria, é que decidiu acabar com tudo. Mais vale tarde do que nunca.
Todavia esse nem é o problema. O que faz Jop olhar para Iza com olhos acerrados e enchidos de raiva é saber que todo este esforço que estão a ter para se prepararem será para matar uma pessoa. Apenas um escritor num jornal desconhecido que, pelo que sabe, nem tem acesso à internet. Qual é a pior coisa que ele lhes pode fazer? Aborrecê-los até à morte.
Sim, tal como a maioria dos membros da gangue ele não gosta muito de Iza. E ao contrário da maioria dos membros da gangue hoje que parecem estar a gozar deste novo Iza, Jop é um dos poucos que ainda não o perdoou. É um dos poucos que acredita que o dia de hoje não será suficiente para o desculpar pelas parvoíces que aquela criança fez. O pior de tudo...o que confirmou que o Iza antigo ainda por aí existe é o presente.
Esta preparação toda é desnecessária. Não é preciso sequer trazer armas para matar um gajo tão fraco. Com o Gareth assaltavam bancos e tudo e nem traziam pistolas. Vão me dizer que invadir a casa de um escritor é tão perigoso quanto um banco? Isto está a chegar a níveis idiotas. Esta gangue está a atingir um nível tão baixo...
Algo tem de mudar. Todos parecem cegos pelo progresso que Iza demonstrou, mas não percebem que ele continua a ser um mau líder. Pode ter melhorado, mas continua mau. Continua a projetar os seus sentimentos nos outros. Isto não é nada de novo e precisa de ser mudado. Então, já farto de o ver ali preso nos seus pensamentos, Jop sai de ao pé da parede e vai ter com o seu líder.
Sai do meio daquela corrente formada e quebra o sistema. Deixa algumas das pessoas estupefatas e com olhos arregalados surpreendidos com aquela ação inusitada. Não faziam a mínima ideia do que ele estava a fazer. Agora era hora para se prepararem. Se ele queria falar com o chefe deveria guardar para depois.
Até parece que ele se ia deixar levar pelos olhares dos outros. Pelos olhares vindos de pessoas dos dois lados do beco, das duas paredes que o delimitam. Não é o suficiente para parar Jop. Não agora que ele já se encontra ali. Atrás de Iza sem este se aperceber. Completamente anestesiado pelos seus pensamentos e preocupações. Tudo bem. Jop até se sente honrado por ter de ser aquele que o acordará. Pondo a sua mão com um punhal de ferro em cima do ombro do seu líder, fazendo-o imediatamente parar de olhar para a estrada e as pessoas a passar e virar para encarar a pessoa que quer falar com ele: Jop.
Jop: "Senhor líder."
Iza: "Jop...tens algo para falar comigo."
Diz, voltando ao mundo real e percebendo a situação em que se encontra. 
Jop: "Gostava de lhe dar uma palavrinha."
Responde com uma entoação meio maliciosa.
Iza começa a ver que talvez ele não queira uma simples conversa. Tem quase a certeza que ele quer fazer uma reclamação e isso é o suficiente para as suas sobrancelhas se baixarem um pouco. Não está com paciência para esse tipo de coisas. Sente que ontem já teve a sua dose.
Ainda assim tenta manter o ouvido aberto. Permanece otimista, por muito que as coisas não pareçam ser assim tão boas. Vai sempre dar uma chance aos seus subordinados, incluindo nos momemtos onde precisa de estar sozinho quando tem muita coisa para processar e refletir. Mas tudo bem...isto é um esforço que faz.
Iza: "Ok. Diz-me lá o que tens."
Imediatamente a expressão de Jop muda. Como se Iza tivesse dado permissão para soltar tudo o que tinha a dizer. Se existe um momento é agora. É melhor fazê-lo, porém, num tom baixo. Não quer levantar muita atenção para o que vai dizer. Se bem que existem pessoas que já tenham começado a olhar para ele intrigados. Baixando o tom de voz e aproximando a sua cara da do seu chefe ele começa a projetar as suas preocupações:
Jop: "Ouve-me bem. Eu não sei pelo que passaste ontem, mas estás diferente. Digo-o num tom positivo, contudo também negativo."
Esta súbita mudança de tom tornou a conversa mais séria. O principal indicador desse aspeto foi o facto do seu subordinado estar a falar com ele quase a sussurrar. Agora confirmou que aquele tipo veio criticá-lo. Preparava-se para agir, mas decide conter-se para ver o que ele tem a dizer.
Iza: "A sério? Importas-te em elaborar?"
Jop: "Hunf. Ok. Tu é que pediste."
O homem magro e de estatura média olha em volta de si. Confirma que muitas das pessoas que olhavam para ele voltaram a fazer o que faziam anteriormente. Fê-lo quase que para se certificar que não ia fazer nada muito idiota. E parece que não se precisa de preocupar com muito.
O filho de Gareth percebeu que coisa boa não vinha dali. Cerrou o punho só para prevenir algo inesperado. Nunca se sabe do que aqueles criminosos são capazes. Então, quando o homem que fala consigo se sente mais seguro para abrir a boca ele olha para ele com sangue nos olhos e diz, sussurrando, mas erguendo a voz:
Jop: "Para ser sincero até gostei do que fizeste lá na casa. Ajudaste-nos a focar no que interessava e ainda conseguimos sair de lá dois minutos antes da família chegar."
Iza: "O que é que isso tem de mal?"
Pergunta agressivamente ao sussurrar.
Jop: "Nada. Até aí nada. Tirando o facto que saiste. Os outros ficaram felizes e surpreendidos pelo que viram. Porque não sei se reparaste, mas a maior parte deste pessoal odeia-te."
Iza: "Obrigado, mas já notei nisso."
Rapidamente responde, escondendo o facto que alguém lhe tinha fornecido essa informação numa conversa que teve ontem. Sem dar muita importância a esse aspeto que era importante, Jop segue e tenta não perder a raiva que tem concentrada.
Jop: "Então também percebeste que todos passaram a confiar mais em ti vendo esta tua nova atitude. Sabes, eu também fui um desses. Até chegarmos a este beco. Foi precisamente aqui que descobri que mudaste, mas não foi lá muito. Tu podes ter melhorado um pouco a capacidade de liderança, mas continuas egoísta e a ser dominado pelos teus sentimentos. Isto que estamos aqui a fazer é desnecessário. O gajo é só um escritor. Não vai haver mais ninguém em casa, senão o filho dele que é uma criança. Entendes aonde quero chegar. Com o Gareth nós assaltávamos bancos e nem traziámos uma arma e agora só porque vamos invadir a casa de um amiguinho teu temos de ir armados aos dentes?! Isso é estúpido!"
Iza: "Para tua informação ele também está armado. Vi-o ontem com uma pistola na mão. Ele está preparado para a nossa chegada."
Jop: "O que é que isso tem? Basto eu para o derrotar...sabes, aposto que isto vem das tuas preocupações. Não és o único com bom olho. Também tenho reparado que andas muito pensativo nessa tua cabecinha. Novamente, eu não sei o que aconteceu ontem que te fez mais sério e capaz de liderar, mas sei que também te tornou mais dorminhoco. Sim, tu estás a dormir. Preso nessa tua cabecinha com mil preocupações a correrem por aí. É por isso que estamos a fazer isto, não é? Porque tu estás com medo do que possa acontecer. Deves estar a pensar em todas as coisas que podem correr mal. Ok, deixa-me dizer-te uma coisa, um ensinamento que o teu pai te devia ter passado: quando o adversário é fraco e trazes reforços, não precisas de te preocupar. Pois se te preocupares, como fazes agora, estarás a cometer o erro que mais odeio num humano: estás a ser fraco."
Neste ponto Jop deixa de sussurrar. A sua voz volta ao normal, incapaz de conter as próximas palavras. O clímax da conversa. Quando ele abre a boca, não poupa esforço alguma em deixar claro o que pensa dele.
Jop: "É isso o que tu és. Um fraco humano que se protege com palavras enquanto que, na realidade, morre de medo. Não consegue nem erguer o punho contra alguém para cumprir o trabalho. Eu acredito que esse é o tipo de pessoas que tu és. Alguém insignificante. Alguém fraco. TU ÉS FRAC-" 
*Pam* 
Não aguentando mais ele parte para o estágio inevitável desta conversa. Parte imediatamente para a luta, dando um soco com a mão direita na bochecha do seu subordinado, desiquilibrando-o e fazendo-o cair com as costas no chão.
Mal ele cai com todo o impacto no chão, os olhos de outros que se preparavam são postos naquilo que acontece no fundo do beco. Passam a prestar atenção à luta que está ali a florescer. Fiante dos olhos de todos estava a haver uma luta interna. Uma luta entre um subordinado e o chefe por um estar frustrado com o funcionamento do esquema. Nem sabem como demorou tanto para haver uma luta. Contiveram-se estes tempos todos e parece que alguém não aguentava mais. Contudo, escolheu um mau dia. Não só por ser o dia onde Iza não está para brincadeiras, mas também por ser o dia onde Iza não merece mal. Todos os criminosos que apoiariam Jop agora estão contra ele. Ou melhor, apreensivos quanto à sua atitude.
Acreditam que Iza esteve a comportar-se bem. Talvez este soco tenha sido um pouco desnecessário, mas isso não importa. Esta será uma boa oportunidade para ver o quão ele mudou de onyem para hoje. Para ver se ele sempre será digno do respeito deles.
O punho de Iza dói um pouco. Não se tinha preparado muito bem para o impacto. Parece que ele nunca foi bom para lutar. Acaba sempre por se magoar mais a ele do que ao adversário. Mesmo assim esta sua imprevisibilidade é o que o torna um adversário formidável.
Jop: "Seu sacana..."
Ele ajeita o soco inglês nos punhos.
Jop: "Esse soco foi um pouco tosco."
Ajustando os últimos pormenores levanta-se e ergue os punhos para lutar.
Jop: "Deixa-me mostrar como se faz."
Tentando ser mais inesperado ele lança o seu punho direito para a frente num soco rápido que apanha Iza de surpresa. Não esperava que ele fosse tentar o mesmo golpe que ele lhe deu. Usando apenas instinto ele faz o que pode para se desviar. No caso apenas conseguiu dar um passo atrás que quase o fez cair para trás. Desiquilibrou-se por não esperar retroceder no terreno, porém consegue manter-se em pé graças a atos desesperadores.
Agora que o homem do soco inglês deu o seu golpe, ele anda para a frente, tentando apanhar Iza. Este age rápido e pega na faca que guarda no seu bolso. É a única arma que tem e o único elemento de que se lembra que lhe pode dar uma chance de vencer contra um soco inglês.
Num tentativa de intimidação, Iza balança a faca horizontalmente, obrigando Jop a recuar no terreno também para não ser cortado. No fim fica ainda mais longe do adversário do que estava a princípio.  A 3 metros do adversário. Já esperava que ele pudesse usar a sua arma característica e estava pronto para sofrer as possíveis consequências que o seu desabafo trouxesse.
Iza: "Vem, valentão. Mostra quem é o bom."
Insultado pelo comentário, ele cospe para o lado. Deita alguma da saliva que se concentrou nas bochechas com o soco que tinha levado. Felizmente não parece ter acertado nenhum dos espectadores que os observavam quase de boca aberta. 
Sem se conseguir conter ele prepara-se para atacar. E desta vez não se irá mais conter. Irá com toda a força e potência que pode. Desta é para partir todos os ossos do corpo daquele imbecil. Não, é para matá-lo que anda a merecer um enxerte de porrada como estes há muito. Agora é que ele vai levar.
Iza também se prepara para receber o que aí vem. A provocação está a provar-se efetiva. Nota que Jop pareceu ter baixado o nível da sua bacia. Como se ele se estivesse a preparar para vir carregado de raiva para cima de si. É isto o que quer.
Respira fundo e segura a faca com mais força. A sua vida de certa forma está a depender deste momento. Desta luta que em retrospectiva parecerá tão idiota. Ele talvez nem mereça o que está por vir porém é tarde demais.
Jop já está com as pernas contraídas. Pronto para correr na direção daquele desgraçado. Iza com a faca colada à mão. Os dois entreolham-se para perceber quem age primeiro. Os punhos de Jop cerram. Cerram com tanta força que o punhal começa a deixar marca na palma da sua mão. Tudo para chegar a este momento quando então...começa a mover-se.
Com a ajuda dos seus pés contraídos, Jop distendo-os para começar a corrida na direção do seu chefe a uma grande velocidade. Os olhos dos observadores confundem-no com o corredor de uma maratona pela forma como ele corre rapidamente com os punhos ao alcance. Não deu sequer para reagir. Um, dois, três. Três tempos e já tinha dado passadas o suficiente para estar a uns meros centímetros de Iza.
O tempo até parece ter desacelerado para Iza. Via tudo em câmara lenta naquele momento. O seu último passo. A forma como ele parou a toda a força para dar o seu golpe final. Estendendo o seu braço direito para a frente e inclinando a coluna para a frente ele prepara-se para dar um golpe capaz de quebrar ossos. Um golpe para acertar na cabeça de Iza e dar-lhe um traumatismo.
Iza viu tudo isso. Aproveitando que via tudo tão lentamente notou nos pequenos detalhes e decidiu o tempo para agir. Até agora não tinha feito nada. Pessoas que observavam viam que ele não tinha feito nada e estavam mesmo a ver que ele ia levá-las na cara, mas...talvez elas não tenham pensado bem.
Iza: "Ha!"
Num piscar de olhos ele balança a faca verticalmente. A lâmina corta a parte do punho que o punhal de metal não cobre e deixa uma marca ascendente no dedo do meio de Jop. Mais do que isso tudo...a faca não para aí. Deixa esse corte no dedo e sobe até entrar em contacto com o punhal que causa...
*Tlim*
...um som metálico por todo o beco.
Acima de tudo, com a força do impacto e do golpe, o punho de Jop é obrigado a subir, desviando o golpe do seu alvo inicial: o rosto de Iza. O seu ataque falhou. E ele não conseguiu fazer nada num espaço de tempo tão curto onde foi apanhado tão desprevenido. Limitou-se a arregalar os olhos enquanto via um corte no seu dedo do meio e o seu punho a ser puxado para cima.
Agora tinha conseguido. Desviado o ataque não tinha mais nada com que se preocupar. Tinha ali o inimigo estupefacto e indefeso. Prestes a levar o golpe fatal. E agora que chegou o momento, com a sua faca atingindo o ponto mais alto e o seu balanço vertical a chegar ao fim, ele não hesita.
Optando por uma pega reversa na faca, Iza muda a forma como segura na arma. Então, aproveitando toda a força gravítica da investida, ele afunda a lâmina para baixo, deixando-a passar pelo vento e cortando tudo. Tudo para chegar até ao fundo, ao alvo invisível que tinha marcado com os seus olhos no corpo de Jop. Então, ele crava a lâmina.
*Tcish* 
Aproveitando a altura em que se encontrava ele não hesitou. Antes que sequer pudesse dizer algo já tinha espetado a lâmina na pele do inimigo. Precisamente entre o seu pescoço e seu ombro direito. Não o suficiente para o matar. O suficiente para o derrotar. 
Sentindo a lâmina dentro do seu corpo...Jop cede. A dor que sente é demasiada. O sentimento frio...esta sensação da lâmina fria a cortar a sua pele. Esta lâmina que agora está em contacto com a sua carne. Raios. Foi vencido.
O seu sangue não para de subir. O seu corpo paralisa. Membros começam a perder a força. O braço que tinha erguido para dar um golpe que ultimamente falhou baixa. A sua consciência mais fraca, mas...não se nte que vai morrer. Cada parte do seu corpo vai perdendo força até chegar às suas pernas.
Jop cai de joelhos no chão. O homem que se tinha achado capaz de derrotar Iza estava agora a ser olhado de baixo por este. Vendo que a batalha tinha acabado, ofegante e ainda sob o efeito da adrenalina, Iza tira a faca.
*Tchik*
Mal a lâmina é retirada, sangue esvoaça pelo ar, muito dele indo parar ao chão. Para além disso, sem a lâmina, o sangue que tinha subido foi parar para a a superfície. Em outras palavras, esguichou para fora e manchou o chão e as mãos de Iza que tinham acabado de retirar a faca e, como tal, ainda não se tinham afastado do local do golpe.
Foi neste momento que alguns observadores decidiram agir. Pararam o que faziam e foram ajudar aquele colega. Viram a luta toda ao longe e perceberam que ele foi derrotado aprentemente sem alguma dificuldade. Iza provou-se digno do respeito deles ao vencer o segundo melhor combatente deles no corpo a corpo.
Realmente, não sabem o que aconteceu com ele, mas gostam do que viram. Quando os outros vão acudir Jop eles também percebem isso. Ao tentar estancar o sangramento entre o seu pescoço e ombro com lenços sujos eles apercebem-se que o ato daquele colega foi idiota. Ele não tinha chance contra o chefe. Nunca teve chance contra o grande Iza. Este sim é alguém que merece respeito e digno da liderança deles. Demorou para aparecer, mas parece finalmente ter chegado.
Por sua vez, Iza começa a perder toda a adrenalina. A sua consciência fica mais clara e o cérebro deixa de ser controlado pelas emoções do momento. Graças a este desaparecimento da adrenalina pôde finalmente perceber que estava errado. A luta...não era necessária. Porque é que a fez? Para despejar frustrações noutro? Assim estaria a provar Jop certo. Mas não...era algo mais.
Iza: "..." 
Olhando em redor percebe a magnitudo do que fez. Vai lentamente ficando com vergonha dos seus atos. O choque nem chega nesse momento. Chega quando olha para a sua mão e vê...sangue. Muito sangue. Sangue a manchar a sua mão. Sangue a manchar quase toda a lâmina da faca. Sangue a escorrer do corpo de Jop e a molhar-lhe as roupas. Sangue que lhe lembra de todas as mortes. Do que fez neste dia há um ano.
Sangue. Tudo graças ao sangue. Símbolo que o marca e relembra do tipo de pessoa que é e do tipo de pessoa que prometeu ser. Sangue que o mancha e o deixa...a tremer. A sua mão. Não para de tremer com medo. E vergonha. E ânsia. E...e...e...chega...
Não conseguindo encarar o que fez, Iza sai do beco a correr. Vira as costas e começa a correr com vergonha dos seus atos, pondo as mãos e a faca ensanguentada no bolso.
Porquê? Porque é que tem de ser tudo tão complicado? Aquele homem...ele não parece morrer...não quer que ele morra...Iza não quer voltar a sentir o peso que é matar alguém.
Tudo. Tudo tão comicado. Agora que está a ser um hom líder torna-se em algo que não quer, mas...é este o tipo de pessoa que prometeu tornar-se ao seu pai. Prometeu e...vale a pena. Todo este sangue. Morte que vai causar. Valerá mesmo tudo a pena para manter esta promessa.
Correndo pela rua não consegue perceber. Corre a mil e nem se apercebe que vai contra as pessoas. Os outros são obrigados a desviar para não serem atropelados por ele. Estes pensamentos todos estão a afetar outros. Ele é que não se percebe disso. Ele é que está demasiado preso aos seus ideais e pensamentos que ficou...cego.
Não consegue aguentar esta dor sozinho. Precisa de alguém com quem a partilhar. Uma pessoa a quem possa contar tudo isto. Sabe precisamente a pressoa certa a isso. Alguém que confia. Precisa de Ner.

Jeff: "..."
O rapaz escrevia no seu diário. No seu quarto. Sozinho com os seus pensamentos e medos. Tinha acabado de escrever o seu capítulo do dia. A tarde parecia ir para a noite. Esta era a altura do dia onde estaria a ver televisão, mas decidiu adiantar-se.
Ao invés de escrever à noite antes do seu pai chegar ele escreve à tarde. Quando a luz do sol ainda se sente, embora esteja mais fraca. Para aproveitar a luz que o dia ainda lhe dá ele não tem nada a tapar a janela do quarto. Quer aproveitar esta luz enquanto pode. Nada lhe garante que a pode voltar a ver.
Escreve sobre aquilo que mais o preocupa. As suas previsão futuras. Hoje à noite a criatura aparecerá. Se a sua teoria estiver correta ela atingirá um auge nesta noite. A noite que marca o aniversário da morte da sua mãe. Pode estar a ir muito longe, mas acha que as luzes não funcionarão hoje. Mesmo assim as luzes parecem ser a sua melhor ajuda. 
Na noite de ontem...vai tentar não descarrilar...na noite de ontem elas funcionaram. É verdade que as ligou para não ter de aturar com mais nada, mas mostraram-se eficientes. Que ele saiba não aconteceu nada. Porém, hoje é diferente. Como se não bastasse a dor de ontem que foi totalmente processada, ainda tem a dor de há um ano atrás. É quase garantido que o poder com que a criatura virá será nunca dantes visto.
O monstro noturno está intrinsicamente ligado às suas emoções desde o dia da morte de Maria. Isso significa que ele é um espelho do seu estado de espírito. Quanto mais triste se sente, mais forte ele fica. Ontem ainda nem tinha processado o que tinha ouvido. Talvez seja por isso que o monstro também nem tenha resistido à luz, pois nem ele tinha recebido a reação de Jeff a toda aquela informação. Hoje já não será tudo tão simples. Hoje ele aparecerá e acha que não haverá nada que o possa parar.
*Vuvumvum*
Ele para de escrever. Tem naquelas páginas escritas as suas previsões. Muitas das quais espera que não sejam verdadeiras. Aquilo não adianta muito, apenas o alivia. Temporariamente, no entanto, pois sabe que, daqui a pouco, estará com a ansiedade e medo no máximo. 
Fechando o diário ele deixa-o em cima da cama e começa a pensar no que pode fazer para se preparar. Contra uma criatura daquelas, um vírus... não há nada a fazer. Nem com toda a preparação seria capaz de preparar algo que seria capaz de a danificar. A melhor opção que terá contra ele será enfraquecê-lo. Para o fazer terá de se acalmar.
O problema é como...terá alguma forma de o fazer? Um método...nunca pensou em algo do género. Nunca sequer pensou em recorrer a algo do género. 
Tem, no entanto, algo que pode funcionar. Ou talvez não seja algo que o vá acalmar. Apenas algo que lhe veio à cabeça. Não custa nada fazer. Não tem mais nada para fazer. Sim. É uma boa ideia.
Com algo em mente, Jeff levanta-se da cama e sai do quarto, cobrindo-se com aquela manta que sempre usa. Esta ideia pode não ser muito útil. Pode até ser um desperdício de tempo, mas há algo que quer ver antes de encarar a noite. Antes de encarar aquela criatura noturna.

Num beco junto a um edifício, encontra-se Ner. Ele não estava com os outros a preparar as armas que iria trazer. Afinal, ele nem tinha arma que gosta de trazer para batalhas. Essa é uma que passou a levar quase por boa sorte e não muito pela facilidade com que a maneja.
O homem alto e musculado estava junto a um caixote do lixo que se encontrava dentro daquele beco. Beco esse que nem é dos iores em que já esteve. Ele até acha que o beco ao lado do Rico's Cafe onde estão todos os seus companheiros é o pior. Pois este aqui ao menos não tem líquidos estranhos no chão e lixo de origem questionável no chão. Se bem que este beco tem um cheiro meio esquisito a pairar...
Lembram-se quando eu disse que Ner estava junto ao caixote do lixo...talvez tenha suavizado um pouco as coisas. O indivíduo não está em pé junto ao caixote do lixo verde, ele está com a cabeça dentro do caixote do lixo como se estivesse a procurar por algo lá dentro.
Sim, é nojento. Contudo ele estava lá para conseguir a sua arma. Arma essa que pelos vistos se encontrava dentro do caixote do lixo. Porquê? Quem é que teve essa ideia? Foi o Ner. A arma é dele. Por isso fica a pergunta: porque é que ele escolheu guardar a arma num caixote do lixo meio aleatório?
Depois de uns bons minutos dentro do caixote do lixo, com a sua cabeça a ficar cada vez mais suja com os conteúdos daqueles asquerosos e malcheirosos sacos do lixo, ele acaba aquela mergulho. Tira a sua cabeça que sabe-se lá como está limpa e sai com algo na mão direita.
Uma arma comprida. Não é muito bem um objeto feito para luta. É mais para a construção, mas Ner deu-lhe um uso diferente. O que ele tinha naquele caixote e tirou depois de um bom mergulho nos conteúdos pouco agradáveis do caixote foi uma marreta.
Ponta de metal pesada e a enferrujar. Pega de madeira comprida que permite ataques a longo alcance. Se fosse outro membro da gangue com essa arma ele teria dificuldade só para a levantar. A sorte é que os músculos de Ner e a sua estatura geral permitem-no balançar a arma com pouco esforço. É por isso que esta pesada marreta se torna mortífera nas suas mãos.
Limpando a ponta de metal com as suas mãos, ele vai vendo o estado da arma. Poderia ter trazido uns lencinhos para não ficar com as mãos a cheirar tão mal, porém acho que a limpeza não é a especialidade destes criminosos. Já está num beco tão escondido que nem chega a luz do sol. Isso por si só já é pouco higiénico.
No meio daquilo tudo nem tinha notado nos seus arredores. Tinha ficado completamente absorvido na avaliação do estado da marreta que se esqueceu de ver se tinha pessoas a passar ou alguém próximo. Os seus músculos faziam um esforço para levantar aquilo e por isso tinha também de ter grande atenção.
E foi quando andava a admirar aquela beleza que cheirava tão mal quanto a cabeça que mergulhou no caixote que teve a sua inspeção interrompida. O foco que demonstrava rapidamente desapareceu de um segundo para o outro quando ouviu...
Iza: "Temos que parar de marcar o nosso território ao pôr armas em caixotes do lixo. Não entendo porque é que o meu pai quis fazer as coisas desta forma." 
Ner ouve a voz à sua esquerda. Vem da entrada do beco. Esta voz que conhece tão bem. Ele tira os olhos da marreta e olha para o lado só para confirmar que estava certo.
Ner: "Pensava que estavas com os outros no beco ao lado do café."
Diz, mal o vê. Vê Iza. De mãos nos bolsos. Um pouco esquisito, mas ignorou por ora.
Não se revela muito surpreso ao vê-lo. Provavelmente porque ainda estava com a cabeça no trabalho em mãos. Mas estaria a mentir se disesse que não estava curioso para saber o que ele veio fazer. Uma coisa sabe.
Quando Iza interrompe o que faz para falar com alguém é porque aconteceu algo. Talvez seja por isso que Ner não demonstra muita surpresa. Porque isto já aconteceu antes e baseado nas experiências passadas tem uma boa ideia de como esta conversa se vai desenrolar.
Iza: "Vim aqui para falar contigo. Nada mais."
Adentrando-se no beco ele vai em passo lento. Como se fosse a sua primeira vez ali. Repara em todos os aspetos daquele beco que, tirando o caixote do lixo, é bem vazio. Não há muito para ver ou até onde se sentar.
Ner percebe que ele claramente não veio só falar. Algo aconteceu e cabe a ele descobrir o quê ao certo. Iza tenta parecer discreto com a sua atuação péssima que não engana. Quando até o Jop percebe que ele esconde algo é porque sabes que alguém é mau a fingir. A maneira como ele chegou as costas à parede com as mãos nos bolsos, mesmo ao lado do caixote do lixo deixou claro que ele queria algo. Muito bem. Este será o jogo que terão de jogar.
Ner: "Eu avisei que ia demorar um pouco até voltar. O beco é um pouco longe daquele café. Presumo que também não tenhas aqui vindo pelo cheiro."
Iza: "Claro que não. Aquele beco cheirava muito melhor. Talvez seja pelo cheiro a café que se entranhava ali. Porque de aspeto até chega a ser pior do que este."
Ner: "Então o que é que vieste aqui fazer?"
Iza: "Foi como eu disse. Quero falar."
Ner: "Por isso sugiro-te que te deixes de conversa fiada."
O homem alto segura na marreta com as duas mãos. Não o faz para o ameçar. Apenas quer que ele perceba que não está para brincadeiras. Quer que ele perceba que não o consegue enfanar. Ner conhece Iza demasiado bem.
Custa admitir, mas acho que não tem hipótese. Está encurralado. Entre a espada e a parede. Não, entre a marreta e a parede. Pressionado a dizer ao que veio ele cede. A sua expressão fica mais séria. Olhos mais vazios. Respiração desacelerada. Agora não há por onde fugir.
Iza: "Não dá mesmo para te enganar. Não a ti que me conheces tão bem."
Ner: "Cospe lá tudo."
Iza: "Parecem que não há muita escolha..."
A sua estratégia funcionou. Dali deve vir uma longa história. Tem a certeza quanto a isso. É bem possível que os seus pés não se aguentem muito mais em pé. Precisará de um apoio se a história for tão longa quanto acha.
Pensando bem, ele vai com a marreta na mão para ao pé de Iza que, por sua vez, se encontra encostado na parede, à direita do caixote do lixo. Ner posiciona-se à direita de Iza. Com a marreta a ser segurada na sua mão direita.
Já é tarde demais para voltar atrás. O capitão percebe isso. Cruza os braços e prepara-se para a montanha-russa de emoções onde irá. Veio aqui para desabafar e isso significa que terá de desenterrar as memórias de certos acontecimentos. Coisas que queria esquecer, mas não consegue. Terá de as cuspir a todas para fora. Senão o desabafo não funcionará.
O que aconteceu ontem...o que aconteceu há um ano...os sentimentos e a forma como reagiu...deve-lhe uma explicação. Por ele ser o seu braço direito e para não correr riscos hoje à noite. Para não estar com a cabeça em outro lugar quando mais precisar. É isto o que torna este momento tão importante e não o deixa voltar atrás. É isto o que precisa de ser feito se quer sobreviver.
Iza: "Deves ter notado que eu tenho andado um pouco diferente. Na manhã eu estava com a cabeça em outro lugar. E esse lugar não era aquela casa e o presente, mas sim outra casa e o passado que ela traz."
O brutamontes surpreende-se ao ouvir o que o seu chefe diz. A princípio nem parece algo mau. Ele apenas está chateado por ter decepcionado os seus parceiros. Isso é o que ele acha. Ner sabe a verdade e sorri ao ouvir aquilo tudo. Tudo não parece passar de um mal entendido. Usando um discurso motivador ele tenta esclarecer as suas coisas com a sua interpretação dos eventos.
Ner: "Se estás preocupado com o que aconteceu, quero confortar-te. Correu tudo bem. Saímos todos lá com 2 minutos de antecedência. Graças a esta tua voz imponente e digna de um líder. Mudaste muito de ontem para hoje. Falo isso no sentido positivo. Podemos ter perdido o negócio da droga com o Reyner e a nossa reputação pode ter diminuído, mas é bom saber que tu sempre aprendeste com os erros. Admito que possas ter demorado. Mas é como dizem: mais vale tarde do que nunca. Pelo que vi os outros concordam comigo. Estão felizes por ver que tu mudaste. No fim sempre melhoraste. Isto levou-os a confiar mais em ti. E bastou um só ato para mostrar essa tua mudança e ganhar essa confiança do teus subordinados.."
Iza: "Acho que terás de atualizar isso. Da última vez que eu vi foram dois atos."
Ner franziu a sobrancelha. Agora é a parte onde entram as novidades. Ele é que não esperava que elas viéssem de uma forma tão súbita, pois ele foi atingido com um choque tão grande que mais parecia que tinha sido atropelado por um comboio.
Ner: "Dois atos? Aconteceu algo lá no beco enquanto estive fora?"
O líder da gangue sem nome outrora conhecida como "Dshonour" baixa a cabeça em vergonha e medo de contar o que aconteceu há minutos. Porém Ner até parece estar a esforçar-se para ser compreensivo. Ele não é muito inteligente e tem ar de estar a compreender mal a situação, mas ele é capaz de ser o melhor ouvinte que conhece. Junto a ele sente-se mais seguro para dizer o que sente. Este homem é alguém que confia.
Iza: "Lá no beco aconteceu algo. Estava absrovido mos meus pensamentos enquanto os outros preparavam as suas armas para hoje à noite. Como sempre fazemos quando vamos fazer uma invasão."
Ner: "O problema é que apenas enfrentaremos um tipo. Ele pode ter uma arma contudo rle pode nem saber disparar, algo que é muito provável de acontecer."
Iza: "Eu estou ciente disso. É só que eu...quanto mais tempo fico a pensar sobre o passado...com mais medo fico que algo de mal ocorra."
Ner: "Foi por isso que pediste que fôssemos buscar as nossas armas, incluindo pistolas e tudo?"
Iza: "Sim. Quero certificar-me de que tudo irá correr bem. Para fazer com que ele desista. Mas  não estava a prever que algumas pessoas se revoltassem."
Ner: "Revolta...espera aí...o que é que aconteceu? O teu problema não era não teres a certeza de que o pessoal estava a gostar desta tua nova atitude?"
Subitamente o tom da conversa muda. Ner estava a prestar pouco atenção ao que ele dizia, julgando a sua interpretação a correta. Com a menção de uma revolta e de um tal "ele" é que eprcebe que as coisas são muito mais complicadas. Não podia estar mais errado quanto às suas convicções.
A sua sobrancelha franziu ainda mais do que já estava. A sua boca chegou mesmo a abrir. Ele não esperava que as coisas fossem dar esta volta toda. Todas as suas expectativas e perceção da realidade ficaram de cabeça para o ar.
Como seu amigo, Iza entende como ele pode se ter surpreendido. Já tinha notado que a sua perceção dos eventos era errada e queria logo partir para a revelação. Assim poderia despachar um pouco a dor que é para ele recordar-se do passado.
Recusa-se a abrira boca, no entanto. Acha que um gesto fala mais. Um gesto é capaz de não ser a melhor palavras. É mais algo que o pode ajudar a perceber o nível daquele conflito.
Vergonhosamente ele tira a mão direita do bolso. Deixa lá a faca e traz só a sua mão à superfície. Mão ensaguentada e que arregala os ophos de Ner, fazendo-o esquecer a estranheza que sentia. Agora só estava em choque.
Ner: "Isso é...sangue?!"
Iza: "Não me orgulho muito disto. É também um pouco complicado de explicar."
Ner: "Vá lá. Eu preciso de uma explicação. Chega a ser um crime deixares-me com uma revelação dessa e não elaborares."
Iza: "És capaz de ter razão."
Entende o ponto a que Ner quer chegar. Não lhe consegue recusar uma explicação para tudo isto que tem acontecido. Até porque o sangue começou a secar e parece deixar nódoa no interior dos seus bolsos. O seu amigo apenas está preocupado consigo.
De certa forma isso é algo que adora nele. A forma como é burro e ainda assim se preocupa com todos. É impossível negar-lhe uma explicação. Principlamente quando fica com gosto ao ver alguém tão bom quanto Ner a requisitá-la fica difícil recusar-lhe aquele desejo. Decidiu-se ali e agora e quer ajudá-lo a compreender Iza Ingram.
Iza: "Um dos nosso homens ficou indignado. Achou um insulto ter de se estar a preparar para lutar contra um pai que nem deve saber segurar numa arma. Esse homem, o Jop, veio falar comigo já com um soco inglês pronto. Houve ali um desentendimento. Na verdade, eu não estava com paciência para tratar de imprevistos. Por isso também me irritei e deixei levar pelo momento. Começámos a sussurrar. Passado um pouco passamos a falar num tom de voz normal até chegar aos gritos e foi aí que eu não me consegui conter. Sem pensar agi e dei-lhe um soco na cara."
Ner: "Logo, o sangue...veio do soco ou..."
Iza: "Usei a faca. Não é preciso ficares muito preocupado. Aparentemente não o matei. Espetei-lhe, no entanto, a faca entre o pescoço e o ombro. Foi assim que acabou a luta. Com o Jop de joelhos e a minha mão com o sangue dele."
Ner: "..."
Iza: "Até parece que já não tinha traumas suficientes."
Há algo mais profundo ali. Já tinha se apercebido disso quando viu o erro que cometeu com a sua interpretação do estado de Iza. O seu amigo não está muito bem e é possível ver isso na sua postura.
Neste ponto não quer tanto saber o que ele tem para dizer. Quer ver o seu amigo mais contente. Mesmo que seja por uns segundos. Ao olhar para ele vê uma cara cansada. Com as pupilas salientadas e olheiras bem presentes. Ele mal dorme a pensar em todo o tipo de coisas. Não, deve haver algo em especial.
Existe algo que aconteceu que anda ali a matutar dentro da sua cabeça. Sendo isso o que for está a incomodá-lo e a impedi-lo de dormir muito. Tudo para, quando se levantar, continuar com este massacre. Isto tem de acabar. Não aguenta ver Iza assim tão frágil. De olhar mais cerrado a olhar para o chão. Respiração mais pesada e malcólica. Mais pensativo e...cabisbaixo.
Ner: "À vontade, Iza." 
Diz, encostando a cabeça na parede.
Iza: "..."
Ner: "Se tens algo a dizer, podes confiar em mim para guardar como segredo. Ninguém saberá. Da mesma forma que tu não ficaste a saber o que os teus subordinados achavam de ti durante mais do que um ano."
Iza: "..."
Pelo que ouve ele não parece hesitar com as suas palavras. Significando que tudo o que ele diz vem do fundo do seu coração. Em outras palavras, tudo o que ele diz é genuíno.
Iza pode errar muitas vezes, mas esta não é uma dessas ocasiões. Sente-se seguro que não está errado. Se pudesse apostar a sua vida apostaria isso e mais ainda. Isso é um testamento à segurança desta sua afirmação.
Os dois conhecem-se bem. Ao longo dos anos formaram uma amizade e sabem o que o outro pensa. Conseguem ler-se um ao outro. Mesmo o Ner que é um asno em tudo. Eles sabem que quando um tem um problema, o outro pode confiá-lo ao outro. É por isso que ele confia tanto nele para contar tudo o que lhe vai na cabeça.
Espera que ele não se importe em ser usado como esponja que terá de levar com todos os sentimentos que lhe vão no coração em todo aquele momento. Tarde demais. Já sente o seu coração a ser freneficamente bombeado e a vater mais rapidamente. Como se estivesse prestes a sair do seu peito. As palavras na sua boca querem sair. Querem ir ter com o exterior. Não aguentam ser supridas ali dentro daquele órgão tão puro e feito para ser amado.
Então, ele deixa de resistir. O seu amigo quer que ele deite tudo para fora. Iza também quer. É um desejo mútuo que irá realizar ali e agora. Sem hesitar. Sem esperar mais. Preparado e farto de guardar tudo na cabeça, ele faz a transferência destas palavras para o exterior para a sua boca:
Iza: "Ontem foi um dia complicado para mim. Estive o dia inteiro a contemplar o que fazer. Se devia seguir os passos do meu pai até ao fim e cumprir a promessa que lhe fiz ao matar o meu melhor amigo ou...será que deveria desistir de tudo isto. Vi ontem que teria de decidir rápido. Percebi que as coisas estavam a demorar demasiado tempo e que precisavam de ser resolvidas. Não poderia mais adiar isto. E o dia inteiro só me veio a intensificar essa ideia que tinha. O encontro com o Reyner...a conversa que tiveste comigo...tudo me estava a indicar um caminho...sinalizava que era hora de mudar. Pressionaram-me a mudar os meus hábitos e quase que me fizeram um ultimato: eu teria de me decidir antes que o dia chegasse."
Ner: "..."
Iza: "De repente este meu dilema ganhou uma nova dimensão, uma maior significância. Percebi que tinha apenas umas horas para me decidir. E a decisão tinha que ser a que mais me satisfizesse, porém...rapidamente deixou de o ser. Não sei se foi por ter ouvido estas palavras vindas de vocês, criminosos, ou por simplesmente ter acordado com as pernas para fora da cama, mas...quando chegou o momento para fazer a minha decisão, fiquei mais inclinado para o vosso lado. A decisão essa que tomei foi momentânea. De um instante para o outro. Fi-la quase sem pensar. Tudo foi feito depois de me teres contado toda a verdade. Ali, naquele beco com um caixote do lixo, sempre presente para marcar o nosso território e guardar armas, tomei a minha decisão. Decidi que iria ficar do vosso lado. Damian Mindler iria morrer. Era isso o que tinha decidido."
Ner: "..."
Iza: "Por isso não perdi tempo. Tu saíste de lá e fiquei a repensar o que iria fazer agora que me tinha decidido. A pensar e a absorver tudo o que tinha ouvida, para ser sincero. Tudo o que aquele dia me tinha fornecido tinha mudado o meu ser. Tinha me tornado aquilo que o meu pai desejou. Ainda não me tinha apercebido, mas tinha me tornado num...criminoso. Um criminoso completo e tudo o que bastou foi tomar aquela decisão. A partir daí não tenho sido o mesmo. Detesto admitir isto, porém depois daquela conversa que tivemos eu fui até à casa do Damian."
Ner: "..."
Lembra-se de ontem ter ideia de Iza ter ficado naquele beco enquanto ia embora. Parece que ele ia a algum lado antes de ir a casa. Olhando para trás é que tem essa noção. O que ele disse...por muito que tente fingir...apanhou-o de surpresa. Neste ponto já nem arregalava os olhos ou nada. Limitava-se a ouvir o seu amigo.
Ele tinha se tornado uma autêntica esponja de informação. Uma pessoa que absorvia tudo o que ouvia. A informação era para entrar e sair logo. Contudo, com informação tão importante, fica difícil não reter certas coisas. Ou mesmo tentar não achar algo delas fica difícil, mas Ner prometeu ser um ouvinte e por isso recusa-se a dizer algo. Deixa que Iza continue no seu desabafo.
Ner: "..."
Iza: "A casa estava vazia, aparentemente. Sabia que o Damian deveria ter um filho. Ele estava em outro lugar e se queria realizar o que tinha planeado precisava dele. Felizmente tinha mesmo a tática para fazer isso. Parti a janela das traseiras com ajuda da faca e entrei pela cozinha. Por entre os cacos de vidro fui até ao sofá e esperei para que a criança aparecesse. Não vou mentir. Esperei por ele durante um bom tempo. Um minutos. Dois minutos. Aos três já ia desistir. Foi quando vi um rapaz a descer as escadas todo assustado. Soube logo que era ele. E percebi aquele medo. Se eu estivesse no seu lugar eu também estaria assustado ao ver um homem que não conheço sentado no sofá onde gosto de descansar. O meu plano tinha funcionado. O som da janela a partir sempre o atraiu e trouxe até mim. O resto foi trabalho das palavras. Usei a disuassão para o despir de qualquer medo que ele poderia ter. Usei experiências passadas e o facto de que conhecia o seu pai para o tornar mais seguro ao meu lado. Usei os nossos aspetos em comum para o fazer ter mais confiança em mim. Só não tinha pensado que poderíamos ter tanta coisa em comum..."
Ner: "..."
Iza: "Acho que estou a tornar isto demasiado pessoal. Talvez esteja a ir muito além do que devia dizer. Mas queria que tu soubesses que foi ao falar com este rapaz...aquele miúdo que...comecei a duvidar desta minha decisão. Ainda assim, duvidando dos meus atos e do que estava ali para fazer, e-eu segui em frente. Tentei manter-me fiel à decisão que tinha tomado. Já que tinha chegado a este ponto não poderia voltar mais atrás. Por isso segui com o que tinha planeado. Continuei, mas sabendo que talvez não estivesse a agir da forma que mais gostaria."
Ner: "..."
Iza: "Quanto ao que fiz...eu...contei algo...algo que também me fere. Sabia que o Damian nunca contava ao seu filho o que aconteceu naquele dia. Depois do tempo que o andámos a atormentar isso saiu-lhe da boca. O que eu fiz foi usar essa informação a meu favor. E-Eu...contei ao filho do Damian, Jeff, o que aconteceu hoje há um ano. Contei-lhe sobre a morte da Maria."
Ner: "..." 
Neste ponto não se consegue conter. Tentou ao máximo esconder esta façada dos seus subordinados, mas ele finalmente deixa que a máscara caia. Deixa que o momento ganhe e envolve-se nas emoções que tem reprimido.
E foi assim que ele deixou os seus verdadeiros sentimentos fluirem. A suas lágrimas escorreram livremente como nunca. A sua boca ficou trémula, tocada pela dor interna.
De novo, Ner resistia. Fazia questão de não dizer nada. A última coisa que ele queria seria quebrar aquele momento. Dizer algo apenas estragaria o clima e serviria para o tirar do momento. O objetivo desta conversa é fazê-lo desabafar. Tudo está a fluir da maneira correta e sem obstruções e não serão as suas palavras a tornar-se as pedras no meio do rio.
Ner: "..."
Iza: "Lá disse o que tinha a dizer. Tinha vindo ali para marcar a minha posição e mostrar que a partir de agora não ia mais me conter. A partir de agora iria dar de tudo para deitar o Damian abaixo. Pelo menos era isso o que queria que fosse verdade. Na verdade, só fiz aquilo para o fazer desistir. Ao contar a verdade ao filho dele eu queria fazer com que ele acabasse o trabalho por mim. Eu queria morrer naquela época. O Damian apontou-me arma à cabeça. Parecia mesmo que ele me ia matar, mas quando percebeu que isso era o que eu queria ele desistiu de premir o gatilho. Isso fez-me perceber que teria de fazer melhor para que ele quebrasse os seus limites. Seria necessário algo mais extremo para que ele...me matasse. Desde que tomei a decisão no beco que me tenho odiado a mim próprio. Odiado por estar a trair o meu amigo. Por me ver escravo do passado ao ponto de querer matar o Damian e achar isso aceitável. Por isso é que eu deliberadamente causei a luta. Inicialmente estava mesmo irritado com ele por me estar a interromper, mas depois vi ali uma oportunidade à medida que as coisas foram avançando. Dei um soco nele para incitar uma luta que serviria como uma punição para mim. Queria que o Jop me viésse espancar até à morte. Porém quando cheguei à parte de ser espancado e vi o punhal a aproximar-se da minha cara...percebi que estava mesmo a correr risco de morte. Nem aí consevue suceder. Quando me apercebi que estava mesmo entre a vida e a morte numa luta com outra pessoa que mudei os meus planos. Ner, eu venci a luta. Não consegui a morte que tanto tenho desejado para me punir. Porque quando chega o momento...o instinto que tenho lá dentro faz-me perceber que a morte nunca é desejável. Esta forma como vos tenho tratado até agora...esta nova postura séria que vocês tanto gostam serve só para voz fazer gostar de mim. Eu sempre soube o tipo de pessoa que vocês queriam que eu fosse. Apenas nunca me tornei por ter medo de nunca me vir a perdoar a mim mesmo por ter decidido agir assim para o resto da minha vida. O que aconteceu de manhã foi uma demonstração. A primeira vez que agi conforme os vossos desejos e odiei cada segundo. Essa foi uma das razões de eu ter saído de casa. Isso e o facto de eu não suportar o fardo que é ser líder e...é claro...o facto de não me conseguir perdoar por ter decidido tornar o capitão Iza Ingram. No fim, isso resultou no sofrimento de um dos nossos subordinados. Ao agradar-vos acabei por me ferir a mim. E se há coisa que aprendi é que deves sempre ter-te a ti num pedestal. É isso o que eu levo deste pesadelo que tenho experienciado na minha cabeça que se enche de pensamentos suicidas e de formas de obrigar o Damian a premir o gatilho. Quem sabe ao trazer o bando todo armado ele se sinta pressionado o suficiente para me dar um tiro e quebrar a promessa que ele fez à Maria. Talvez assim...eu...possa...finalmente...descansar e livrar-me deste inferno que é...viver."
Ner: "..."
O choro chega a um pico. A um ponto onde as lágrimas não pararão por nada. Agora nem palavras o confortarão. Fez o que sempre quis fazer. Deitou tudo para fora. Embora não pareça, daqui a umas horas este momento irá provar-se efetivo. Estas lágrimas irão transformar-se no desabrochar de um grande líder.
Mas palavras não o confortarão agora. Se quer fazer ainda algo tem de ser um gesto simples e que sirva de apaziguador. Tem algo que possa cumprir esse papel. Algo que Iza secretamente também precisa no meio de todas as lágrimas. Tantas lágrimas que começam a escorrer para a sua boca e não o permitem falar. 
Ner deixa-se de cortesias. Ele tira as costas da parede e fica frente a frente com Iza. Observa aquele homem mais uma vez. Com a marreta na sua mão direita ele fecha os olhos para abraçar o lado da sua pessoa que tanto escondeu. Para abraçar não só a um nível figurativo, mas também literal.
Dando uns dois passos em frente ele encosta o seu peito à cabeça. Aquelas lágrimas que manchavam o chão passaram a ter apoio. Não havia nada a temer. Havia alguém ao seu lado que o apoiava não importava a situação.
Sem medo de ser julgado, Iza levanta a cabeça e deixa de olhar para o chão. Como se fosse enterrar a cabeça numa almofada ele chega a cara ao peito de Ner e continua a deitar todas as lágrimas que tem. Toda a tristeza e pensamentos que esteve suprir. Tudo debaixo do sol da tarde que parecia chegar a um fim daqui a pouco.
Tudo naquele beco. Ranhoso como qualquer um. Tudo naquele local onde não estava sozinho. Tinha um amigo que o apoiava e queria o seu bem. Ner não reclamava. Não disse nenhuma palavra e deixou as lágrimas escorrerem.
Os dois. Juntos naquele espaço. Juntos num momento de confissão junto a um prédio. Ao pé de um prédio onde pessoas moram nos seus apartamentos. E no meio disto tudo estavam eles. Os dois mais poderosos de uma gangue de bairro sem nome. Um deles com uma marreta na mão. E ainda assim consegue compartilhar aquele momento tão íntimo.
Conseguem até deixar o resto do mundo à parte disto tudo. Nem se apercebem que um carro chega até àquele local. Um carro que estaciona junto ao passeio. Um carro que chega àquele bairro bastante vazio. 

Sarah: "Já chegámos."
Informa ela, travando a fundo e estacionando junto ao edifício, perto ao passeio.
Damian: "Acho que é aqui. A Bird Street 292."
Diz, olhando pela janela do carro. 
Os dois estavam no carro de Daniel. Ele foi gentil o suficiente para lhes dar as chaves mais uma vez. Neste ponto pode dizer com confiança que gosta dele. Daniel não é tão mau quanto aparenta. É um tipo bastante porreiro.
Segundo o GPS do carro não havia que enganar. Damian tinha lá digitado a morada que fixou e manteve na sua cabeça durante ontem e hoje. Tudo o levava àquele lugar. Àquele bairro onde vê algumas pessoas a passar no passeio à sua direita e no passeio à sua esquerda, do outro lado da estrada.
A rua em questão, não, todo este bairro era um amontoado de edifícios. Talvez todos fossem apartamentos onde outros que não tinham dinheiro suficiente para comprar uma casa iam parar. Uma espécie de bairro para os menos afortunados. E Damian sabe que, embora tenha uma casa, está a poucos passos de se tornar alguém como os moradores daqueles prédios. Ou mesmo as três pessoas que vê a caminhar no passeio. Todas vestidas com roupa barata e de desporto. 
Isto não ajuda nada a curar este estado depressivo em que se encontra depois de se ter recordado das memórias com Maria. Lá no escritório, de um momento para o outro mudou completamente. É mais da manhã para a tarde. Pelos vistos estas divagações demoraram muito mais do que uns meros segundos ou minutos. Se não fosse o Andrew a acordá-lo daquilo tudo...ainda estaria mais carrancudo do que agora. 
Ela já deve ter notado. Não lhe disse nada durante a viagem inteira. Passou o tempo todo a olhar pela janela para o exterior. Como se a sua cabeça estivesse em outro lugar. Claramente havia algo que o andava a massacrar. A secretária é que ainda não lhe disse nada. Mas está a desviar-se do assunto em mãos.  
Veio ali para fazer uma entrevista e já é de tarde. Espera é com estas divagações no pensamento não tenham feito esquecer das perguntas que tinha preparado. Não quer julgar nada nem ninguém. Só quer acabar o seu artigo. Depois da conversa que teve com o Diretor sabe que não tem mais tempo. É agora ou nunca. Danic Verty. Ele é a última peça deste puzzle. Talvez a única oportunidade que tem para compreender o que aconteceu aos três jovens soldados.
Damian: "Vou sair. Não devo demorar mais de 20 minutos. Até aí, espera aqui por mim."
Diz, num tom melancólico e pouco assertivo. Agora não deu para esconder a sua falta de felicidade. Qualquer um é capaz de observar aquele homem e ver o seu olhar repleto de memórias e que reflete o passado e perceber que ele não está muito bem. Para Sarah, isto é de se estranhar.
Ainda de manhã o tinha visto tão feliz e vívido que vê-lo tão morto por aí cria um grande contraste. Um contraste que ela finge não a incomoda, mas...está a mentir. É claro que pergunta-se o que aconteceu. Só ainda não encontrou a oportunidade perfeita para o fazer. 
Sarah: "Espero que, desta vez, não te estiques. Penso que o sermão que levaste anteontem serviu de lição."
Fala-lhe quase em tom de ameaça, escondendo a preocupação.
Ela não precisa de dizer mais nada. Damian percebe logo a gravidade da situação em que se coloca. As memórias do que aconteceu depois do seu encontro com Tren ainda estão bem presentes na sua cabeça. Como é que poderia esquecer uma massacre tão sagrento que foi aquela gritaria toda no carro?

Damian: "C-Claro. Tenho perfeita noção disso."
Responde, temendo o que possa acontecer. Curiosamente neste momento ele demonstrou alguma emoção. Sim, foi medo. Contudo, já é melhor do que nada que foi o que ela recebeu durante toda a viagem e desde que o viu no escritório, quando ele foi pedir boleia. Talvez este seja o melhor momento para fazer a sua pergunta.
Sarah: "Só uma coisa. Antes de ires quero que me respondas a isto."
Damian: "Sim?"
Sarah: "Porque é que demoraste tanto até vir ter comigo? Tinhas mesmo que esperar até tarde para vires aqui? Já para não falar que pareces mais carrancudo. Quer dizer, tu nem abriste a boca durante a viagem toda. Andavas tão feliz de manhã. O que é que se passou enquanto estive a tratar da papelada de hoje para o Daniel? E nem penses em dizer que são as notícias trágicas que te deixam assim, porque eu bem sei que isso é mentira e não vou hesitar em punir-te por isso!"
A garganta de Damian fica seca. Ela é capaz de ter tocado na ferida. Senão está muito perto de a tocar. Mesmo ele sendo amigo dela não se sente confiante o suficiente para lhe contar o que se tem passado nestes últimos dias. Não quer preocupá-la muito. Não quer envolvê-la nisto tudo. Neste mundo do crime que é tão perigoso.
Quem sabe as coisas que poderão acontecer? Não. Não quer correr esse risco. Não quer colocar alguém que se importa em perigo. Colocando-se nestas situações onde é pressionado a responder é que tem de dizer uma mentira para se safar. Ou terá de se desviar da pergunta.
Damian: "A sério? Não reparei nisso. Tenho achado que a felicidade sempre esteve presente, mas, se tu o dizes..."
Diz, fingindo-se de sonso. E parece ter funcionado. Sarah fica sem palavras. Talvez porque ela percebeu que ele estava a fingir que não tinha reparado nesse facto. Novamente, Damian não é muito bom a esconder as suas intenções.
Mesmo sabendo disso ela deixa-o sair impune. Com segundos de silêncio vindos da sua colega, Damian toma como sinal que pode ir. Ele abre a porta e sai para fora do carro. Ela só o deixou ir, pois sabia que teria outra oportunidade mais logo para lhe tirar a verdade da boca.
Por isso ela faz o melhor para fingir que acreditou naquela desculpa terrível. Não conseguindo esconder o espírito investigativo e olhar preocupado. Ainda assim tem uma atuação mais convincente.
Sarah: "Ok. Não te esqueças que temos um encontro à noite. Por isso não te demores muito. Que eu também não quero com as recomendações das autoridades."
Responde, fingindo ter acreditado naquela atuação podre. Com um sorriso falso o seu colega responde:
Damian: "Entendido."
Deste modo, ele fecha a porta e deixa-a ali sozinha ao volante. Vira as costas e deixa-se de fingimentos. O sorriso que tinha no rosto rapidamente desaparece e deixa aquele olhar morto entranhar-se em si próprio. 
Apalpa o bolso do casaco para se relembrar sempre do que irá fazer. Apalpa a pistola e lembra-se que tem de ser rápido. Tem de se decidir quanto ao que fazer e que...isto nem é a coisa mais importante que lhe acontecerá. Sabendo disso ele segue em frente. Então, ele vai até ao prédio e entra lá dentro.

Quanto a Sarah, ela não poderia fazer muito. Teria que se manter entretida a fazer especulações e a estranhar o comportamento de Damian. Este que passaria por um grande pesadelo mais cedo. Este seu amigo que passava por coisas mais complicadas do que ela poderia alguma vez teorizar sob este céu que vai ficando mais escuro e parecido à noite. Coisas que ela nem imaginava tinham já contevido àquele homem.

Entrando no edifício depara-se com muitas escadas. Muitos andares. Aquilo era um apartamento? Nunca esteve num. E agora sabe o colosso que deve ser viver naquele local. Um local de tantos andares e portasm Cada uma leva à casa de alguém.
Só agora é que se apercebeu de uma coisa. Ontem esteve com tanto tempo a ver a morada de Danic que se esqueceu de ver em qual daquelas portas ele se situaria. Pensando bem, essa informação sequer estava disponível? Não adianta nada pensar nisso agora. 
Terá de improvisar e arranjar uma forma de encontrar a pessoa em questão. O problema é que existem umas 4 portas por andar. Olhando para cima e para todos aquels degraus averigua que existem uns 10 andares. Fazendo rapidamente as contas isso dá um total de 40 portas.
O que fazer com essa informação? Tem de arranjar uma forma de saber qual daquelas 40 portas é a certa. Ele pode estar mesmo agora no piso de baixo. Neste piso que como os outros tem superfície de pedra rugosa, paredes de cimento laranja tal como o teto e portas de madeira. Ou ele também pode estar no último andar ou nos outros 8 andares que são o conteúdo do meio.
Há muita opção. Tanto de métodos para encontrar o homem como de portas ali. Porra...o que é que fará. Estava ali parado na entrada com a porta de metal fechada atrás de si. Sarah à espera no carro. Esses elementos todos apenas o pressionam a fazer uma escolha e rápido. Quando ainda sentia que ia fazer algo estúpido, quando alguém saiu.
*Tatam*
Senhora: "..."
A fechadura de uma porta à sua direita é destrancada. Lá de dentro a porta é aberta e de lá sai alguém. Uma senhora idosa. Vestido longo e bordado branco. Por cima disso ainda veste um pequeno casaco vermelho de marca.
Falando no aspeto da senhora. Era típico de uma idosa. Não o digo num tom negativo ou algo do género. Apenas o disse para deixar claro que não havia nada de especial no aspeto dele. Pele rugosa e cabelos grisalhos. Tinha óculos que pareciam-lhe cair das orelhas. Era quase uma senhora que se via nos filmes a andar com jma malinha no braço. Que, por sinal, ela tinha uma mala vermelha pendurada no braço. parecendo que poderia cair a qualquer segundo.
Ali o que via não era só uma senhora. Era uma oportunidade para encontrar Danic. A idosa é uma residente do local e deve comhecer bem as pessoas. Se há algo que se lembra dos seus pais é o facto de parecerem conhecer tudo e todos. Parece ser algo que vem com a idade. Eventualmente todos se tornam cuscos. Damian também chegará a esta fase. É aproveitar enquanto esse momento não chega.
De qualquer forma, bastava ir falar com aquela senhora. A idosa que agora fecha a porta à chave como se ainda não tivesse notado na sua própria presença. Talvez com a idade os seus cinco sentidos também venham a piorar. Mas tudo bem. Vai ter que adotar uma ablrdagem mais suave que não vá assustar a velha.
Lentamente ele aproxima-se da senhora à sua direita. Pézinhos de lã. Como um agente secreto na base inimiga. O som dos seus sapatos tornou-se imperceptível. A senhora ainda estava a tentar trancar a porta antes de sair para fazer o que as senhoras de idade normalmente fazem. Não me perguntem o que é ao certo. Posso ser velho, mas não conheço muito destes costumes.
Nestes passos lentos. Progredindo quase um centímetro por segundo. Ele vai chegando cada vez mais perto dela. Cada vez mais perto da senhora. Um. Passo. De. Cada. Vez. Ao seu ritmo lento, porque não quer pregar um susto à senhora. Mas não planeou isto muito bem. 
À medida que se aproximava dela...ela ia ficando mais perto de fazer...mais perto de trancar a porta. Um segundo. Cada segundo. As ações iam ficando mais perto de se coincidirem. Mais perto de entrarem em colisão. E tudo isso. Todo este esforço. Colidiu gloriosamente.
*Tatam*
Finalmente conseguiu trancar a porta depois de muito esforço. Deve estar a ficar velha para demorar tanto. Ainda assim ela deixa estes pensamentos à parte e quando se vira para a esquerda, em direção à entrada...vê...não conhece este tipo...quem é esta pessoa...QUEM É ESTA PESSOA?!
Senhora: "Ah!"
A única reação que teve ao ver Damian foi gritar. Também faria o mesmo se visse alguém a andar lentamente na minha direção. Também a acharia que ele me faria mal e mesmo...
Senhora: "Ajuda!"
...pediria o auxílio de alguém. A velha até arregala os olhos em hiperventala num stresse que se criou subitamente.
Damian: "Calma! Peço que se acalme. Eu não quero fazer-lhe mal. Quero saber onde está o Danic Verty." 
Diz, desesperadamente tentando acalmá-la e fazendo gestos que lhe vieram logo à cabeça. A situação estava a sair de proporções e a última coisa que queria era passar vergonha ali. Já é trade demais, mas pode tentar apaziguá-la enquanto pode.
Aquilo era tudo um mal entendido. A idosa é que não fazia ideia disso. Por isso é que gritou e arregalou os olhos pensando que ele seria algum assassino. O mundo anda maluco. Mal sabia ele que, neste momento, ela é que se tornou maluco. Pelo menos, neste momento.
E ao ouvir aquele nome. Danic Verty. Percebeu que ele não queria nada com ela. No fim foi isso o que acalmou e a fez parar de hiperventilar e de...bem...desesperar. Porém, a sua respiração voltou ao normal. Deixou os olhos voltarem a proporções normais. 
Damian: "Mais calma?"
A senhora acena a cabeça em resposta. Ainda não confia muito naquele estranho, mas quer ouvir o que ele tem para dizer.
Damian: "Boa. Ouça, eu não quero passar vergonhas. Não quero que as pessoas pensem que assustei uma senhora de idade. Quero é saber onde está o Danic Verty. Por isso, preciso só de saber, antes de mais, qual é o seu nome."
Berry: "S-Sou a Berry. Amigos tratam-me por Miss. M-Miss Berry."
Responde logo sem gastar tempo algum para despachar aquela conversa toda e ir ter com as suas amigas rodear-se de pessoas que confia.
Damian: "Ok, Berry. Eu sou o Damian Mindler. Trabalho num jornal chamado 'The Right'. Por acaso conhece?"
Medrosamente ela nega movendo a cabeça da esquerda para a direita. Boa. Esta tentativa foi um tiro pela culatra. Queria aumentar a confiança dela ao buscar algo que ela talvez conhecesse. Só se esqueceu que o "The Right" é um jornal independente e muito amador. Tão amador que nem tem internet. Não faz mal. Vamos tentar outra coisa.
Damian: "Tudo bem. O 'The Right' não é um jornal muito conhecido. Ouça, o que importa é que eu trabalho lá. Sou um escritor. Estou a fazer um artigo e sinto que não tenho informação suficiente para o escrever. Preciso de entrevistar umas pessoas para conseguir escrever algo de jeito. Ao contrário dos meus colegas que não fazem nada eu estou a dar tudo de mim neste caso insignificante. Porém preciso do Danic Verty. Ele tem informação de que preciso. A minha questão é: sabe onde é que ele possa estar?"
Com ainda uma pressão a ser sentida nos seus ombros o cérebro da Miss Berry começa a trabalhar como unca. Puxa o máximo da memória de senhora velhinha. Os pensamentos vão a mil afundando-se profundamente na sua memória por odem daquela pessoa que acabou de conhecer e da qual se quer ver livre.
Usando a capacidade máxima da sua cabeça que parece correr uma maratona ela chega à resposta. Na memória que foi tão danificada com o tempo ela encontra a peça de informação que ele procura. E não gasta tempo em dizer o que ele quer. 
Berry: "No quarto andar. A porta da esquerda."
Damian: "Boa. Muito obrigado pela sua ajuda."
Com a informação em mãos ele deixa a senhora em paz e vai a correr na direção da escadaria na sua esquerda. Deixa ali a senhora. Quase petrificada com a interação rápida que acabou de experienciar. Rápida e confusa. 
Tudo tem andado tão estranho. Este mundo. Estas experiências. Estas pessoas. Parece que tudo enloqueceu de uns tempos para cá. Ela que passou por tudo na vida é ue tem o direito de dizer com toda a segurança que o mundo está de cabeça para o ar.
Quase a coxear e sem acreditar no que acabou de acontecer ela vai até à porta. Nos seus saltos altos que apenas usa para parecer mais elegante. Vai lentamente e quase a cambalear de um lado para o outro naquele piso de baixa qualidade. 
Tonta e sem acreditar no que aconteceu. Já só quer tempo de qualidade para se esquecer de tudo isto com as amigas. Sim. Isso só lhe fará bem. Chegando ao pé da porta ela usa-a como apoio. Recompõe-se e organiza os seus pensamentos depois daquele susto em forma de choque. 
Pronta para a abrir a porta ele olha uma última vez para trás. Os vizinhos abrem as portas para ver se tudo estava bem. Devem ter ouvido a sua voz. A última coisa que quer é perder mais tempo naquela situação. Chega desta parvoíces. Se bem que tem de reconhecer que as coisas não têm estado as mesmas. O que a leva a pensar umas coisas. Algumas das quais que lhe saem da boca:
Berry: "Como se não bastassem as maluquices dos monstros ainda tenho de aturar com pessoas deste género. Poupem-me..."
E abre a porta para sair dali. Chega destas coisas. Tem de desanuviar. Desanuviar com as amigas. Qo menos ela tem a certeza que essas não são malucas. Sim. Uma conversa e um cafézinho. Não parece má ideia.

Por outro lado temos Damian. Ele que vai pela escadaria todo elétrico. Nem repara que os moradores saem para ver de que se tratavam todos aqueles gritos só para ver nada. Nada exceto um homem frenticamente a subir escadas acima o edifício.
Alguns ainda ponderavam perguntar-lhe o que tinha acontecido, mas ele ia muito rápido. Preocupavam-se que ele nem os ouvisse. Acabavam por desistir e ficar apenas a olhar estupefactos para a velocidade com que a pessoa corria as escadas. 
Essa pessoa estava apressada. Não empolgada. Apenas queria tratar disto o mais rápido possível. Tinha um encontro pela frente e um ataque em sua casa para enfrentar. Isto é o que menos importa de tudo. Por isso quer despachar-se.
Um piso. Dois pisos. Três pisos. Fez esse percurso todo em menos de um minuto. Um percurso onde viu em todo o santo piso pessoas de fora dos seus apartamentos para ver a origem da gritaria. Contudo, este feito não é para qualquer um. Com a idade que tem fazer todo este caminho a pé pode ferir alguém.
Este feito vem a um preço. Pode não ser necessariamente velho, mas as suas pernas estão nas últimas. Já não é propriamente jovem. Encontra-se naquela idade em que as dores da velhice começam a surgir. Aqueles sinais prematuros. 
Tudo bem. Tudo bem. Damian aguenta. Mais um piso e chega ao seu destino. Mais um piso a ser olhado estranhamente pelos moradores e está na porta. Ele vai subindo as escadas com uma nova motivação. Degrau a degrau. Com cada passo. Vai chegando mais perto.
Sobe todos aqueles degraus em poucos segundos. Chegou. É o quarto andar. Algumas pessoas estão com as cabeças de fora das habitações curiosos para ver o que se passava. Damian ignora-os a todos e segue as indicações que tinha recebido da agradável Miss Berry. 
"No quarto andar. A porta da esquerda."
Olha para a sua esquerda e está lá uma porta. Idêntica a todas. É esta. Damian aproxima-se dela com um passo apressado e para diante daquela porta de madeira quase podre. Uma porta normal que para ele é tudo. A porta que guarda Danic Verty. 
Recompõem-se um pouco. Recupera o fólego e ajeita o fato e gravata. Dá um jeitinho no colarinho. Penteia um pouco o cabelo e está pronto. Ele prepara a garganta. Respira fundo e...bate à porta.
*Tam* *Tam* *Tam*
...
...
...
Nada.
...
...
...
Vendo que aquele senhor apenas veio bater à porta de alguém os moradores recuam. Neste ponto voltam todos para dentro dos seus casulos, deixando o escritor sozinho.
...
...
...
Ainda nada.
...
...
...
Damian é paciente, mas neste ponto começa a estranhar. 
*Tam* *Tam* *Tam*
Dá-lhe outra oportunidade.
...
...
...
Este tipo deve ser mesmo lento. O escritor endireita as costas e une as mãos ao nível da barriga em espera para passar um ar mais profissional de si mesmo.
...
...
...
Ok. Este gajo só pode estar a brincar.
Com mais força do que nunca ele bate à porta.
*TAM* *TAM* *TAM*        
Damian: "Abra a porta, por favor!" 
Quase que obriga num tom agressivo. O pior é que curiosamente funciona. Mal ele acaba de bater à porta, esta é aberta por alguém de dentro. A insistência sempre pagou.
Danic Verty sempre veio ter com ele. Só não esperava que ele tivesse esta...aparência diferenciada digamos.
Danic: "O que é que quer?"
Numa voz pouco entusiástica Danic aparece. Tem o cabelo numa confusão. Repleto de fios espetados no ar. Será que ele toma banho? O pior nem é o cabelo, é a cara em si. De aspeto oleoso, pálido e com umas belas olheiras. Umas mais saluentadas do que as de Iza. Ele é caoaz de se atormentar mais com os seus pensamentos do que o próprio Ingram. 
Aquele tipo...para ser simpático vamos apenas dizer que ele tem mau aspeto. E olhem qur nem falei do cheiro que ele emana. Para ser simpático...vamos dizer que o cheiro é demasiado forte. Típico de certos fluídos corporais. Acho que não me consigo conter. Ele cheira MUITO MAL. É uma mistura de súor com outros cheiros fortes que não consegue distinguir.
Lá no fundo quer é desistir desta entrevista. Agora que o vê e cheira aquilo...nem quer imaginar entrar lá dentro do apartamento dele. Ok. Ok. Ok. Reorganize bem as prioridades. Ele tem de se relembrar do que veio ali fazer e resistir a fazer um cara feia. O cheiro não ajuda e o aspeto do homem também não. Mas tudo bem. Basta aguentar a amrgura na saliva da sua boca. Aquele nojo que está a guardar e fazer uma entrevista. Não ficará lá. É só uma hora.
Por isso ele determina-se a seguir em frente. Coloca a mão no bolso e tira o cartão de identificação. Objeto dado por Daniel que guarda para momentos como estes.
Damian: "O meu nome é Damian Mindler. Sou escritor do 'The Right'. Como pode ver aqui no meu cartão de identificação vim em nome do jornal entrevistá-lo para fazer um artigo."
Responde, orgulhosamente erguendo aquele cartão na frente do homem de mau aspeto. Isto tudo sempre fazendo um esforço para aguentar a tortura que é estar ao lado daquele homem.
Danic: "Para ser sincero...'The Right'...esse nome não me diz nada."
Fala numa voz desinteressada e sem vida.
Damian: "É um jornal um pouco desconhecido, mas que anda lentamente a subir em popularidade. Juro que não vou desperdiçar muito do seu tempo. Vim só para fazer algumas perguntas rápidas para depois ir embora. Por isso pergunto-lhe se por acaso importa-se que eu roube uns minutinhos do seu tempo."
Danic: "..."
Quanto à sua decisão, foi rápida. Não é como se ele tivesse muita coisa para fazer. Anda o dia inteiro sozinho dentro do seu apartamento. Estar lá alguém senão ele tornou-se uma raridade. Só está preocupado com uma coisa.
Ele olha para trás durante um segundo. Até ele próprio fica com nojo só de olhar para o estado do seu apartamento. Tanto nojo que faz uma brla careta que parece gritar "Yec!". Mesmo assim é tarde para arrumar aquilo tudo. Voltando a encarar Damian ele espera que esta visita não vá reclamar do que irá ver.
Danic: "Sim. Tudo bem. Pode entrar."
Damian até receia o que vai ver. Reparou naquele pequeno gesto do Danic e isso não lhe dá boas expectativas. Tem uma má ideia do que aí virá. Ainda assim vê-se entre a espada e a parede. É obrigado pelo seu trabalho e bom senso a entrar. Especialmente porque agora Danic abriu-lhe a porta para entrar.
Deixá-lo a esperar apenas criará desconfiança. Para começar com o pé direito ele entra no apartamento dele com um leve medo do que possa encontrar. O medo que tinha...mal entra por completo naquele lugar...apercebe-se de que era pior do que imaginava. A pior parte: era tarde demais para voltar atrás. Nas suas costas Danic fecha a porta. Torna aquele lugar só dos dois. Lugar esse que dizer que é pouco higiénico é elogiá-lo.
Danic: "Este é o meu apartamento. Sinta-se à vontade."
"Este é o meu apartamento". Sim, dá para ver. O aspeto do apartamento coincide bem com o aspeto do seu morador. Aquilo daria um ataque cardíaco a qualquer um. Ver um apartamento naquele estado...meu Deus...faz qualquer um perguntar-se o que é que o homem fez para chegar a este ponto tão baixo.
Tudo parecia estar intacto. Só estavam...modificadas. Vamos começar pelo cheiro. Imaginem o cheiro insuportável de Danic, mas propagado por um espaço todo. Fogo, está é com vontade de tapar o nariz. Não o faz porque seria mal educado, caso contrário não só o estaria a tapar como estaria a sair dali.
Havia mais de errado ali do que o cheiro. O próprio aspeto de todo o espaço já era um erro e a origem do cheiro todo. Em frente estava uma poltrona cheia de roupa interior e outras porcarias. Poltrona essa virada para uma televisão que está pendurada na parede e parece uma bênção só o facto dela funcionar. 
Para além da poltrona e televisão, falemos do que estava atrás dessas duas coisas. Um bancada com uma estante bem em cima e uma outra bancada com fogão e micro-ondas bem atrás dessa estante mesmo junto à parede. Damian também tem isso em casa...com a diferença que na sua casa está tudo arrumado. No apartamento de Danic a bancada da cozinha está cheia de caldos de massa instantânea e sopas improvisadas, isto é, completamente suja. Na estante de cima todas as gavetas estão abertas e com os instrumentos ou em cima da bancada ou em cima do fogão.
E já falei no quão escuro estava o lugar? Aquilo estava pura penumbra. Se não soubesse que estava no fim da tarde acharia que estava de noite. O homem nem levanta as cortinas das janelas que estão comsideravelmente afastadas na parede onde se encontra a televisão. Com a palidez do homem ele bem precisava de um pouco de sol.
Damian: "..."
Perante todo aquele cenário pós-apocalíptico ele apenas consegue ficar lá perto da entrada. Imóvel e a usar toda a força que tem no seu corpo para não fazer uma cara feia que possa indicar desgosto do lugar onde se encontra.
Danic: "Antes de mais, desculpe-me pelo aspeto do lugar."
Diz, apoiando o ombro na poltrona que tem algumas peças de roupa sobre ela.
Pois...e ele bem precisa de agradecer. Acima de tudo, o Daniel precisa de o recompensar bem por este caso, já que nunca teve tanto trabalho para escrever um artigo e nunca, NUNCA passou por este tipo de lugares nojentos.
Danic: "De qualquer forma, senhor..."
Damian: "Damian."
Danic: "Exato! Onde está a pensar fazer-me esta entrevista? Quer levar a comversa no meu quarto ou-"
Damian: "Não, aqui está bom."
Responde de imediato para evitar ser levado para um espaço pior do que este. Está a reclamar muito, mas nem sabe. O seu quarto pode ser pior. E agora que ele fala nisso repara que, ao fundo, ele tem duas portas. Uma delas leva ao quarto e a outra a outra divisão que nem quer imaginar o estado em que se encontra.
Danic: "Ok. Se não se importa eu vou sentar-me aqui na poltrona. Infelizmente não tenho mais nenhum assento, por isso se não se importa acho que terá de fazer a entrevista em pé."
Damian: "Não. Parece-me bem."
Isto que disse não passava da mais pura mentira. Algo que disse para aumentar a confiança dele. Na realidade, achava-o um péssimo anfitrião. Um bom anfitrião teria concedido a poltrona ao convidade. Se bem que com o estado em que este assento se encontra talvez tenha sido bem ele ter ficado na poltrona. O escritor até se sente mais aliviado.
Mas é a isto que chegou? Num lugar malcheiroso prestes a entrevistar o único sobrevivente de um incidente militar. Ok. O homem já se sentou na poltrona. É sinal de que está pronto para a entrevista. Só falta Damian se posicionar para tal. Basta ir até ao pé da poltrona. Um pouco mais perto para o olhar na cara. Vá lá. Isso é costume de entrevistas. 
Terá que andar por aquele pântano para alcançar o homem a entrevistar: Danic Verty. Está a sofrer com isto mais fisicamente do que a um nível psicológico. De uma maneira que nem sabe se é positiva ou negativa este ambiente infernal conseguiu fazê-lo esquecer das más partes. Conseguiu fazê-lo esquecer do mau bocado que passou ao relembrar-se de memórias com a sua mulher. Mau bocado esse que mudou a sua disposição por completo.
Sim. Poderia estar em lugares piores a fazer coisas piores. O pior ainda está por vir e será hoje à noite. Se não conseguir passar por isto também não sobreviverá a hoje à noite. Por isso para de reclamar. Ele diz a si próprio que precisa de superar este lugar e de continuar a pôr um sorriso falso e a agir de forma simpática. Terá de completar esta entrevista agora que a investigação chegou tão longe.
Pé ante pé ele vai progredindo no terreno. Tendo especial cuidado para não encalhar com algo nojento no chão. Felizmente nada parece ter acontecido. A poltrona também não era muito longe. Estava tudo bem. O chão estava surpreendentmente limpo. Só com algumas manchas líquidas cuja origem não quer saber. E...um caderno.
Um pequeno caderno. Estilo bloco de notas. Não parece sujo ou sequer com manchas de nada. Chega a parecer estranho ver algo intacto no meio de tanta coisa suja, que é imagem de marca do apartamento de Danic. No meio disso estava aquele caderno. Prova intacta de tempos quando tudo era mais limpo. De quando tudo era...diferente.
Chega de contemplar algo tão insignificante. Prosseguindo mais um pouco ele dá a volta à poltrona onde Danic se senta e põe-se entre ele e a televisão desligada que passa a localizar-se nas suas costas. Agora está em condições de começar a entrevista. Pode dar por oficializado o início da entrevista que o ajudará a resolver o caso: a entrevista a Danic Verty.
Danic: "Podemos começar, senhor escritor. Quando quiser."
Damian: "Certo. Antes de mais precisa de saber o contexto do porquê de eu ter vindo aqui."
Danic: "Pois é. Já me esquecia. Diga-me lá então."
Fala-lhe como se ele se tivesse esquecido da parte mais importante. Ele deveria querer ver-se livre daquela visita tão rápido que nem lhe veio à cabeça que deveria era saber a que propósito ele veio falar com ele.
Astuto como é, Damian apercebe-se disso. Caso as coisas não tenham ficado claras, aí o entrevistado entregou-se por completo e deu a entender que tem vivido sozinho durante estes últimos tempos e assim deseja ficar por muito mais tempo. Deve ter uma boa razão para isso. É só cumprir o seu trabalho como entrevistador e saberá.
Damian: "Irei resumir tudo muito bem. Basicamente estou encarregue de pesquisar sobre um acontevimento que é relativamente recente. Algo que aconteceu há levemente uma semana e não tenho visto ninguém a falar."
Subitamente os seus olhos arregalam-se. Danic até se encosta mais na poltrona à procura de conforto. Por alguma razão ele reagiu de uma forma esquisita às palavras de Damian. Como se ele estivesse a prever qual era o assunto da entrevista. Ele teve logo visões daquele dia. Os alarmes tocaram na dua cabeça e trouxeram-lhe...medo.
Damian esqueceu-se do cheiro naquele momento. Todas as coisas que o enojavam foram esquecidas. Abstraiu-se de tudo o que incomodava para se focar naquela conversa. Se houve coisa que percebeu com a reação de Danic à insinuação daquele acontecimento é que ele ficou bastante marcado. Talvez até mais que o capitão Tren. Para garantir o sucesso da entrevista teria de ter cautela nas suas próximas palavras. Neste ponto cada palavra fazia a diferença.
Só precisa de saber de uma última coisa. Danic pode ficar mal ao trazer este assunto à tona. Não lhe quer dar um ataque cardíaco nem nada. Necessita de se assegurar que nada lhe vai acontecer de mal se prosseguir. Se ele já está mal ao aludir àquele dia é porque as coisas só vão piorar daqui para a frente. De novo, apenas precisa de saber que ele vai estar bem para poder continuar. 
Damian: "Está tudo bem? Se quiser eu posso parar."
Danic: "N-Não. Eu...aguento-me. É só que nem eu me consigo habituar ao mau cheiro daqui."
Responde um pouco ofegante como se tivesse acabado de correr. Ofegante...recentemente Damian também já se sentiu assim. Foi quando estava à entrada de casa depois de ter apontado a arma para Iza. Prefere não se recordar muito de ontem.
Curioso, mas graças a isto conseguiu perceber que ele e Danic passaram por coisas semlhantes. Não que Damian alguma vez se pudesse tornar um piloto de helicópteros como Danic ou um soldado útil no exército. Os dois simplesmente passaram por algo que os marcou a tal ponto que nem se querem relembrar do que aconteceu. Damian foi marcado pela morte da sua mulher e pleos eventos de ontem. Danic pela morte dos seus amigos, mas...parece haver algo a mais.
Mesmo com confirmação do entrevistado o escritor fica um pouco receoso. O homem pareceu desviar-se um pouco do assunto, pondo-se a falar do cheiro do local. Embora seja bom saber que ele está ciente que o seu apartamento é insuportável, claramente ele não estava confortável a falar do assunto. Quase que ele estava a ter um ataque de pânico e Damian sabe o quanto isso é terrível, por isso insiste.
Damian: "Sabe que não precisa de fazer sacrifícios. Esta é a sua casa. Eu sou um mero visitante. Você é que é dono do seu corpo e da sua vontade. Recuso-me a fazer algo que o deixe desconfortável-"
Danic: "Já disse que eu estou bem."
Ele não lhe deixa escolha. Quer mesmo seguir em frente com isto. Não pode dizer que não tentou. Se algo de mal acontecer não será culpa dele. Pois não foi por falta de insistência. É obrigado a continuar a entrevista, por muito que esta vá magoar outro. Afinal, Danic é a pessoa a ser entrevistada e se ele insiste tanto é porque quer mesmo aquilo. Muito bem. Suspirando profundamente ele é obrigado a aceitar a realidade. Foi ele que pediu...
Damian: "Ok. Então vou seguir em frente..."
Danic expira e prepara-se para o que aí vem. Porque é que ele está a fazer isto? Quer mostrar-se como alguém forte? O que é que ganhará com isto tudo para além de um ataque de pânico? Ele não está pronto e ainda assim segue adiante.
Seguir adiante. Damian tem que deixar de oensar demasiado nas coisas. Tudo bem em preocupar-se. Ele não pode é deixar os sentimentos impedirem-no de seguir em frente. Esquece isto tudo e foca-se nas perguntas. Tem tudo pronto e não pode desistir agora. Damian irá tratar deste artigo.
Damian: "O meu chefe entregou-me este caso, julgando-me a pessoa ideal para o abordar. Não vou entrar muito em detalhes sobre o ambiente de trabalho, mas pode ficar a saber que está a falar com alguém que é perfeito para tratar deste tipo de assuntos. Pelo menos segundo o meu chefe."
Danic: "Estou a ver..."
Damian: "Agora que sabe tudo chegou a hora de irmos diretos ao assunto."
A pressão no ambiente aumenta. Danic sabe o que aí vem. Como é que se poderia esquecer de algo tão traumático? Foi nesse dia que teve um vislumbre de algo que não era suposto ter visto. Até parece que ter visto a morte daqueles três não tinha bastado...
Damian consegue perceber que houve mais do que a morte de pessoas ali. Houve interferência de algo fora do controle de ambos. Restava saber o que era ao certo. Com Danic a assentar bem as mãos nos apoios da poltrona ele percebe que este está a preparar-se para o que aí vem. Quem é que ele quer enganar...não está pronto para voltar a encarar aquele dia e ainda assim mergulha de cabeça. Aquele gajo é maluco. 
Neste ponto tudo será culpa dele. O escritor não quer ser reponsabilizado por qualquer danos que a imprudência daquele ex-piloto possa causar. Ele sabe o que aí vem e deve também estar ciente dos custos. Ele será o culpado da sua dor. Com as perguntas na ponta da língua ele deixa de hesitar. Abre a boca e dá-lhe o contexto que ele já deve esperar com clara ansiedade nos olhos e um nó na garganta:
Damian: "Há quase uma semana houve algo no deserto do México. Segundo o que o meu chefe me deixou na pen, o exército não deixou qualquer razão para a expedição. Depois o que se sabe é que dois dos trê soldados morreram enquanto o outro está desaparecido. Caso bastante peculiar este..."
Danic: "A quem o diz. Nunca fui numa missão tão estranha. Eles apenas me tinham convocado na manhã daquele dia. Pode-se dizer que foi algo à última da hora."
Damian: "Eu falei com o capitão Tren. Foi a partir dele que fiquei a saber sobre si."
Danic: "Hum. A sério? Com que então falaste com o velhote...o que é que ele me disse sobre mim?"
Pergunta, rapidamente ganhando curiosidade acrescentada na conversa e aumentando a sua confiança no escritor ao saber que ele parece ter fontes fiáveis. Damian vê ali um bom ponto de partida para o tornar um pouco mais confortável antes da tempestade e decide também entrar na brincadeira.
Damian: "Sendo sincero ele não me disse muito sobre ti. Apenas que até há pouco tempo eras um excelente piloto de helicópteros. De resto ele parecia bem. Mesmo os seus alunos tendo morrido ele parecia bem. Como se já tivesse superado a morte de todos. Ele próprio me disse que ainda sofre internamente com a morte deles, mas já está habituado a esse sofrimento. Afinal, eles não são os primeiros alunos seus a morrer, infelizmente."
O ex-piloto leva a mão à boca quase incrédulo. Mão essa que está...a tremer. O homem já está cheio de medo e nem chegaram ao que aconteceu naquele deserto. Desta vez ele parece é não acreditar no que ouviu. Não consegue entender como é que alguém conseguiu superar um evento tão traumático tão rápido.
Damian não entendeu porque é que ele parecia incrédulo. Apenas sabe que ele não está bem. Se tem a mão a tremer é porque algo se passa. Insistindo na sua preocupação no bem-estar daquela pessoa ele pergunta-lhe mais uma vez:
Damian: "Tem mesmo a certeza que está tudo bem? Sabe que eu posso sempre parar quando quiser."
Mesmo assim o outro é teimoso. Claramente não está bem e quer continuar. Ele tira a mão sa boca e volta a pousa-la em cima do apoio, num movimento trémulo e lento. Queria dar a entender que aquilo foi uma reação súbita e nada de importante. Esta estratégia de denegrir o que aconteceu poderia funcionar com muitos, mas não funcionava com Damian.
Danic: "Já disse para não se preocupar. Estava com a cabeça noutro lado. Pode continuar."
Diz, fingindo que estava tudo bem. Mas o escritor não parecia cair nessa.
Damian: "Desculpe, mas os seus gestos não batem com o que sai da sua boca."
Parece que a sua insistência não o consegue levar muito mais além. Ainda assim ele continua com a sua teimosia e comete o erro de usar as mesmas mentiras.
Danic: "A sério. Está tudo bem."
Damian: "Não me parece."
Danic: "Ok. Admito. Tomei um comprimido de manhã. Agora podemos prosseguir?"
Damian: "É impossível um comprimido levar alguém a tremer. A não ser que seja um dos mais fortes e caros no mercado. Perdoe-me por estar a intrometer-me na sua vida, mas não parece ter o dinheiro para estar na posse de um desses medicamentos."
Danic: "Uau! Não esperava isso vindo de um escritor de jornal. Caramba. Não sabia que esse 'The Right' era tão amador."
Damian: "Tenha calma. Eu não estou aqui para o insultar. Vim entrevistá-lo e não pude deixar de notar que não me tem parecido estar muito bem após ter começado a comentar sobre o incidente no deserto."
Danic: "E eu já disse vezes e vezes sem conta que estou bem e que pode prosseguir. Qual é problema?!"
Damian: "O problema é que não está. Isso ficou bem claro logo pela forma como reage às coisas que lhe estou a contar. Talvez devesse ser honesto e admitir que não se encontra em condições de falar sobre este assunto tão cedo."
Danic: "Meu, eu estou bem. Agora, queres continuar com isto ou não?"
Damian: "Só continuarei se vir que a pessoa está em condições de uma entrevista."
Danic: "E eu não te pareço bem?"
Damian: "Depende. Se acha que estar a tremer é estar bem."
Danic: "Grande lata a tua. O que é que tu tens a ver comigo? Pior, quem és tu para me dizer o que devo fazer?"
Damian: "Ah! Com que então queres jogar assim. Podias ter dito mais cedo."
Danic: "Algum problema com isso? Isto é a minha propriedade. Falo como eu quiser e o você também devia seguir as minhas regras."
Damian: "Ouça, não sei se estou a ser claro o suficiente, mas eu não continuarei uma entrevista se vir que a outra pessoa está desconfortável ou mal como tu. É notável que este evento marcou-te. Por isso não te culpo se quiseres parar agora. Até acho mais heróico do que o que quer que estás a fazer." 
Danic: "Ora seu...que chato! Já disse que estou bem. Posso não estar a mostrar, contudo estou perfeitamente calmo cá dentro da minha cabeça. Tu é que podes não conseguir perceber isso, sendo o burrinho que és. Logo, como é que eu provo a um mentecapto como tu que estou bem, hã? O que é que eu preciso de te mostrar para acreditares em mim? VÁ LÁ! Diz-me, ó senhor preocupadinho."
Damian: "O que é que eu preciso? O QUE É QUE EU PRECISO?! Preciso que pare de me mentir. Acima de tudo, preciso que pare de mentir a si próprio. Compreendo que este acontecimento o tenha marcado e que queira saber as últimas novidades dele, nem que seja para se completar, mas, se não está pronto para voltar a encarar o passado, NÃO O ENCARE! Entendido? A última coisa que quero ver é alguém a ter um ataque cardíaco ou algo do género. Você não está bem e eu consigo ver isso nos seus olhos-"
Danic: "EU JÁ DISSE QUE ESTOU BEM!!! EU ESTOU BEM!!! EU ESTOU BEM! BEM! OUVISTE? BEEEMM!!! LARGA AS REGRAS E ACREDITA EM MIM!!!!!!!"
...
Damian: "..." 
...
Danic: *Hunf* *Hunf*
...
Damian: "..."
...
Danic: *Hunf* *Hunf*
...
Silêncio.
...
A única coisa que se pode ouvir é Danic ofegante.
...
Danic: *Hunf* *Hunf*
...
De resto nem Damian pia.
...
Damian: "..."
...
Após esta ida e volta de palavras sem dar tempo para respirar...
...
...tudo chega ao fim com os gritos e suplicos do ex-piloto.
...
 Cada palavra saiu sem pensar.
...
Damian: "..."
...
Não havia tempo para pensar.
...
Foi tudo da boca para fora. Acabaram por sair os seus verdadeiros sentimentos. Soltou certas frases e inseguranças suas que mantinha para si próprio. E cada sentimento, cada insegurança e medo que volta hoje com o aniversário da morte de Maria foram projetados em Danic.
...
Danic: *Hunf* *Hunf*
...
Damian: "..."
...
Danic: *Hunf*
...
Damian: "..."
...
Danic: "..."
...
Finalmente o clima fica todo em silêncio. 
...
...
Não se ouve nada nem ninguém.
...
...
...
Apenas temos dois homens...
...
...
...
...
Damian de boca fechada a olhar para Danic com os olhos quase fechados e pena no coração.
...
...
...
...
...
Danic que recuperou do esforço na garganta, inclina-se totalmente para a frente e leva a mão à cara.
...
...
...
...
...
...
Tudo fica assim...suspenso no meio do nada. Com Danic a refletir no que fazer agora...
...
...
...
...
...
...
...
...agora que foi longe demais.
...
...
...
...
...
...
...
Pensa por um bocado com mão a tapar-lhe a cara de tanta vergonha que tem. Tenta recompôr-se a voltar a si mesmo.
...
...
...
Lentamente volta a si.
...
Contém as lágrimas que sente a vir, por um certo tempo.
...
...
...
Até sentir-se estável o suficiente para falar...
...
Danic: "Desculpa."
...
Damian: "..."
...
A sua voz é levemente abafada pela mão contra a sua boca, mas ainda assim dá para perceber o que ele diz.
...
Ele tira a mão da cara. Ainda inclinado para a frente olha nos olhos do escritor a olhá-lo de cima.
...
Danic: "Eu...exaltei-me."
...
Damian: "..."
...
Danic: "Admito que fui...demasiado duro contigo."
...
Damian: "..."
...
Danic: "Eu só queria ter mais uma peça do que aconteceu naquele dia."
...
Damian: "..."
...
Danic: "..."
...
O dono do apartamento leva a mão à boca. Com isto tudo foi relembrado do que aconteceu naquele dia. As memórias que tanto queria esquecer foram desenterradas com toda esta discussão. Esse sentimento...Damian quase que o consegue ler da cara de Danic. Como se estivesse a herdar essas capacidades do seu chefe.
Hoje ele sente dor mais do que nunca. Hoje marca um ano desde que a sua mulher morreu à porta de sua casa. Hoje é o dia de relembrar a sua morte. Hoje é o dia em que todos sofrem. Hoje marca o dia em que terá de fazer uma decisão. Hoje marca o dia mais importante e complicado da sua vida. Hoje é o dia em que tem a sua mente inundada por pensamentos negativos. Hoje esses pensamentos negativos intrometem-se na sua vida. Hoje eles impedem-no de ser feliz, não importa o quanto ele ou outros tentem. Hoje é o dia para relembrar. Hoje é o dia para sofrer. Hoje é o dia em que pode entender os outros mais do que nunca. Hoje é o dia onde sente que é mais necessário partilhar a sua dor. Hoje marca o dia em que ele entende outros que sofrem com o passado. Hoje mais do que nunca entende a dor que é relembrar aqueles que foram deixados para trás. Hoje mais do que nunca entende Danic Verty.
...
Damian: "Não faz mal. E-Eu entendo essa dor."
Neste momento lágrimas começam a escorrer do rosto de Danic. Lágrimas que já estavam para vir há algum tempo. Lágrimas que só com estas palavras decidiram vir. Palavras que vêm de alguém que desconhece e que misteriosamente entende a dor que é perder alguém.
Mal o conheceu. Até teve um desentendimento com ele. Porém agora percebe. Agora que as memórias se tornam mais fortes, levando-o a lágrimas. Percebe que eles têm mais em comum do que aparenta. Mesmo quando se desentenderam, tudo surgiu da preocupação de Damian que já tinha passado por algo semelhante e sabia o quão difícil poderia ser para alguém lembrar-se de memórias que quer esquecer. Ele apenas estava a tentar protegê-lo.
Estaria a mentir se disesse que isso também não o levou a lágrimas. Diria que as memórias foram o que as trouxeram, mas o que Damian disse foi o catalisador. Foi a fala do escritor do jornal que desencadeou uma corrente de pensamentos que levou à queda delas. O que ele falou lembrou-o de como era quando os seus amigos ainda estavam vivos. Lembrou-se de como era bom ter pessoas com quem poderia partilhar experiências boas e...até as más.
Damian: "Sabes, foi há precisamente um ano que perdi alguém."
O escritor continua, enquanto as lágrimas não param de escorrer do rosto de Danic para a sua mão e daí para o chão.
Damian: "Hoje marca o primeiro aniversário da morte dela. Passou-se tanto tempo e...tão pouco mudou desde aquele dia. Falo por mim e pelo meu filho quando digo que nenhum de nós parece ter seguido em frente totalmente. O meu filho já nem tenta. Vive assombrado por aquele momento e graças a eventos recentes, penso que isso não vá mudar tão rapidamente. Mas quanto a mim...não posso dizer que estou muito melhor. Cada dia esforço-me e às vezes finjo que está tudo bem enquanto que na verdade tenho aquele momento na minha cabeça a repetir vezes e vezes sem conta. Acho que de tanto ver e experienciar aquele momento, ele acabou por se tornar parte de mim. Tal como o que aconteceu com os teus companheiros se tornou parte de ti. E acredita quanto te digo que eu me esforço. Dou sempre o meu melhor para me focar no presente. Penso sempre no trabalho e no meu filho quando as memórias me vêm à tona e parece resultar. Se há coisa que aprendi com toda este ano horrendo foi isso. As conexões humanas, as pessoas que se importam connosco são a salvação, são o que nos resta no presente e o que nos pode salvar de nos tornarmos um escravo do passado. Eu, por exemplo, não me considero um desses escravos. É claro que ainda estou longe de ser independente dele, porém não estou como o meu filho que a cada segundo parece recordar-se...daquele dia. Do sangue dela a escorrer para os nossos sapatos. Da sua cabeça perfurada com um buraco do imaginávamos ser uma bala e...o pior de tudo é que tive de esconder os detalhes do meu filho para ele não ficar mais assustado do que ele já estava. Prefiro não contar os detalhes. Fica apenas a saber que o que aconteceu não foi uma surpresa total para mim. Talvez ela também soubesse...e ainda assim...escolheu encarar os riscos sabendo que nós ficaríamos seguros. Sabendo que isso era o que mais importava para ela. Sabendo que a sua missão tinha sido cumprida...sabendo que nós os dois estaríamos...seguros..."
Ele nem se apercebe. Com estas suas divagações em tom monocórdico nem reparou que já tinha algumas lágrimas no canto do olho. Bastava piscar e elas cairiam. Tal como com Danic. A diferença é que...Damian não piscou.
Apercebeu-se das lágrimas no canto do olho e apressou-se para as limpar com a manga do seu casaco. Já previa que isto fosse acontecer. Só estava à espera que elas chegassem. E quando chegaram, logo as erradicou. 
Está mais acostumado do que o próprio Danic a chorar. Sabe quando elas vêm. Quando elas desparecem. Mesmo quando elas surgem. Tudo isto surgiu como experiência de sofrer tanto. E isso que ele sente...Danic compreende.
Damian: "..."
Danic: "A diferença é que eu não consigo superar o que aconteceu, porque...por muito que me custe admitir...não tenho ninguém para me trazer de volta ao presente."
Damian: "..."
Ele tira a mão da boca. Pousa-a em cima do seu joelho que não para de tremer. Calcando no chão de cima para baixo. Cima para baixo sem parar. Os nervosismos começam a apanhá-lo bem. Se quer continuar precisa de se acalmar um pouco.
Damian fez a sua parte. Partilhou a sua experiência. Sentia que tinha de retribuir o favor. Por isso Danic respira fundo e...expira. A sua perna continua a tremer, embora a uma velocidade menor. Mentalmente está mais estável. Estável e capaz de dizer o que tanto quer.
Danic: "Nós fomos enviados para o deserto. Radares tinham registado sinais esquisitos naquela zona. Como se fosse uma espécie de radiação esquisita. Pelo que entendi as centrais dos Estados Unidos da América todas conseguiram registar esses sinais com drones e prgramas já instalados nas bases. Não sei muito dos detalhes como podes entender."
Damian: "Não tem mal. Essa até é a parte mais irrelevante."
Danic: "Tens razão."
Ainda nem tinha chegado à parte que lhe dava pesadelos à noite. Estava longe e as lágrimas tão perto. O problema é que ele nunca conseguiu perceber como elas vinham e quando. Chora muitas vezes todos os dias. Mas ainda é novo a este tipo de senimentos. Não teve um ano como Damian para se acostumar.  
Custa admitir, mas...esta é a primeira vez que fala sobre isto a alguém. Damian foi a única pessoa que veio ter consigo. Por isso é que ele agora é a única pessoa a quem conta isto tudo. E ele está determinado para o fazer. Já não se importa com nada. Nem com as lágrimas. Nem com os seus sentimentos. Deixa-se disso tudo e foca-se na história. No passado que o levou até este preciso momento.
Danic: "Eu fui avisado sobre os radares por volta de umas 6 da manhã. Acordei com o som do meu telemóvel que ainda deve estar algures na casa. Acordei precisamente com a chamada do capitão Tren. Estava na cama deste apartamento. Ninguém mais acordou com a chamada. Vivia sozinho tal como agora, se bem que este lugar estava bastante arrumado. Nem se compara ao estado em que se encontra de momento. Quanto a mim...demorei um pouco para a abrir os olhos, mas quando vi que era o Tren imediatamente atendi a chamada. Todo formal atendi a chamada. Tinha e ainda tenho um grande respeito por aquele homem que me treinou nos meus anos de cadete. Levei o flip phone ao ouvido e ele contou-me tudo o que já te contei. Como tinham aqueles sinais esquistos entre outras coisas. Estava confuso, mas sabia onde ele queria chegar. Conversa foi. Conversa veio e a minha aposta provou-se correta. Ele queria que eu viésse até à base para escoltar os três soldados que iriam averiguar o que se passava para a zona do incidente: no estado de Nevada."
Damian: "Nevada?! Vocês tiveram que ir tão longe para ir tratar do assunto?"
Pergunta observando atentamente Damic na cadeira com lágrimas a escorrer pelo rosto a fora. 
Danic: "Ele deu-me uma explicação toda na chamada. No Nevada estava tudo ocupado com outras missões ou a fazer outras coisas fora. Mandaram sinais para as bases dos estados mais próximos. Todas chegaram a um acordo e destacaram a nossa instalação para tratar do assunto. E o Tren foi tão rápido como eles a escolher as pessoas certas para o trabalho. Eu fui uma delas. E aceitei ali no lugar. Sabia que ele estava a falar a sério. Pode-se dizer que quando o Tren te destaca pessoalmente para algo é porque confia em ti. Isso é como receber um Óscar para um soldado. Não podia recusar. Também não tinha nada a perder. Entrei no exército sabendo disso. Não tenho irmãos. Os meus pais deixaram-me num orfanato. Não tenho família. Se morresse não iria deixar ninguém triste. É depressivo, mas...essa é a realidade..."
Damian: "..."
Danic: "E lá fui eu. Vesti-me todo às pressas. Nem consegui tomar banho com aquela correria. Pensando bem, foi nesse dia que ganhei muitos dos meus costumes. Eventualmente saí do apartamento numa grande corrida. Entrei num taxi e fui em direção à base. Cheguei à zona dos helicópteros na base. Peguei no meu e fui pousá-lo na zona onde tinha a certeza que eles estariam. E estavam lá. Os três soldados e o capitão. Billy. Lucas. Giovanni. E, é claro, o capitão Tren. Os quatro estavam lá reunidos por uma última vez. Fazia a mínima na ideia que aquele momento...aqueles curtos minutos quando oousei o helicóptero e estive a preparar-me para a partida...seria o último momento em que os veria...seria...o último momento em que...eu seria feliz..."
Damian: "..."
Esse é o problema da vida. Nunca sabemos quando algo irá subitamente acabar. Muito menos como as coisas irão acabar. Temos sempre de aproveitar cada momento ao máximo. Só que...as coisas não são assim tão fáceis. 
Cada pessoa tem uma certa disposição em cada dia. Por isso mesmo que alguém adote um tipo de filosofia que tente aproveitar cada dia ao máximo...haverão sempre alguns dias em que a disposição em que acordou, não o permitirá. O grande problema é esse.
Desta vez foi diferente. Pois ele deixou uma última impressão boa. A forma como falou deu a entender isso. E ainda assim...aproveitar todos os dias para passar o melhor tempo de qualidade possível com quem se ama...não impede que venha a dor quando essas pessoas inevitavelmente partem. Acreditem nesta conclusão. É a verdade que os dois aprenderam da pior forma.
...
Damian: "..."
Danic: "Já era grande amigo deles antes. Aquele momento apenas veio para reforçar o que já sentia. Veio como forma de me garantir que aquelas pessoas eram amigos de verdade. Indivíduos que não me deixavam estar sozinho. A minha única companhia neste mundo. Os meus amigos."
Damian: "..."
Danic: "Nós estávamos na brincadeira uns com os outros. O Lucas e o Giovanni é que estavam mesmo nervosos. Estavam com medo do que podia vir por aí. Ainda faziam umas piadas, mas via-se que faziam-no para deixar descarregar alguns sentimentos e receios para fora. Ao contrário de mim eles tinham algo a perder. Família. Irmãos. Filhos até. Era compreensível estarem nervosos. Se morressem não era só uma vida que se ia. Uma família toda iria perder alguém. Um pai. Um irmão. Eu não conhecia nada disso e ainda assim sabia que deveria ser algo importante para eles. O Billy é que era a única excepção à regra. Por alguma razão elr não temia nada. Era o único que tinha coragem o suficiente para encarar o perigo de cabeça erguida mesmo sabendo que poderia morrer e perder aqueles que lhes eram queridos. Sabendo que iria tornar este mundo um lugar melhor estaria disposto a fazer de tudo independentemente dos riscos."
Damian: "..." 
Danic: "Dito isto, o Lucas e o Giovanni estavam mais nervosis do que nunca. Tive de lá ir para os acalmar. Disse-lhes aquela idiota piada do tijolo que não me orgulho nem um pouco de ter criado. O pior é que funcionou. Contei da mesma forma que sempre soube e eles ficaram logo com um sorriso na cara. A seguir ainda me contaram as suas piadas. Fiquei ainda mais animado do que já estava. Aqueles tipos...mesmo com famílias e não tendo algum tipo de laço sanguíneo comigo...trataram-me como família. O Tren tratou-me quase como filho. Tratou cada aprendiz e recruta como filho. Já o Lucas, o Giovanni e...o Billy...trataram-me como um irmão. Só depois da morte deles é que eu percebi que...sempre tive amigos do meu lado...que eu percebi a importância deles...que...que...que eles foram a família que eu nunca tive...era a eles que eu perderia se morresse. Tinha encontrado ali algo que não podia perder. Na altura não sabia. Nunca tinha visto algo do género. Só agora que percebi. Eles tiveram de partir para reconhecer isso."
As lágrimas intensificam-se. Começam a molhar o seu rosto inteiro. No entanto, ele continua a sua descrição de eventos. Tudo enquanto Damian regista tudo e recorda as suas tristezas.
Danic: "Eu sempre os levei ao deserto. Demorámos quase 2 horas. Tempo esse que passei à conversa com eles e, é claro, a conduzir. Mas lá chegámos ao deserto do Nevada. Na base o sol ainda nem se tinha levantado e quando chegámos estava tão iluminado que nem me apetecia sair do cockpit. Eles foram em grupo. Seguiram pela areia com as suas armas prontas para o combate e eu fiquei à espera deles. Esperei. Esperei por um bom bocado. Começava a pensar que se tinham perdido. Decidi esperar mais um pouco. Foram-se três minutos. Cinco minutos. Sete minutos que rapidamente se tornaram em dez. E foi aí, quando comecei a ficar com fome para almoçar, que decidi ir procurá-los. Então peguei na pistola que mantinha no porta-luvas e tracei os mesmos passos que eles. Nem demorei muito tempo a chegar ao tal do local. Segui as pegadas que deixaram na areia até ao tal do local onde eles estavam. Não foram nem cinco minutos e eu...tinha-os encontrado."
Damian: "O que viu...eles estavam bem?"
Pergunta a questão mais essencial do artigo. Ao que Danic responde movendo a cabeça de um lado para o outro, negando a suposição sem alguma palavra. Intrigando mais o escritor, ele finalmente elabora e conclui:
Danic: "Quando cheguei não vi nenhum deles. Até comecei a pensar que poderia me ter enganado no caminho, mas as pegadas acabavam mesmo ali. Só que...eu simplesmente não tinha olhado com atenção para o cenário. Bastava ter parado um pouco para ver o elemento que mais se destacava...o elemento que...não parecia real..."
Damian: "Não era real? Mas o que é que viu ao certo?"
Inquire-o mais confuso do que nunca com os olhos acerrados. Danic olha-o nos olhos abertamente, parecendo observar a sua alma. Então, ele respondeu com duas frases curtas que responderam ao grande mistério da notícia:

Danic: "Vi um elemento fora deste mundo. Vi um monstro, Damian."

Damian: "..."
Nem consegue dizer nada. Os seus olhos ficam tão acerrados, pois ele não sabe se o que Danic diz é brincadeira ou não.
Isso significa que...isto é mentira ou...aqueles maluquinhos...têm razão. O que será que ele quer dizer? Mentira ou verdade... 
Danic: "Peço-te que me continues a ouvir. Eu sei que isto pode parecer estranho, mas foi mesmo o que aconteceu."
Fala, percebendo, pela forma estranha como o encara que o escritor não parece estar a acreditar muito naquilo.
Damian: "..."
Danic: "A sério. E-Era uma criatura bípede que estava toda corcunda com o que parecia ser uma arma tecnologicamente avançada nas suas costas."
Damian: "Danic, eu..."
Danic: "Não, era mesmo assim. Azul com 2 metros de largura. Ele estava lá. No deserto com...c-com os meus amigos. O Lucas, o Giovanni. O-O Billy."
Damian: "Danic-"
Danic: "É tudo verdade. Eles os três...os meus amigos. Estavam a ser levados pelo que quer que seja aquela abominação."
Agora já chega a interrompê-lo. A tristeza chega a um pico com as lágrimas que não param de escorrer e as emoções ao rubro. Tem tanto para dizer.
Danic: "O Lucas...o Giovanni. Esses estavam m-mortos a ser levados nas costas do monstro. Mas o Billy. Embora tenha sido tudo tão rápido, garanto-te que ele não me parecia tão mal. Ele pode estar vivo!"
Damian: "Danic-"
Danic: "Foi naquele momento que petrifiquei. Não pelo trauma que tinha acabado de desenvolver. Mais pelo que tinha acabado de perceber."
Damian: "Danic, por favor, ouve-me."
Danic: "As pessoas que vocês chamam de maluquinhos...sempre estiveram certos." 
O escritor continuava a insistir, mas o ex-piloto estava demasiado absorvido nas suas memórias. Dava a entender que não iria parar por nada. 
Damian: "..."  
Ele decide calar-se. Percebe que nada o alcança. Com proclamações do género também já não tem o que dizer. Este encontro deixou de correr como esperava.
Danic: "Ao ver aquilo não pude fazer nada. Vi os meus amigos, aquilo que tinha mais perto de uma família a ser tirado de mim por uma criatura que nem conhecia."
Damian: "..."
Danic: "Aquilo que eu vi...muitas pessoas também devem ter visto. O monstro que vi deve ser um de muitos dos que por aí existem. Quem sabe tu não sejas a sua próxima vítima."
Diz, apontando para o escritor. Pior é que ele tem uma certa razão. Damian quer continuar a acreditar que os relatos do seu filho são mentira, porém...
com o que ele diz...fica cada vez mais a questionar.
Danic: "Este mundo é mais esquisito do que tu imaginas. Até tu o experienciares pela tua própria conta, não haverá nada que te possa convencer. Já vi que esse é o caso contigo."
O ex-piloto baixa o braço.
Danic: "Eu que tinha visto aquilo também não queria acreditar. Quando vi aquele horror...pensava que era um sonho. Queria que fosse um sonho. É claro...ninguém quer ver a sua família a ser tirada por um monstro sem coração."
Damian: "..."
Danic: "Um monstro que quando pisquei e abri os olhos...tinha desaparecido. Agora deves entender, não é? Deves entender porque é que eu fiquei ali paralisado durante 15 minutos a olhar para o nada."
Damian: "Deves entender porque é que voltei para a base com os olhos vazios de vida. Porque é que quase despenhei o helicóptero com todo o trauma. Porque é que me demiti depois de os perder."
Damian: "..."
Danic levanta-se com as lágrimas a pingarem já para o chão. Ele abranda um pouco com toda a emoção e torna para o seu lado mais reflexivo.
Danic: "Eu senti-me fraco. Não foi preciso muito tempo para isso entrar em efeito. Logo no momento que vi a criatura já me sentia assim. Ao fazer a viagem de volta então...foi quando tudo já tinha entranhado na cabeça."
Damian: "..."
O ex-piloto vai até ao pé da entrada. Agacha-se e apanha algo. É um bloco de notas que Damian tinha visto há bocado.
Danic: "Sentia-me tão incapaz. Não tinha conseguido proteger os meus amigos. Os meus amigos estavam mortos...à minha frente. E eu só pude observar enquanto o sobrenatural os tirava de mim."
Damian: "Esse caderno..."
Diz timidamente para não interromper este desabafo que Damian reconhece ser necessário.
Danic: "Este bloco de notas. Comprei-o depois de sair do exército. Tinha ficado tão traumatizado que não conseguia pensar em mais nada. Na verdade, até hoje não consigo. Mas sentia que precisava de desabafar."
Damian: "Tu...o que escreveste aí?"
Pergunta, ainda a tentar entender se deve acreditar em tudo o que ele diz. Danic levanta o bloco de notas no ar e explicita o conteúdo.
Danic: "Aqui dentro, estão inúmeras descrições detalhadas do que aconteceu naquele deserto. Tudo o que vi está aqui relatado aos menores pormenores." 
Damian: "..."
Danic: "Como disse, eu precisava de desabafar. Sabia que ninguém acreditava em mim. Tentei contar ao capitão o que aconteceu, mas ele achou que eu estava maluco. Por isso, numa mistura de indignação e trsiteza acabei por desistir de ser piloto. Isolei-me aqui, no meu apartamento. Este é o único lugar onde o mundo me parece aceitar. Já nem ligo a televisão. Sei que eles vão estar sempre a falar dos 'maluquinhos dos monstros' e isso apenas me faz duvidar mais de mim mesmo."
Damian: "Isso significa que o bloco de notas era a única forma que tinha de deitar tudo cá para fora."
Responde, começando a entender e a achar credibilidade naquela figura.
Danic: "Precisava de deitar toda a tristeza cá para fora sem ser julgado. Quer dizer, estes pensamentos estavam e estão na minha cabeça a toda a hora. Não consigo pensar ou fazer mais nada. Não consigo tomar banho sem me lembrar. Não consigo ver televisão. Tenho de me forçar a fazer o jantar. Aquele monstro atormenta-me a toda a hora de cada dia."
Damian: "C-Compreendo."
Fala enquanto decide-se. A forma como fala dá a entender que é tudo verdade. Como escritor e tendo alguma experiência com entrevista tem quase a certeza disso.
Mas antes que possa chegar a conclusões, Danic intervém. Estende o seu braço para a frente segurando o livro e diz-lhe:
Danic: "Quero que fiques com isto, por favor."
Está a ser atirada tanta coisa contra a sua cara. Não sabe no que acreditar, confiar ou dizer. 
Damian: "O b-bloco de notas?! Porquê?"
Danic: "Eu disse-te que sempre precisei de alguém com quem pudesse desabafar. Não havia ninguém neste mundo que me quisesse ouvir ou acreditava no que eu tinha para dizer. Até tu vires ter comigo."
Damian: "Como assim? Este bloco é teu. É o teu confidente."
Danic: "Sim, mas sinto que vai ser mais importante nas tuas mãos."
Dito isto, Danic pega na mão de Damian à força e passa-lhe o bloco de notas para a mão.
Danic: "Contigo eu sei que estes meus desabafos terão um maior uso. Poderás mostrar ao mundo que eu e os outros não somos tão malucos quanto pensam."  
Sem o deixar sequer questionar, ele deixa o bloco de notas nas mãos do escritor. Faz a sua parte e não lhe dá outra chance. E a maneira como fala...é um tanto quanto estranha. Quase como se...
Danic: "Agora que falei consigo sinto que já tive a minha sessão de desabafo com outra pessoa que tanto desejava. Não que me tenha ajudado a superar o passado, porém deixou-me...mais aliviado."
Ele até limpa as lágrimas. As lágrimas também abrandam e param de escorrer de vez. O seu rosto seca e ele parece encarar Damian com um novo olhar mais vívido.
Damian: "Mas espere um pouco. Isso significa que ainda vai estar a sofrer internamente. Ainda vai precisar de algo onde projetar o que sente. A sério, falo de alguém que entende o que é sofrer com o passado."  
A preocupação da sua parte é admirável. Parece que não irá desistir dele por nada. Só há uma forma de o convencer.
Danic: "Ouça, eu estive a aguardar um momento como estes há tanto tempo. Queria tanto encontrar alguém de mente aberta o suficiente para me ouvir. Alguém que talvez me pudesse entender. Sabe que mais? Sinto que essa pessoa é você, Damian."
Damian: "..."
Danic: "A princípio não tinha a certeza, porém, depois de lhe contar tudo, percebi que talvez não iria encontrar pessoa no mundo que me entendesse melhor. Não há pessoa melhor ou com mais poder para me concretizar este meu desejo. Vejo-o nos seus olhos. Está a sofrer internamente sem contar a ninguém e não quer que os outros passem pelo mesmo. Isso é o que eu quero ao entregar-lhe este caderno. Quero que o use para alertar a população. Assim, outros não precisarão de sofrer como eu. Ninguém vai precisar de cometer os mesmos erros de Danic Verty que passa a sua miserável vida trancado no seu apartamento imundo a pensar na morte que já passou."
Damian: "..."
Não, ele tem razão. Está a fazer isto tudo por uma causa nobre. O que ele passou...faz Damian lembrar-se do que ocorreu há um ano. 
Pela forma como fala...chega a convencer Damian. Continua sem saber no que acreditar, no entanto, o pedido de Danic, independentemente do sobrenatural ou não, é genuíno. Não há como fingir viver assim.
Depois de uma longa conversa tem a certeza. Tem de o ajudar. É necessário cumprir este seu pedido. Pois ele é a única pessoa que ele conheceu capaz disto.
Danic: "Por isso, diga-me: o que acha?"
O escritor olha para o bloco de notas na sua mão. Cheira mal e está imundo e ainda assim...é o seu troféu. 
Volta a olhar para Danic e encara-o seriamente. Abre um pouco mais os olhos e ganha uma nova compreensão daquela pessoa à sua frente. Aquela pessoa tão aprecida consigo. Então, ele responde com toda a certeza a sua decisão:

Damian: "Ok. Eu irei cumprir esse seu desejo."

Danic esboça um largo sorriso. Quase queria chorar de tão feliz que estava. Depois de tanto tempo irá ser algo maior. 
Danic: "Entendo. Obrigado, Damian."
Responde com uma lágrima no canto do olho. Porém, esta não é de tristeza. É de felicidade.
Damian: "Este seu bloco de notas...por muito que não acredite totalmente nisso que diz do sobrenatural...irei esforçar-me para fazer o seu caso conhecido. Só eu posso fazê-lo."
Danic: "Só você é que me pode entender."
Damian: "..."
Danic: "..."
Os dois até completam frases. Tal como com Tren, Damian sente que ali pode estar a nascer algo de novo. Enquanto os dois trocam olhares ficam certos de que aquela dor que partilham pode estar finalmente a fazer o bem. 
A dor que está tão presente nas vidas dele. A dor pode estar a uni-los neste momento.
Damian: "Muito bem. Foi um prazer conhecê-lo, Danic."
Fala mantendo o ar profissional e sem conter a pequena pepita de felicidade que tem lá dentro.
Enquanto isso. Ele vira-lhe as costas levando o bloco.
Danic nem sabe o que dizer. Está mais do que feliz por ter encontrado aquela pessoa que tanto aguardou. A pessoa que o compreende e pode usar as suas palavras para mudar o mundo.
Danic: "Digo o mesmo."
Vendo o escritor a traçar o seu caminho à entrada, o ex-piloto fica sem medo de esboçar o sorriso. Deixa que este sentimento esquecido o envolva.
Damian: "Adeus. Vemo-nos noutro dia."
Diz, chegando ao pé da porta. Quando ele gira a maçaneta e abre a porta, apenas ouve uma última coisa.
Danic: "Ainda bem que te conheci, Damian."
Mesmo não concordando com a sua visão do sobrenatural...é difícil não gostar dele. Passaram ppr tanta coisa semelhante que sente impossível não esboçar um discreto sorriso.  
Saindo daquele lugar que não é seu ele vai com um bloco de notas na mão. Um que pertencia a um homem que tinha perdido a esperança. Um homem que não mudou, mas sentiu-se mais concretizado.
Damian sai dali e desce as escadas para ir ter com Sarah. Traça o caminho de volta a pensar no que ouviu ali. O sorriso rapidamente desaparece ao ser recordado do dia em que se encontra hoje. Dos assuntos que trataram. Tudo ficou complicado.

Sarah: "..."
Enquanto isso temos Sarah no carro. Tenta matar o tempo ao ouvir rádio.
Rádio: "Pensa-se que o incidente no centro comercial poderá ter surgido com uma fuga de gás. Enquanto isso, grupos mais radicais dizem ser culpa de um monstro sobrenatural. Seja o que for, as autoridades continuam a investigação, aproveitando para relembrar que o crime continua à solta. E que, após algum tempo de ponderação, a população deve é ficar em casa. O que me lembra do nosso patrocinador no CineMol que hoje exibirá 'Contos de Um Reino Passado' às 21 horas da noite."
A informação entra-lhe por um ouvido e sai por outro. Depois de tanto tempo a ouvir as mesmas coisas as pessoas também se fartam.
Por isso ela desliga a rádio. Começa a acreditar que terá de se chatear com ele outra vez. Porém...
Damian: "Com licença."
Subitamente, Damian abre a porta do carro. Entra todo sério com um...bloco de notas na mão? De onde é que ele foi buscar aquilo?
Sarah: "Damian. Não demoraste tanto desta vez."
Diz, sem saber por onde começar.
Damian: "Faço o meu melhor para não cometer os mesmos erros."
Sarah: "Sim...olha, aconteceu alguma coisa? Tu sabes, esse caderninho que tens na mão-"
Damian: "É um bloco de notas."
Sarah: "O que quer que isso seja. Tu não tinhas isso contigo antes. Foi o tipo que te deu?"
Damian: "Sim, mas não quero falar muito nisso. Podemos partir?"
Ele claramente está com pressa. Seja o que for que tenha acontecido, deixou-o mais instável do que já estava. Nem ela sabia que isso era possível.
Sarah: "Humm. Ok. Já que insistes tanto...acho que podemos seguir para o nosso encontro, não é?"
Vê-se obrigada a mudar de assunto para evitar confusões. Ainda assim estaria a mentir se disesse que não gostaria de saber o que aconteceu. 
Damian: "Parece-me bem."
Responde para a agradar. Porque lá no fundo não quer saber do jantar. As coisas acabaram de ficar mais sérias. Se o que Danic disse é verdade...
Terá que despachar este jantar. Irá lá, mas não quer demorar muito. Se Sarah começar a insistir e a ser chata terá logo que sair. Cada segundo conta. 
Ao pôr o pé no acelerador, Sarah vai se perguntando tanta coisa Todas essas perguntas que não precisará de muito para as pôr em ação. 
Daqui a pouco terá o seu tão aguardado encontro. Este é o jantar que ela planeou há dois dias. Jantar que está a minutos de acontecer. Agora é que poderá saber tudo o que quer.

Jeff: "..."
Enquanto isso o rapaz entretinha-se com as suas. Talvez não se estivesse a divertir. Aquilo era mais um dever do que qualquer coisa.
Depois de ter almoçado uma massa instantânea com maçã e bacon. Um prato que o lembrou daquele dia em que ela lhe cantou para adormecer.
Mas voltando ao que importa. Após a refeição, ele deixou a taça suja em cima da mesa. Tudo para ir fazer algo que lhe acalmasse a mente.
O que aconteceu ontem...marcou-o mesmo. Fê-lo perder a confiança no seu pai e no que julgava ser verdade. Inclusive no desconhecido.
Aquele homem que lhe apareceu ontem...chamava-se Iza. Entrou sem ele saber. Forçou entrada de alguma forma. Só porque não tinha ninguém a guardar a casa.
E é isso que faz agora. Observa pela janela junto da entrada o lado de fora do bairro. A rua. O passeio do outro lado da estrada e também o passeio do seu lado da estrada.
Ele observa cada elemento com cuidado. Cada pedaço de lixo no chão. Cada pombo que pousa na estrada. A paranoia está no alto.
Enquanto tem algo no sofá à espera da pessoa certa para ser entregue. O tal do presente que quer entregar à pessoa que entre pela porta. 
Se há uma parte boa sequer disto tudo é que ao menos se pode esquecer da tristeza que este dia simboliza. A tristeza do aniversário de morte da sua mãe. Essa data de hoje, essa data que está marcada no calendário da parede.
O calendário que o observa a cada segundo. Como um lembrete. Temporariamente, estas preocupações desaparecerão e darão lugar ao medo do monstro que devido aos seus sentimentos emerge da escuridão.
O monstro que aparece todas as noites e que hoje quererá acabar com tudo num novo pico de medo, um novo pico de poder. 

No meio tempo, o beco ao lado do café tem estado bem tranquilo. Os homens preparavam o armamento com nova fé em Iza. Ou preparavam até há bocado. De momento estão a conversar.
Após tudo o que viram até agora têm uma nova confiança nele. Existem alguns mais céticos como Jop que acreditam que Iza nunca mudará. Contudo, esses são pouco. Por falar em Jop...
Jop: "Ah! Tem cuidado!"
Resigna, sentado com as costas na parede, enquanto é lhe posta uma atadura à volta do buraco ao pé do seu pescoço. 
Jamis: "E tu precisas de ser mais calmo. Estou apenas a fazer o meu trabalho. Talvez se tivesses pensado duas vezes não te tivesses lixado."
Diz, agachado, enquanto com uma tesoura vai cortando o excesso de atadura.
Jop: "Seu...tens cá uma lata."
Jamis: "Eu que o diga."
Fazendo os últimos ajustes ele levanta-se. O seu trabalho está feito. Não é um médico profissional, contudo dá para o gasto. Com isto tudo só se esqueceu de se preparar.
Na realidade, quase todos se prepararam. Estão ou na conversa ou a dar os últimos retoques. Aquela corrente de uma ponta do beco à outra quebrou-se.
O lado positivo é que permitiram ao aleijadinho arranjar um espaço para se apoiar. Quando ia tratar de arranjar uma arma boa para si, Wedge aparece.
Wedge: "Então, como é que ele está?"
Diz, aparecendo do nada e metendo-lhe conversa.
Jamis: "Se falas deste idiota aqui, posso garantir-te que não morrerá. Não sou especialista, mas parece que o corte não foi muito profundo."
Wedge: "Ainda bem. E bom trabalho. Bem sabia que o nosso médico improvisado trataria da situação."
Jamis: "Esse nome é uma porcaria, mas como queiras."
Jop: "Só não é tau mau quanto as tuas habilidades médicas."
Parece que o homem esfaqueado estava bem da silva e não tinha mudado nem um pouco. Com esta sua intervenção, Wedge ficou a saber tudo.
Jamis: "És das pessoas que mais benefeciariam de ficar calado. Evitavas confusões."
Responde, olhando para o homem no chão.
Jop: "Tu devias arranjar novos insultos. Usaste esse mesmo há bocado. E para tua informação, eu fui apanhado de surpresa. Não estava à espera que ele sacasse da faca, caso contrário ele estaria no chão inconsciente."
Jamis: "Tch. Este gajo..."
Ner: "É, não é, Jamis? Parece que não aprendeu nada."
Uma voz familiar pode ser ouvida pelo beco afora. Todos se viram para a extremidade do beco onde está Jop, Jamis e Wedge. Lá, veem-no.
A figura imponente tinha a acabado de chegar e todos fazem o respeito de o olhar com seriedade. Isso inclui os dois novatos e o aleijadinho.
Todos ficam com algumas perguntas só de olhar para ele. Primeiro que ele voltou sozinho sem Iza. Segundo, ele não veio de mãos vazias. Chegou acompanhado de uma marreta de aparência pesadíssima.
Wedge: "Bem vindo de volta, Ner."
Volta a dar-lhe as boas vindas, sentindo-se intimidado pela sua presença e pela besta de arma que ele carrega com enorme facilidade.
Ner: "Obrigado, mas sabes que não é preciso tanta formalidade. Se nem os nossos integrantes mais experientes são tão formais, não encontro razão para recrutas como tu e o Jamis serem."
Wedge: "Ah, c-certo."
Responde à gentileza do seu superior, todo nervoso e formal por estar tão perto dele.
Ner: "De qualquer forma, não se preocupem mais, eu voltei."
Diz enquanto se encosta a um caixote do lixo que se encontra no beco com a marreta sempre ao seu lado.
Quando percebem que ele não veio fazer nenhum anúncio, os criminosos voltam ao que faziam. E o som das conversas volta a estar presente. 
Jamis: "Vejo que voltaste com uma arma."
O vice-capitão fica um pouco confuso com a observação. Isto porque já se esquecia que sequer trazia a marreta consigo. Só agora é que se lembrou.
Ner: "Ah. Referes-te à minha marreta. Costumo mantê-la guardada para ocasiões especiais de combate como estas. É por isso que não me vês a usá-la muito."
Wedge: "Mas essa arma..."
Jamis: "Pode ser impressão minha, mas parece-me pesada."
Ner: "O quê? Esta marreta?! Nem pensar. É leve como tudo."
Pois. Dá para perceber. Se ele nem tinha reparado que estava a segurar nela até então é porque não tem peso algum. Ou ele é que é demasiado forte...
Jop: "Sim, muito interessante. Podemos ir ao que interessa?! Onde é que está o Iza?"
Inquire-o, num tom apressado e agressivo. Os outros interpretaram esta pergunta quase como ameça. Ner interpretou-o como já tinha explicitado.
Ner: "Até parece que não me ouviste ao chegar. Contudo, eu volto a repetir: mesmo tendo sido derrotado não aprendeste nada?"
Jop: "Uau. Muito engraçado Ner. Sim, eu tinha te ouvido. Fiquei é um pouco surpreendido com a tua chegada."
Ner: "Humm. Bom saber que não és tão mentecapto."
O vice-capitão não recuava. Jop é que tinha o sangue a borbulhar e farto de ser tão insultado em menos de 24 horas. O problema é que não lhe pode fazer nada. Pode falar e já vai com sorte.
Jop: "Ner, eu gosto muito de ti, mas não me digas que também estás do lado daquele gajo."
Diz, acalmando-se um pouco e partindo para uma conversa mais séria sobre o líder deles.
Ner: "Eu disse-te várias vezes. Não, não estou do lado dele. Contudo também não posso dizer que estou do vosso lado. Sou neutro. Cumpro um papel que posso chamar de intermediador. E graças à minha posição no assunto acho que sou a pessoa certa."
Jop: "Melhor que isso era se estivesses do nosso lado. Ficaste tanto tempo a ouvir o que dizíamos dele e, apesar de seres o seu braço direito, mantiveste tudo em segredo dele. Respeito isso. Talvez seja essa a razão de também não entender porque é que estás do lado dele."
Ner: "Não há grande razão por detrás disso, Jop. Apenas porque o considero um amigo."
Jop: "Amigo?! Essa é boa. Nós é que deíamos ser os teus amigos. Não, a tua família."
Ner: "E não vou negá-lo. É só que...lembro-me de quando o Gareth morreu...eu...ouvi o seu último pedido. Aquele homem estava a morrer e estava preocupado com o seu filho. Que maluco. Porém isso nem foi o que me fez passar da cabeça. Mais do que tudo, ele queria como último desejo seu, que Iza o sucedesse. Esse era o último desejo do nosso líder, do nosso amigo, do pai da nossa família. Esse é o desejo que eu estou a tentar concretizar em sua memória. Pensando bem, talvez não seja tão diferente do Iza..."
Diz, melacolicamente recordando-se daquele dia em que tudo mudou. Não está com lágrimas no canto do olho...no entanto...está bastante triste por saber que os bons tempos com Gareth se foram.
Foram-se, mas ficou algo...Iza. É a única coisa que ele deixou. Como última ordem ele claramente lhe disse que queria que protegesse o seu filho. Por isso é que, embora tenha um dever com a gangue, também protege Iza. Pois sente que tem um dever para com o pai dele, para com Gareth. Este seu amigo e líder que se foi.
Contudo...
Jop: "Embora compreenda o que dizes, não te posso dizer que concordo."
Jamis: "..."
Wedge: "..." 
Ner: "..."
Isso já tinha ficado claro. Há muito que tinha percebido isso. Jamis e Wedge também. Ele pode ser burro, mas não é atrasado mental. Apenas não sabe o que esperar.
Jop: "Falo por mim e por toda a gnague quando digo que aquele gajo não tem nada do que um líder deve ter. Não é capaz de se impôr. Mal sabe dar um soco. Ele nem tem a coragem para magoar alguém quanto mais para matar."
Ner: "Sinceramente...dizes isto tudo, mas foste tu quem perdeu para ele."
Jop: "Já disse que fui apanhado de surpresa!"
Ner: "E eu já te disse de qual lado estou: nenhum! Tenho as minhas razões tal como tu tens as tuas. Para além disso, qual era o mal se eu estivesse do lado do Iza e contra todos vocês? Irias bater-me, Jop?! Não me parece boa ideia. Tu sabes quem iria vencer no fim."
Wedge: "..."
Jamis: "..."
Jop: "..."
Ner: "Também não sei se reparaste, mas és tu contra todos. Não vi ninguém hoje exceto tu que o criticou. Sim, os outros ainda não estão totalmente convencidos, porém estão mais recegivos do que tu. São mais otimistas do que tu, Jop."
Jop: "..."
Jamis: "..."
O clima estava de cortar à faca. O vice-capitão não gritou, mas conseguiu agressivamente desabafar a raiva que tem de Jop.
Talvez temha ido longe demais. Os outros continuam a falar. A partir do momento em que entrou, todos atinaram. Ninguém o ouviu.
E ainda assim...parece que todos o estão a ouvir. Deve ser um dos efeitos colaterais de ser o porta-voz do grupo. Fala como se estivesse perante uma multidão, inclusive quando está com três pessoas.
Wedge: "Pessoal...acho que nos devíamos a acalmar."
Sugere, timidamente, enquanto o som das conversas de fundo continua.
Ner respira um pouco para se acalmar. Jop encosta-se mais à imunda parede. É a forma que arranjou para desistir da conversa contra a sua vontade.
Jop: "Como queiras..."
Resigna, indignado com a sua derrota justa.
Ner: "Tens razão, Wedge."
Jamis: "Unh. Se não se importar, eu até tinha uma pergunta e um pedido a fazer-lhe..."
Pede-lhe formalmente com um nervosismo e timidez que superavam o de Wedge.
Ner: "Diz lá."
Jamis: "Antes de mais, o que é que aconteceu com o Iza?"
Ner: "É verdade. Para vocês ele simplesmeente saiu daqui a sete pés. Devo-vos uma explicação e ao resto da gangue. Já tenho uma nova tarefa em mãos. Mas estive a falar com ele. Contou-me algumas coisas que não sei se vos posso contar."
Wedge: "Ele falou sobre o porquê de estar tão diferente? Digo isto num aspeto positivo."
Ner: "Huh...como vou dizer...ok, admito que sim. Porém não vos posso contar nada. Ele por sua vez já não estava orgulhoso a falar comigo. Então nem quero imaginar com outras pessoas que não conhece tão bem."
Wedge: "Ah, certo."
Diz num suspiro de tristeza por saber que o seu ídolo pode estar a passar por uma fase complicada.
Mas o assunto rapidamente muda.
Ner: "Qual era a outra pergunta?"
Fala para Jamis.
Jamis: "É capaz de ter reparado que todos têm uma arma pronta a usar. O Wedge tem a sua faca. O Jop o punhal. O Zemar tem uma pistola e por aí. O problema é que eu...bem...como dizer..."
Ner: "Não tens arma?"
Pergunta adivinhando onde ele quer chegar. O pior é que...
Jamis: "Uau. Era exatamente isso que ia dizer. Como é que sabia?"
Ner: "Espera? Eu acertei? Acertei. Fixe. Afinal não sou tão burro quanto o Iza diz."
Um comentário esquisto, porém Jamis ignorou. Pela forma como falava ele dava a entender...
Ner: "Ok, não faz mal. Tenho uma solução. Pode não ser das melhores, mas é funcional. A melhor parte é que está memso atrás de mim."
Jop: "..."
Wedge: "Como assim?"
Jamis: "Atrás de ti? Queres dizer que..."
Ner: "Exatamente."
Aquilo estava a ser um momento mágico para Wedge e Jamis. Jop estava era aborrecido. Sabia onde isto iria parar e depois de o ver por umas quinhentas vezes, perdeu a magia. 
Com a intriga garantida fos recrutas, Ner faz o mesmo espetáculo que Jop até revira os olhos ao perceber que está por chegar. O vice-capitão pousa a marreta no chão e encosta-a à parede ao lado do caixote do lixo.
Tudo para poder tirar o que quer. Ele abre o caixote do lixo verde em que se encostava. Com os olhos brilhantes dos novatos, ele empoleira-se no caixote do lixo e mergulha lá a sua mão.
Foi aqui que os olhos deles pararam de brilhar e perceberam a nojeira que era aquilo tudo. Isso também explica a falta de interesse de Jop.
Ner: "Não és o primeiro a receber uma arma deste local. Como deves saber, os nossos caixotes do lixo servem para marcar território, pois, dentro destes caixotes do lixo escolhidos a dedo por mim, temos guardadas armas como esta minha marreta. Porém, raramente dou armas destas a alguém. Vais fazer parte de uma minoria. Vais ser um desses previligiados."
Previligiados? Neste ponto a antecipação transforma-se em medo. Jamis começa a ponderar em ir de mãos vazias para a luta. Sempre será melhor do que levar uma arma suja e malcheirosa.
O problema é que é tarde demais. Ner esteve a mergulhar o seu braço no lixo com as mais variadas texturas. Prefiro não descrever. O importante é que ele eventualmente tirou de lá a mão.
Ner: "Aqui tens."
Diz, estendendo-estendendo-lhe a mão com a arma. É um...bastão. Bastão de metal com líquidos de aspeto esquisito a mancharem-no e o cheiro...asqueroso, para ser simpático.
Ner: "Este não é o primeiro bastão. Muitos ainda o usam. Costumamos dá-lo a recrutas como vocês. Pena que a última pessoa que o recebeu morreu. Tivemos de arranjar um novo, mas sei que ele vai estar em noas mãos."
Ele parecia nem se importar. Wedege e Jamis faziam uma cara esquisita, apesar do esforço para aguentar o cheiro. Nem pensar que ia ficar com aquilo. Jamis teria de arranjar uma desculpa.
Jamis: "Pois...pensando bem...acho que o Zemar me disse que podia dar uma arma."
Ner: "O quê?"
Wedge: "É verdade. Ele tinha dito isso há pouco. Nós é que nos esquecemos."
Diz, alinhando com a estratégia de Jamis para não ter de tolerar mais aquele cheiro.
Ner: "Ok. E quanto a ti, Wedge. Sei que gostas de trazer a arma de casa, contudo estás interessado no bastão?"
Pergunta-lhe, insistindo naquela proposta que ele não vê como nojenta.
Wedge: "Não se preocupe. Tenho muuuuiiiittttoooo armamento em casa."
Jamis: "Sim, Ner. Muuuuuiiiitttooooooo."
Ner: "Está bem. Vocês é que ficam a perder."
Questionando o porquê deles terem recusado a oferta, ele atira o bastão de volta para dentro do caixote. E com as suas mãos sujas volta a pegar na marreta.
Ner: "Bem, tenho de ir ver se os outros estão bem. Rapazes. E Jop, é claro. Cuidem-se."
Fazendo uma rápida despedida ele afasta-se deles para ir ver dos outros. Wedge e Jamis é que agradecem. O cheiro despareceu e podem voltar a respirar livremente. Sem a presença de Ner.
Wedge: "Uf! Ainda bem que ele cedeu."
Diz, respirando mais aliviado.
Jamis: "É, não é? Achei que ia morrer. De qualquer forma, preciso de ir arranjar uma arma."
Wedge: "Penso ter a pessoa certa."
Com uma ideia muito melhor ele faz caminho e Jamis segue atrás dele. Os dois vão traumatizados pelo que aprenderam. Terão de fazer as coisas à sua maneira. Uma maneira menos nojenta.
Nem se lembraram de Jop. Deixaram-no ali sozinho no meio disto tudo. Mas ele não está tão sozinho. Ficou a pensar em alguém. Uma figura com a qual deixou bem claro que estava obcecado.
Continuava a pensar num tal de Iza Ingram.

O sol estava mesmo a pôr-se. Não dura mais de meia-hora até a noite chegar. Mais uns minutos. Uns minutos e chegará a altura do dia.
Com a altura tão próxima temos Iza no seu cantinho. Longe do beco onde estavam. O líder da gangue sem nome estava...no local em que esteve ontem à noite.
Iza estava a olhar para aquela casa novamente. Faz questão de manter distância da entrada. Apenas fica a observá-la do outro lado da estrada enquanto a sua cabeça se lembra de algo. Afinal, ele está a observar a casa de Damian.
Iza: "..."
Está a olhar atentivamente para a entrada da casa. Aquele lugar que, no contexto do dia de hoje, ganha uma maior significado para ele. Fá-lo lembrar do dia em que se tornou tarde demais para voltar.
Um ano. Um ano passou-se e nem parece que o que Iza sente não alterou...aquele arrependimento...nunca desapareceu.
O rapaz do Damian deve estar lá dentro. Não, não o vai visitar outra vez. Até porque está demasiado ocupado a olhar para aquela escadaria que leva até à entrada. A escadaria onde ficou o corpo dela.
A escadaria. A escadaria chega de sange. A pingar chão para o concreto. A bala. A sua bala...tudo começa a unir-se...começa a juntar-se na sua cabeça até que...

Ner: "Tens tudo pronto?"
Perguntava-lhe o seu braço direito ansioso para acabar com o assunto. Esta conversa que estava a ter...é claro...como é que se podia esquecer...foi há um ano. 
Era um ano mais novo. Estava o sol a nacer na manhã. Encontrava-se num beco entre dois edifícios a olhar para a mesma casa. Sozinho com o seu braço direito. Mal fazia a ideia de onde se estava a meter. Mal fazia ideia do quão difícil seria completar a missão.
Tinha que matar Maria. Sabia disso e estava nervoso para o fazer. Nervoso e perguntando-se se iria fazer a coisa mais certa.
Estaria a seguir as palavras do seu pai. Iria também agradar a gangue toda que tem estado lentamente a perder esperança em si. Contudo, seria esta a escolha que mais o agradaria? 
Iza: "..."
Ner: "Iza. Estás a ouvir? Perguntei-te se tinhas tudo pronto."
Insiste, vendo que o capitão está demasiado silencioso. De olhos vazios e cabeça para baixo. Como se estivesse com a cabeça em outro lado e não o ouvisse. Isso até agora...
Iza: "Ah, sim. C-Certo. Desculpa, estava fora de mim."
Diz, todo nervoso como se tivesse acabado de acordar de um sonho. Os seus olhos ganham uma nova vida. Ele levanta a sua cabeça e vai revistar as suas calças tremulamente sem olhar para Ner, este que percebe que algo está de mal, apesar da tentativa de Iza para disfarçar.
Com esta auto inspecção ele até arregala os olhos com os resultados. Faz esta revisão pelo que traz e saca do bolso das suas calças...uma pequena pistola. Desde quando...no meio destas divagações tinha se esquecido disto. Esquecido que era tarde demais para mudar.
Ner: "Os teus olhos arregalaram-se. Porquê tanta surpresa?"
Ele toca mesmo na ferida. Pode ser burro, mas, às vezes, consegue ser perceptivo. Não há o que esconder. Ner conseguiu ver através da sua atuação. Assim nem vale a pena continuar.
Iza: "Raios. Penso que não dá para esconder."
Admite enquanto volta a guardar a pistola e a encarar Ner com vergonha.
Ner: "Estás meio esquisito, Iza. Quando te fiz a pergunta pela primeira vez ignoraste. À segunda acordaste, mas ficaste a agir de forma estranha. Pelo que vi, tu nem te lembravas que trazias uma arma contigo. Andas muito silencioso. Diz-me lá o que se passa."
Iza: "Espera...aqui e agora?"
Ner: "Sim. Ainda temos algum tempo antes da hora. Os nossos homens estão em posição nas traseiras da casa. Eles não nos conseguem ouvir. Sou só tu e eu. Por isso não tenhas medo. Desembucha."
Sim, agora que ele fala tudo isto começa a lembrar-se. O que Ner diz é verdade. Mas isso será suficiente para o convencer.
Bem, já viu que não vale a pena mentir. Não é muito bom ator. Ok. Se as coisas estão mesmo assim...terá de ceder. Então, ele olha para os lado de modo a verificar que estão só os dois ali. 
Quando confirma, ele começa a falar, num tom cabisbaixo:
Iza: "Eu estava a pensar no que estamos prestes a fazer. Não existe mesmo outra opção?"
Ner: "Outra opção? Pensando bem, talvez haja."
Iza: "Não pode...a sério?"
Pergunta-lhe com um novo ar esperançoso.
Ner: "Sim. O problema é que não sei se os outros concordarão. Especialmente agora que estamos em cima da hora. Mesmo que existisse outra forma, seria um caso perdido."
Iza: "É, tens razão. Até me tinha esquecido disso."
Diz num tom decepcionado. No que é que estava a pensar? É claro que não haveria forma de escapar a isto. Porque é que sequer ponderou que houvesse alguma forma de sair desta situação?
Ner: "Mas porque é que querias saber isso, Iza? Se me permites, é claro."
A sua sorte é que ele ainda é burrinho. Pode safar-se disto tranquilamente. O problema foi a resposta que recebeu. Não há um caminho de volta.
Terá de enfrentar isto quer queira ou não. Terá de a matar quer queira ou não. A gangue decidiu. Iza terá que prosseguir. E apesar do nervosismo não faz a menor ideia das consequências que este ato trará.
Iza: "Deixa para lá. São apenas uns pensamentos esquisitos que me surgem na cabeça a estas horas extremas."
Responde com uma desculpa esfarrapada. Ner a princípio não reage de forma esquisita. Porém. quando ele ia dizer a sua resposta...
Quill: "Ou talvez estejas apenas com medo de fazer isto. Também não é como se não estivesses a adiar isto há meses."
Iza: "..."
Ner: "Ah! Quill. Como é que estão as coisas? Não sabia que estavas aqui. Pensava que estavas com os outros a vigiar o alvo, mas tudo bem."
De trás dos dois surge Quill. O homem de negócios de aparência tão profissional quanto a sua personalidade. Vinha da escuridão. Do fundo do beco.
Enquanto Ner se surpreendia com a sua chegada, sem sequer estranhar a sua súbita aparição, Iza temia o que tinha a dizer. A sua entrada já o comprometeu. Nem quer imaginar o que vem por aí.
Quill: "Recebi mensagem dos capangas nas traseiras. O Jop e os outros informaram-me que a viram a preparar o pequeno-almoço a partir da janela da cozinha."
Ner: "Boa. Está tudo em ordem. Quando quiseres, Iza."
Eles estavam a pressioná-lo. Nenhum deles o fazia por mal. Quill estava apenas a informá-los. Essa é a sua tarefa. Porém, Iza sente que algo está mal.
Quill: "Espero que tenhas tudo pronto, Iza. Quero acreditar que não estive neste beco a decorar os padrões da família daquele teu amiguinho para nada. Foi quase um mês de trabalho para este momento. Não nos desapontes."
Com este discurso, ele sente que não pode aguentar. Iza tem algo que lhe quer perguntar.
Iza: "Desculpa por estar a perguntar isto e a desviar-me do assunto, mas estiveste a ouvir o que eu disse ao Ner?"
A pergunta parece ser aleatória. Para Ner é. Quill era inteligente o suficiente para perceber onde ele queria chegar. Deve estar a estranhar o porquê de ele só ter aparecido agora. Isso e o porquê dele ter dito aquilo.
Ner: "O que tu me contaste...porque é que estás a trazer esse assunto à tona? Era para ser um segredo."
Pergunta sem entender porque é que o seu amigo trouxe este assunto à tona no contexto em que se encontram.
Iza: "Tens razão. Porque era para ser. Acontece que acho que alguém ouviu o que dissemos."
Da mesma forma que iza foi descoberto por Ner, Quill é descoberto por Iza. Também decide não resistir. Sorri e revela tudo.
Quill: "Não te preocupes, Ner. Eu não vos quero mal. Porém devo admitir que ouvi o que disseram. Aqui o Iza tem mesmo atenção aos detalhes."
Disse ironicamente enquanto Ner ouvia tudo em surpresa. Já Iza escutava tudo com raiva nos olhos.
Quill: "Antes que me chamem de cusco, em minha defesa, estava a trocar mensagens com os nossos capangas. Fazia-o é atrás daquela parede. O que posso dizer?! A rede é mais forte lá. Já para não falar que foi ali que fiz o meu trabalho de casa para todos vocês. Eu simplesmente não pude deixar de reparar na vossa conversa enquanto fazia a minha parte."
Isto foi uma grande revelação para Ner, pois ele...
Ner: "Como assim? Pensava que estavas com os outros. Vi-te a ir ter com os outros quando chegámos ao local."
...pensava isto.
Quill: "Tive de fazer um desviozinho. O espaço está cheio. Desculpa por não te ter dito antes."
Ner: "O-Ok."
A sorte é que Ner não é muito inteligente. É quase como falar como uma criança. Fácil de enganar. Iza é que não cairá nestas desculpas que fazem o brutamontes esquecer do assunto.
Quill: "Isso lembra-me que é melhor prepararmo-nos. Segundo o nosso plano, tu és quem inicia tudo." 
Ner: "É verdade! Quase me esquecia. Tenho de ir andando. Começo em dois minutos. Não se atrasem."
Iza: "Não precisas de te preocupar."
Diz, fingindo estar tudo bem.
Quill: "Sim, vamos só dar uns últimos ajustes."
Ner: "Está bem. Vou adiantando as coisas."
Assim ele sai de cena. Vai de mãos vazias até à casa. Anda de forma pouco sorrateira, mas tudo bem. O que interessa é que ficaram só os dois.
Iza: "..."
Quill: "..."
Quill e Iza num beco. O homem de negócios vestido de mentiras e o líder capaz de vê-las. Fica um a encarar o outro. Com Iza sem saber o que vem.
Iza: "Agora estamos sozinhos."
Quill: "Pois é."
Iza: "Se em queres dizer algo, diz na minha cara. Porque é que estavas a espiar a nossa conversa em vez do lugar combinado."
Pergunta-lhe agressivamente. Os seus olhos estão mais acerrados do que nunca. Não quer mais mentiras. Só a verdade. Desta não dá para esquivar.
Quill: "Ok. Já que queres tanto, eu digo-te."
O sorriso desaparece do seu rosto. Fica completamente sério tal como Iza. E tal como este também fica com raiva nos olhos e coração. Ódio esse que passa para as suas palavras quando explica detalhadamente o que acha dele:
Quill: "Ouve-me bem, seu aspirante a líder. Podes ter todos estes homens à tua disposição, mas não sabes o que fazer com eles. Eu percebo isso. Vejo a pessoa que tu realmente és. E tu não passas de um rapaz que eprdeu o seu pai e está agora a ser obrigado a fazer coisas que não quer nem sabe fazer. Tu estás perdido. Isso está tão claro quanto o ceú num dia de Verão. Algo que pode não estar muito claro para o chefinho é que os seus próprios capangas estão a começar a fartar-se dele. Eu, pelo menos, estou a fartar-me disto. Mas para não ser só negativo, tenho de admitir que escolheste bem em fazer algo quanto a esta família. Tiraram-nos dienhiro e não devolveram. Gastaram-no e ficaram meses sem nos dar um cêntimo que fosse. E quando nos deram dinheiro, não chegava nem aos pés da quantia que lhes demos. Por isso, parabéns. Fizeste algo de bom pela primeira vez na tua vida. Estes tipos precisam de ser advertidos. Temos de lhes ensinar que não se brinca conosco. Os outros devem também cincordar comigo quando digo que estava mais do que na hora para fazer isto. Eu é que devo estar no limite, ao contrário deles que parecem ter uma paciência infinita para te aturar, incluindo o Ner. Devem ter demasiada esperança em ti e nas últimas palavras do Gareth..."
No meio desta sua confissão, ele pausa por um bocado. Isto levanta suspeitas. O que ele diz insinua a sua decisão. Esta pausa ajuda a suspeita.
Iza: "Tu...falas muita merda, mas...aonde é que queres tentar chegar?"
Pergunta-lhe sem desperdiçar a oportunidade para lhe fazer troça. Sente que está quase a chegar lá. Apenas precisa de um empurrãozinho de Quill que volta ao seu discurso, já farto desta conversa.
Quill: "É claro que eu menti ao Ner. Estive aqui logo quando pude. Foi só vocês virem para aqui que aproveitei para vir sorrateiramente até aqui por entre becos. Afinal, estive aqui durante meses a estudar os padrões e hábitos destes teus amiguinhos. Mas sabes porque é que eu fiz isto? Porque eu não confio em ti. E mais tarde ou mais cedo, os outros também ficarão assim. É uma questão de tempo até os outros quererem o mesmo que eu. É uma questão de tempo até, tal como eu, ficarem com vontade de sair desta gangue sem nome."
Agora tudo ficou claro. Estava mesmo a ver. Ele é que sabe. Se é mesmo isto que quer, ele fica a perder. Porém, há algo que o faz importar-se com esta saída e Quill explicou mesmo bem.
Quill: "Estou nesta gangue há quase tanto tempo quanto o Ner. Se ele era o braço direito do Gareth, eu era o seu braço esquerdo. Nós somos os membros mais experientes e respeitados que fazem o nosso grupo se destacar dos outros. Sem nós, pode-se dizer que a gangue torna-se mais um bando de fracotes que andam a brincar aos assaltantes. Sem nós os dois, esta gangue perderá muita da sua reputação, pois, desde que o Gareth morreu, eu e o Ner passámos a ser as únicas peças que nos tornam respeitados. Basta um sair e o equilíbrio vai-se. Assim, tornamo-nos num grupo de idiotas e o Ner, é claro."
Iza: "Hunf. Tu és mesmo corajoso para me dizeres isso minutos antes de pormos o plano em ação."
Quill: "Não foi coincidência. Considera isto como um ultimato ou uma ameaça. Esta é a última cahnce que te vou dar."
Iza: "Chance?"
Quill: "Vou deixar-te executar o plano. Tudo enquanto eu vou observar à distância com toda a atenção. E se eu te vir a escolher não premir o gatilho ou a hesitar por um segundo que seja e podes ter a certeza que eu sairei deste grupo. Vou ter com outros grupos. Eles também trabalham para o mesmo comprador. Não é como se eu fosse perder muita coisa. Ao menos estarei em grupos que têm um líder de jeito. Ouvi dizer que em Nova Iorque têm uma organização criminosa muito boa. Talvez vá ser aí que eu vou se não aprovar a tua performance hoje. Parece um bom negócio, não é, Iza?"
Deixando o seu líder com uma cara críptica ele vira-lhe as costas. Sem mais nem menos começa a andar para dentro da escuridão, de volta ao beco.
Quill: "Vou fazer o caminho de volta. Tu sabes o que tens de fazer. Não falhes esta oportunidade,  Iza. É agora ou nunca."
Com esta última advertência ele torna-se invisível. É envolvido pela escuridão e desaparece. Deixando Iza em dúvida quanto ao que fazer.
Por muito que se esteja a borrifar para Quill, as implicações que a sua saída provocarão são capazes de afetar a sua reputação. A reputação de toda a gangue. Vale mesmo a pena tirar uma vida por isso?
Não é qualquer vida. É a vida da sua amiga. Sabe que tem de o fazer. A pistola está no bolso. A única coisa a separar a bala do crânio de Maria é a sua vontade. Ele é quem decide tudo.
As coisas acabaram de ficar mais complicadas. Como se os seus sentimentos contraditórios não fosse o suficiente ainda tem de levar os outros em consideração. Qual deles é mais importante?
Depois de algum tempo a olhar para a escuridão, ele vira-se para a casa de Damian. O palco do plano. O tempo está a chegar. Terá de agir rápido e sem tempo para pensar. 
Não há tempo para nada. Nem se decidiu e já tem de agir. Esta é a vida que escolheu. Mas valerá mesmo a pena? Haverá outra maneira?
Estas são perguntas que ficam na sua cabeça enquanto passa pela estrada vazia naquela manhã. Com a pistola no bolso e as esperanças dos seus capangas na sua decisão. A decisão que terá de tomar no momento.

Damian: "..."
Sarah: "É já aqui."
Informa enquanto conduz firmemente. E por sua vez, Damian está a olhar para o bloco de notas. Nem está aberto. Ele olha para a capa.
Esteve assim a viagem inteira. Claramente não tem a cabeça no presente. Pensa no que aconteceu há bocado e possivelmente em outras coisas.
Damian: "..."
Sarah: "..." 
Ela sente que é melhor ignorar por ora. Estavam mesmo a chegar ao local onde planearam jantar. A secretária procura um lugar para estacionar e antes que pudesse dizer algo, tem já o carro estacionado.
Sarah: "Certo. Já está."
Diz, ao travar o carro e a tirar a chave.
Damian: "..."
Sarah: "Tenho de ir devolver o carro ao Daniel depois, por isso é melhor não nos atrasarmos."
Rapidamente ela pega na mala que tinha deixado no assentos de trás. Bastou estender os braços ao máximo. Ia sair quando viu que o seu colega parecia surdo.
Não se moveu um centímetro. Ele já nem a ouve. Anda completamente absorvido no passado. O que é que aconteceu naquele apartamento?
Com um sentido de urgência ela arranja uma forma efetiva de o tirar do transe. É simples. Estala-se os dedos enquanto se fala e...
Sarah: "Damian! Estás a ouvir?"
*Snap* *Tlec*
Os olhos até piscam pela primeira vez em todo o percurso. Como se lhe tivesse sido atirado um balde de água fria ele acorda do sono.
Damian: "Sarah. Ah, desculpa. Estava...com a cabeça em outro lado."
Diz, finalmente tirando os olhos do bloco de notas em sua mão para a encarar.
Sarah: "Não precisas de dizer nada. Anda. Chegámos ao local. Temos pouco tempo. Sei que tu tens as tuas coisas, da mesma forma que eu tenho as minhas coisas."
Fala ao abrir a porta do carro para sair. Acho que terá de guardar as explicações para depois. Sarah sai do carro com a sua mala.
Também seve fazer o mesmo. Esteve demasiado tempo a pensar naquele bloco de notas. Na verdade, passou o dia inteiro a pensar. 
Este jantar está marcado há muito tempo. Pode ser um boa oportunidade para distrair um pouco do que tem acontecido. Para largar este caderno.
Seguindo os passos de Sarah, ele pousa o bloco de notas em cima do tabliê. Abre a porta do carro e sai ainda sonâmbulo, mas lentamente recuperando. 

Ele sai do carro para encarar o céu da noite que está quase a chegar. O sol está mesmo quase a pôr-se. Daqui a pouco virá a lua.
Mesmo assim ele segue adiante. Apressa o passo e vai com Sarah pelo passeio. Olha para a frente e vê o restaurante. Restaurante? É mais uma tasca.
Damian: "Este aqui é o restaurante?!"
Pergunta enquanto caminham em direção à entrada como se estivesse decepcionado.
Sarah: "Bem, eu não tenho muito dinheiro para gastar. Presumo que tu também não. Só de termos um lugar para conversarmos já é bom."
Damian: "Pois..."
Sem argumentos ele limita-se a seguir a mulher de mala à volta do ombro. Os dois passam por entre as cadeiras de plástico na esplanada e entram.

Eles entram e são presenteados com um clima que mais se aproxima a um cervejaria. Não está muito cheia. Para dizer a verdade, está vazia.
Talvez porque todos devem estar a jantar em lugares melhores.

E principalmente por causa das recomendações da polícia.
Porque hoje ninguém deve ficar muito tempo fora de casa. 

As luzes estão fracas. Dá vontade de dormir só de lá estar. O cheiro é a álcool. Um cheiro de lado.
Deixando de lado as aparências, eles seguem por entre as mesas de plástico. Passam pelas mesas que ficavam habitualmente cheias de velhotes que mais se queriam era divertir. Mas a caminhada acaba rapidamente.
Sarah: "Está aqui a nossa mesa. Fiz bem em reservá-la. Se bem que não estava com muita competição tendo em conta o que a polícia disse. Também porque é escusado estar a falar com um empregado para arranjar lugar para comer."
Diz, enquanto se senta com pressa na mesa de plástico e pousa a mala no chão. Damian segue a deixa e também se senta.
Damian: "Andas mesmo com pressa."
Comenta ao ajeitar-se na cadeira sem tirar o casaco onde tem a arma. 
Sarah: "Que posso fazer? O Daniel deu-me as suas chaves. Não posso fazê-lo perder a confiança que depositou em mim com o tempo. Também ficaria mal se ele não tivesse viatura para o levar a casa."
Damian: "Coitado. Ele não merece isso. Especialmente ele que trabalha tanto."
Sarah: "Ou ele é workaholic ou é mesmo maluco. Ninguém de vontade própria quereria sair do local de trabalho quase à meia noite."
Damian: "Eu não consigo. Quero logo ir para casa o mais cedo possível para ver do Jeff. Sei que tu também deves querer o mesmo, por muito que tentes passar a imagem de que és sempre certinha."
O que aconteceu durante a manhã pode ter revelado quem realmente é. Até a irrita saber que teve de ser Damian a quebrá-la. Sarah aguenta um pouco essa raiva e responde-lhe com garra:
Sarah: "Nem vou falar muito disso para não me irritar. Mas depois desta manhã as pessoas só me olhavam de forma estranha, como se passasse a ser uma pessoa normal ao invés de uma secretária respeitada. Mas ao menos o Daniel não descobriu."
Interrompendo esta rápida comversa dos dois, chega a recepcionista. Vem com um bloco de notas na mão. Lembra Damian de algumas coisas...
Recepcionista: "Olá, boa tarde. Ou devo dizer boa noite? Não importa. Sejam aqui bem-vindos ao 'Wertig'. Vão desejar a ementa? Talvez um couvert? Algo que possa dar sabor a este final do dia que, devo avisar, não pode durar muito, já que, seguindo as recomendações das autoridades terá de fechar antes das 20 horas."
Sarah: "Ok, sem problema. E não será preciso. Vamos só beber. A não ser que aqui o meu colega queira algo."
Adianta-se olhando a empregada nos olhos. Por sua vez, Damian é apanhado um pouco de surpresa com a chegada e rapidez daquilo tudo. O bloco de notas também o tirou um pouco da realidade.
Damian: "Ah, comigo não. Vou querer só um Whisky se tiver, por favor."
Responde voltando à realidade. 
Sarah: "Para mim, pode ser uma água."
Recepcionista: "Ok."
A mulher aponta o pedido no bloco de notas que continua a atraiar tanto a atenção de Damian. Quando acaba de escrever ela repete tudo.
Recepcionista: "Uma água e um Whisky. Volto já."
Sarah: "Muito obrigado."
Damian: "Sim, muito obrigado."
A senhora deixa os dois colegas que mais parecem um casal unidos naquela mesa. Voltando a estar sozinhos, a conversa retoma num tom mais íntimo.
Sarah: "Whisky. Não sabia que bebias."
Comenta, estranhando aquele pedido que é bastante incomum para o seu colega.
Damian: "E não bebo. Mas em dias como estes sinto falta de algo para me acalmar."
A sua resposta soou alarmes em Sarah. Ela que tinha marcado este jantar para discutir sobre os costumes estranhso de Damian vê ali uma oportunidade para puxar esse assunto.
Esta resposta que o seu colega disse parecia vir com um gosto triste. Tem algo pessoal ali. Pela forma como falou para despachar é notável.
Sarah: "É curiosa essa tua escolha de palavras. Disseste que ia te 'acalmar'."
Damian: "Sim, porquê?"
Pergunta com um certo medo dela se intrometer demasiado na sua vida e nos seus segredos.
Sarah: "Lembrou-me de algo."
Damian: "Bom ou mau?"
Fala com os nervosismos à flor da pele.
Sarah: "Nenhum dos dois. Trata-se de um pedaço de informação de que me lembrei."
Ela cruza as pernas e aprofunda-se mais na conversa.
Sarah: "Há algum tempo estava a ver televisão com os meus pais. Era um daqueles canais de história. Lembro-me de ser uma seca. Se fosse por mim, não via aquilo, eles é que são velhos e interessam-se nesse tipo de coisas. Mas algo que me lembro era de estarmos a ver um documentário sobre a exploração mineira num país europeu qualquer. Algo que me ficou na cabeça por alguma razão qualquer foi uma frase praticamente inútil no meio do contexto grandioso do documentário. Inútil e ainda assim ficou-me na cabeça até hoje."
Damian: "Qual é essa 'peça de informação'?"
Pergunta, sentindo que ela está perigosamente perto de o conseguir ler como Daniel consegue. 
Sarah: "Os mineiros. Têm um trabalho muito estressante. Rebentam explosivos para abrir caminhos e cavernas. Deves imaginar que eles se sintam nervosos. Naturalmente, eles ficam habitualmente com as mãos a tremer. E sabes o que é que eles faziam para evitar isso e melhorar o foco na tarefa em mãos?"
Damian: "Não faço a mínima ideia."
Sarah: "Eles bebiam Whisky. Levavam em pequenos cantis. Daqueles que se vê nos filmes, que nem tu ou eu temos muito tempo para ver. Curiosamente eles também consumiam bebidas alcoólicas para se acalmarem. Tal como tu, Damian."
Damian: "..." 
O seu discurso deixa muitas sugestões. Damian percebe onde ela quer chegar. Apanhou-o bem. 
Com esta perspicácia toda, parece que aprendeu com alguém como se lê uma pessoa. Não esperaria menos da secretária do Daniel.
Porém terá de arranjar forma de ocultar estes seu segredos pessoais que Sarah tanto quer desvendar por preocupação para com o seu amigo. E ele acha que tem forma de o fazer.
É deixar de estar tão sério. Relaxar um pouco a cara e aliviar tensão para deixar parecer que não é nada demais. Pôr um sorriso para depois...descontrair.
Damian: "Ok. Estás a sugerir que eu sou mineiro?"
Comenta num tom brincalhão para disfarçar o quão nervoso ela o fez sentir.
Sarah: "Ha. Essa foi boa, mas não. Refiro-me a algo mais sério. Algo que, embora saiba que não é da minha conta, quero saber como tua amiga. Algo mais pessoal."
Damian: "..."
Aquele risinho que ela deu foi claramente falso. A sua tática não funcionou. Se fez alguma coisa foi lançar mais suspeitas para si próprio. O que vale é que veio ajuda no momento mais inesperado.
Recepcionista: "Com licença. Trago aqui a água e o Whisky que pediram."
Informa segurando um tabuleiro de metal com as bebidas. Veio mesmo a tempo de o salvar.
Sarah: "Pois é. Quase me esquecia."
Diz, sem conseguir tirar a cabeça do assunto.
A mulher entrega a garrafa de água a Sarah com um copo de vidro à parte. Para Damian, um copo de vidro enchido até ao meio com Whisky e cubos de gelo. 
Recepcionista: "Está tudo. Se precisarem de alguma coisa, basta chamar-me."
Damian: "Muito obrigado."
A senhor sai outra vez, deixando os dois sozinhos após esta interrupção. Terá de aproveitar esta oportunidade.
Está ciente de que ela ainda não se esqueceu de onde tinham parado, por isso cabe-lhe a ele fazê-la esquecer. Fará isso trazendo outro assunto à tona. Pondo outro assunto em cima da mesa. 
Damian pega no copo e dá um gole. É forte. Até faz uma cara estranha, mas é o que precisa para se acalmar. Se quer ser credível, precisará de se manter calmo.
Damian: "Então...como tem andado a tua família?"
Pergunta, tentando arranjar outro tema para se esquivar das suas suspeitas. Acontece que ele é capaz de o ter feito da forma mais suspeita possível. Não enagana ninguém.
Sarah sabe disso e com o seu tom sério decide entrar nesta enganação de vontade própria. Só para saber onde ele quer chegar.
Sarah: "Ainda bem que perguntas. A minha família tem estado bem. Os meus pais estão velhos e muito saudáveis. Felizmente não tiveram nenhuma doença inesperada."
Damian: "Sim, isso é bom saber. Especialmente porque os meus pais não tiveram a mesma sorte."
Sarah: "..."
Agora não faz a mínima ideia do que ele está a fazer. Parecia querer afastar-se da sua vida pessoal e ainda  assim estava a levar a conversa para aí. O que é que ele quer?
Damian: "Os meus pais morreram há quase dois anos. Ainda a Maria estava viva e namorava com ela. Já tínhamos tido o Jeff e tudo. Eu trabalhava no 'The Right'. Trabalhava para me sustentar a mim, à minha mulher desempregada e louca por tocar guitarra, ao meu filho de felicidade imensurável e também aos meus pais. Eles que não tinham muito dinheiro. Eu também não, mas, pelo amor que tinha por aqueles velhotes, eu dava o meu melhor no trabalho para ter dinheiro suficiente para os manter vivos nem que fosse por mais um dia. As reformas dão dinheiro, porém, no caso deles, não eram suficientes para lhes pôr comida na mesa. Deves entender como é. A Maria tinha os mesmos problemas com os pais dela que, na época, já tinham morrido de idade e apenas deixado despesas, mas isso não importa. Pois...pelo que me contaste os teus pais passam pelo mesmo."
Sarah: "E é por isso que trabalho com tanta seriedade no escritório."
Damian: "Posso dizer o mesmo de mim naquela época. Mas...aquele espírito que tinha...pode-se dizer que quebrou um pouco ao receber àquela notícia."
Sarah: "..."
Antes que venha a revelação de que já tem conhecimento, ela abre a garraf de água e coloca um pouco no copo. Quando volta a pousar a garrafa na mesa de plástico, Damian retoma:
Damian: "Foi um dia muito esquisito. Era um sábado. Por volta das horas de jantar, como agora. Tinha a Maria e o Jeff à mesa a comer uma massa instantânea que ainda adoro. Isto quando recebo uma chamada. Não era uma voz familiar. O homem do outro lado rapidamente identifica-se. Disse que era um médico e informou-me do que se passava. Já temia o pior ao receber uma chamada àquelas horas. Ia mesmo fazer a típica chamada aos meus pais depois de jantar, mas parece que o mundo não queria. Pois...recebi a notícia logo ali do médico...do próprio homem...ele foi quem me contou...contou-me que...eles tinham morrido."
Sarah: "..."
Ela teria sentido-se pior se já não tivesse conhecimento disto. Se não soubesse que ele andava a mascarar algo. A secretária bebe um pouco da água e continua a ouvir aquele monólogo melancólico.
Damian: "A causa da morte era inicialmente um mistério. O próprio médico parecia ocupado. Não me contou muitos dos detalhes. Nem como morreram nem onde morreram. Fiquei o resto da noite todo depressivo. Nada me podia aconchegar. Nem o amor do Jeff ou os abraços da Maria. Isolei-me por completo do afeto deles para reorganizar o meu pensamento. Tinha que trabalhar dali a dois dias. E eu não fazia a mínima ideia de como o iria fazer. Não aguentei. Por muito que tivesse tentado suprir a tristeza, trancado no quarto, acabei por ceder. Os sentimentos vencem sempre. Até que recebi uma mensagem. Era do tal médico outra vez. Li-a com um olhar críptico e o rosto molhado das lágrimas. A pergunta que tinha antes tinha sido respondida. O dia estava longe de ser bom, mas pelo menos consegui alguma finalidade ao assunto. Terminou e acabou no mesmo dia. Não precisei de ficar meses a chorar e a matar a minha cabeça ao teorizar o que é que poderia ter feito de diferente, o que é que os tinha matado..."
Sarah: "..."
Damian: "Eu nunca contei isto a ninguém, mas os meus pais corriam muito. Tinham a mania de perder calorias mesmo àquela idade. Sempre antes do jantar, sem faltas, iam fazer uma corridinha. O problema é que eles não viviam propriamente num lugar bom para corridas. A casa deles era um pouco isolada. Num bairro com grande zona florestal e ravinas. Muitas ravinas."
Sarah: "..." 
Damian: "Sabendo disso eu dava de tudo para eles terem dinheiro para umas consultas. Tu sabes...no caso de terem alguns problemas. Naquela idade qualquer coisa é fatal. Mesmo o menor dos ferimentos. E eu avisei-lhe disso. E eles também sabiam disso. Até porque...um dia, numa dessas corridas, o meu pai torceu o pé. Felizmente tinha algum dinheiro acumulado e ofereci-me para pagar um tratamento. O coitado ficou lá dois meses até lhe porem o pé de volta ao lugar. Saiu de lá capaz de andar, mas teria de esperar alguns meses para voltar a correr. Hunf. Mesmo quando ele parecia recuperado, voltava sempre ao médico para umas consultas. Isso quando podiam ir ao médico, pois nem sempre tinha dinheiro suficiente para lhes mandar. Que malucos..."
Sarah: "..."
Damian: "Mas o dia chegou. Após 3 meses, eles voltaram a correr. Ainda lhes aconselhei a não irem, mas parece que não absorviam nada do que eu dizia. Queriam era ir correr. Não só pelo desporto como também...como forma de divertimento. Era inevitável. Depois de tantos dias, tantas semanas, tantos meses a correrem riscos, teve de vir o dia onde eles teriam de pagar por toda a sorte que tiveram. O próprio médico contou-me sem dar muitos detalhes, mas...eles decidiram ir correr para um lugar mais repleto de árvores que o normal. Um lugar novo que nunca tinham percorrido. Naquela inocência e boa disposição de sempre, aventuraram-se e...pelos vistos foram parar num lugar mais alto de onde esperavam. O meu pai...foi o que mais se aventurou apesar das suas limitações e recente recuperação não total do incidente passado. Ele...foi parar a um relevo bastante inclinado, uma espécie de ravina escorregadia. A minha mãe seguia atrás dele como sempre, por isso nem o pôde impedir. O meu pai...ia tão feliz por estar a correr depois de tanto tempo parado que...nrm prestou atenção ao piso. A minha mãe gritava ao fundo para ele se acalmar um pouco, para abrandar, mas ele não ouvia. Seguia com um sorriso no rosto e...acabou torcer o pé...novamente...numa descida que por lá havia...uma descida com pouco suporte, o cimo de uma espécie de ravina que, a partir dali, era só a descer. Uma descida de 20 metros que levaria à morte de alguém. E o meu pai...desiquilibrou-se ali...acabou por cair e rebolou até bater com a cabeça num duro chão de rochas que ficaram pintadas de vermelho. Quanto à minha mãe...ela chegou ao local mais perigoso que o normal e estranhou não o ver...olhou para todos os lados...permanecia sem o ver até ter olhado para baixo. Claramente que ela entriu em pânico. Com todo o desespero tentou ajudar, mas...foi em vão. Não caiu como o meu pai. Ela é que ficou demasiado estressada. Viu o marido morto lá em baixo e começou a hiperventilar. Não desmaiou. Usando a pouca força que tinha tentou arranjar um descida. Por alguma razão, em toda aquela situação desesperadora, foi a única coisa que lhe veio à cabeça. Ela andou por ali às voltas, tremendo da cabeça aos pés até encontrar uma boa forma e...nesse instante...por choque e nervosismo...numa mistura com alívio, ela...desmaiou. As autoridades só chegaram tempo depois. O meu pai morreu e a minha mãe...bem...era tarde demais para receber ajuda médica. E...todos estes detalhes...não estavam incluídos na versão do médico. O que esse me tinha dito é que tinham ido correr e houve um problema inesperado. Teve de ser a polícia a resolver o crime com base em informações que lhes dei num interrogatório por telemóvel. Por isso na época nem fiquei assim tão esclarecido."
Sarah: "..."

Damian: "Isto que te estou a contar...pode parecer idiota a alguns a forma como morreram. Foi tão fácil e estúpido, mas...sabes como é naquelas idades. Uma pequena disrupção no funcionamento leva a outras grandes disrupções que levam a que situações como estas aconteçam." 

Sarah: "..."
Damian: "Quando recebi a notícia da morte deles fiquei logo com a ideia de que poderia ser isso. Apenas não queria acreditar, pois fazê-lo significaria que eu...que eu teria sido o principal culpado das suas mortes. Eu...não consegui fornecer-lhes a ajuda que eles necessitavam a tempo. Fiquei com essa culpa toda até vir a próxima tragédia. Essa que aconteceu faz hoje um ano..."

Sarah: "A Maria...sinto muito pelo que aconteceu. Ela estava no ligar errado à hora errada..."
Damian: "Sim, quero acreditar nisso."
Apesar de saber que Damian planeava algo, ela não consegue impedir o facto de se sentir mal por ele. O que lhe aconteceu...ninguém merece. 
Ela nem quer imaginar como ficaria se os seis pais morressem. É admirável o facto de ele ter passado por tragédia atrás de tragédia e continuar em pé.
Usando um pouco a cabeça dá para perceber que talvez essa seja a razão. Talvez seja por isso que ele age de forma tão estranha. Talvez ele só precise de umas palavrinhas para o alegrar. 
Sarah: "Um ano passou-se...sei que tu ainda deves estar a sofrer. Eu certamente estaria. Mas isso apenas mostra o quão forte és. Teres visto tantas pessoas a morrer e mesmo assim continuares a querer seguir em frente...é admirável. Ainda por cima, deves ter essa dor amplificada. Porque nem sabes quem foi o responsável pela morte da tua mulher. Para ti...foi só uma bala perdida, não é?"
Damian reconhece a mentira que contou aos seus colegas para esconder a dua relação com os criminosos. Poderia ter inventado algo melhor...
Ele acena confirmando a mentira. 
Damian: "O pior é que...calhou-me no pior momento. Eu e a minha mulher estávamos a trabalhar que nem loucos. Tudo para compensar aquela perda. Afinal, com a morte dos meus pais, não recebi nada. Eles eram tão pobres que não me poderia dar nada de herança. A casa onde viviam era alugada a uns amigos deles, inclusive. Por isso tinha agora de trabalhar só para mim enquanto lidava com a morte deles."
Sarah: "E agora? Sentes que o mesmo se aplica ao presente?"
A secretária continua à procura de resposta. Damian dá um gole na bebida para saber o que fazer. E decide-se logo quanto ao que fazer.
O álcool acalma mesmo. Faz-nos tomar decisões mais sensatas se tomado em pouca quantidade. O que decidiu? Parar de resistir.
Estaria apenas a ser teimoso. Sarah quer saber. Ela é sua amiga. Fez isto tudo para saber. Mais vale não esconder mais. Por ela. Pela sua amiga.
Damian: "Para te ser sincero, sim."
Sarah: "..."
Até ela se inquieta na cadeira. Toma um pouco de água. Conseguiu convencê-lo a parar de deixar tudo para si. Resta ouvir o que ele tem a partilhar.
Damian: "Trabalho sempre com o que aconteceu naquele dia na minha cabeça. Com o sangue dela sempre na minha escadaria. O corpo sem vida dela...nunca por um segundo me saiu da cabeça. Sem ofensa aos meus pais...pois a morte da Maria apenas veio substituir essa dor. Agora trabalho pelo meu filho. Ele é o emu tesouro. A única coisa que não me prende totalmente ao passado. Trabalho para que não me vá arrepender no futuro. Se não fosse por ele...já estaria perdido há muito..."
Sarah: "Todos temos algo pelo qual lutámos..."
Damian: "...apenas temos razões diferentes para o fazer."
As semelhanças tornam-se aparentes. Há algo que os une mais do que as personalidades deles. Isso é as suas vivências tão diferentes e ainda assim tão semelhantes.
A morte acaba por afetar a todos. Damian é a principal vítima. Isso explica porque é que ele tem andado tão esquisito. Isto pela interpretação de Sarah. Sem fazer ideia de que havia algo mais ali, ela tenta reconfortá-lo à sua maneira.
Sarah: "Já deves ter percebido que eu quis fazer este jantar para falar contigo. É que tenho reparado que andavas muito estranho. Como se não estivesses neste mundo. Com a cabeça em outro lado. Agora recebi as respostas que eu precisva. Por isso eu tenho de te agradecer. Não só por teres aceite este meu convite, como também por teres tido a coragem para me contares isto tudo."
Damian: "Não é sacrifício nenhum meu. Surpreendo-me de ainda não ter começado a chorar."
Comenta no mesmo tom melancólico, mas mantendo-se sério e capaz de acreditar na mentira que ele próprio criou.
Sarah: "Também me admiro disso. Tenho a certeza que já disse isto, mas eu certamente já estaria esvaída em lágrimas. Agora tu, tu já passaste por mais tragédia do que eu. Estás mais acostumado a esse tipo de dor. Mais do que eu, apesar de seres mais novo que eu."
Damian: "Então sempre admites que és velha."
Sarah: "Não me venhas com essas piadas agora. O que eu te estou a dizer é um conselhos. Algo de um amigo para o outro. Umas palavras para um amigo que está em baixo."
Damian: "..."
Sarah: "Isso e para te reconfortar. Porque sei o quão triste este dia é para ti. E a última coisa que quero ver é um amigo meu triste. Vi que fiz bem em ter marcado isto com antecendência. As minhas preocupações confirmaram-se com estes dias que passaram. É verdade que ontem estiveste ausente, porém, nas poucas vezes que te vi, senti-te completamente ficado em outra coisa. Não sei como vai a tua vida e não me quero intrometer, todavia, mesmo ontem, tinha quase a certeza de que este teu comportamente se devia ao que esta data simbolizava, pois nem no dia de aniversáruo do teu filho te conseguias esquecer dela."
O que ela diz é verdade. Damian reconhece que existe algo a mais, nomeadamente os problemas que Iza trouxe, mas de resto ela está certa. Mas ainda não chegou a saber a sua opinião atual nele.
Damian: "Sim, reconheço que ela esteve na minha memória nestes dias todos. Agora, diz-me, tendo visto o meu comportamento nestes dias, incluindo hoje, essa tua suposição mantém-se?"
Pergunta continuando com a mentira ativa.
Sarah: "Depois de hoje...hoje que te vi muito carinhoso do que o normal...a princípio estranhei. Pensei que talvez a conversa com o Daniel tivesse apaziguado a saudade, porém, quando te vi no carro, percebi que a memória estava apenas adormecida. Bastou passar a felicidade da conversa que tiveste com o Diretor que logo voltaram as memórias, desencadeadas só pelo facto de te encontrares no aniversário da morte dela. O Damian que vi no carro...era o Damian que já se tinha lembrado do dia em que se encontrava. E quando voltaste da entrevista, a coisa só deve ter piorado. É claro que, tal como na conversa com o Daniel, não sei nem quero saber o que vocês os dois conversaram, mas...uma coisa é certa...pode ter sido uma palavra...uma menção...ou uma dor partilhada...as memórias apenas se intensificaram. O Damian que voltou a entrar no carro era um Damian longe do presente."
Damian: "..."
Sarah: "Espero estar a interpretar tudo da forma certa." 
Damian: "..."
E ela está mesmo certa. Apesar de ele lhe estar a ocultar tantas peças de informação que ela quer, tem de a parabenizar por compreendê-compreendê-lo melhor do que a si mesmo.
Mexendo nervosamente no copo com um resto de Whisky, ele pensa no que aconteveu hoje. Vai confirmando que cada teoria dela estava certa, na sua maioria. Mais vale confirmar tudo como certo, nem que seja para fazê-la acreditar mais nas suas mentiras. E isso lembra-o de algo...que existe muita mais coisa para fazer...hoje à noite...
Damian: "Não te preocupes, Sarah. Tu estás certa. Foi isso o que aconteceu."
Sarah: "Hunf. Bom saber. E ainda nem tinha falado sobre o bloco de notas. Que, por sinal, diz-me que não o trouxeste para aqui."
Damian: "Haha. Seria bom, mas não. Deixei-o em cima do tabliê."
Sarah: "Graças a Deus. Ficaste a viagem toda a olhar para a capa daquilo que, por sinal, não tem um cheiro muito agradável."
Damian: "Se achas aquilo mau, espera até veres o apartamento do tipo. Mal conseguia respirar ali inicialmente de tão malcehiroso que estava."
Sarah: "De qualquer forma, o que é que aquele caderno tem? Novamente, se tiver alguma coisa a haver com a conversa que tiveram, então não quero saber. O caso é teu. Fazes o que quiseres com a informação que te dão. Porém, estaria a mentir se dissesse que não estou curiosa."
Damian: "Quanto a isso..."
Tem tanto por detrás daquele bloco de notas. Explicar a sua fixação com ele significaria falar sobre Jeff e o que ele tem passado e isso também o levaria a falar de Iza.
Anda a evitar falar disso ao máximo. Gostava que ela soubesse, gostava de desabafar um pouco do que tem passado, mas não a quer pôr em perigo.
Damian: "Sabes que mais? Deixa para lá. Ficaríamos aqui durante uma hora. Também teria de entrar em assuntos mais pessoais."
Sarah: "Compreendo. Ok. Não vou tocar muito no assunto, porém...acho que fica complicado quando pareces preso àquele bloco de notas."
Damian arregala os olhos com a volta que a conversa dá. Os seus pés ficam mais inquietos dos nervos que se acumulam. Tudo complicou.
Ela própria disse que não queria entrar em assuntos muito pessoais. Pelos vistos existe uma excepção a essa regra. E é quando estes segredos afetam aqueles que lhe são próximos.
Damian: "..."
Sarah: "Eu sei. Posso estar a ser teimosa. Eu sei. Estou a contradizer-me. Mas simplesmente não consigo ignorar o facto de sentir que tens andado a esconder algo durante toda esta conversa. Há bocado olhaste para o bloco de notas da empregada. Eu reparei nisso e foi o que bastou para levantar as minhas suspeitas. Há algo a mais. E julgo que o caderno não é a única coisa."
Estas acusações...talvez ele tenha celebrado demasiado cedo. A secretária toca mesmo na ferida. E não vai tirar de lá o dedo até saber o que se passa.
Tem poucas formas de sair dali. As palavras são a sua melhor. Mesmo assim não lhe garantem a vitória. Este é o momento em que precisa de estar o mais calmo possível.
Ele toma o último gole do Whisky. Agora tem o copo vazio. Pode não ter sido a melhor ideia. Sim, ficou mais calmo, mas mais suscetível a deixar informação escorregar. É preciso fazer sacrifícios.
Damian: "Tu...isso que dizes...não faço a mínima ideia de que falas..."
Fala, numa tentativa de atuação terrível graças ao efeito do álcool.
Sarah: "Então explica-me porque é que estavas a olhar para o bloco de notas da empregada. Porque é que demoraste tanto tempo a ir pedir-me boleia. Porque é que parecias estar fora de ti ontem quando te fui chamar. Porque é que tens estado tão suspeito mesmo quando as memórias da Maria não aparentam estar presentes. Tem algo a haver com o teu filho? Ou será algo a mais que eu não saiba? Algo que te é recordado todos os dias. Algo que te tem andado a inquietar. Algo que pode ter origem no passado, mas é um problema que tens de resolver agora, no presente."
Damian: "..."
Tem de admitir que ela é astuta. Capaz de o decifrar num nível que apenas pode ser comparado ao do Daniel.
Não tem muita escolha. As suas próximas palavras podem decidir tudo. Revelar o seu segredo ou mesmo convencê. Precisa é de manter a postura.
Damian: "Bem, não sei onde é que foste buscar essas capacidades investigativas. Por acaso és capaz de ter aprendido com o Daniel. Mas brincadeiras à parte, algo que me confunde é o facto de subitamente te interessares na minha vida pessoal."
Aponta-lhe a hipocrisia como ato de defesa.
Sarah: "Tens razão. Ainda há bocado disse que nào queria meter o nariz onde não era chamada. E ainda não o quero, mas...simplesmente não consigo ver um amigo meu a sofrer e não fazer nada. Se há algo que te tem incomodado, conta-me. Eu farei de tudo para te ajudar."
Damian: "Ok. Continuo é sem perceber porque é que mudaste de ideias."
Sarah: "Isso é porque mesmo depois de desabafares, não parecias mais calmo. Nada tinha mudado. Olhei bem para os teus olhos e conlui com certeza que tu estavas na mesma."
Damian: "..."
Sarah: "Já desconfiava, mas agora estou certa disso. As tuas respostas também não te ajudaram muito. Talvez seja pelo efeito do álcool que tenhas te tornado tão mau mentiroso."
Damian: "..."
Nunca tinha visto este lado dela. A secretária inocente e infantil tinha desaparecido. Talvez nunca a tinha visto assim, pois nunca a teve como inimiga, embora já se tenham zangado amigavelmente no passado.
São momentos como estes que o fazem perceber o quão boa de uma jornalista ela é. Graças a estas suas capcidades foi capaz de subir na hierarquia. Mas o que a está a dar facilidade no combate é o facto de conhecer o adversário.
Damian: "Nunca soube que tinhas essas capacidades."
Sarah: "Sempre aprendo umas coisas ao aturar o Daniel durante o dia todo."
Damian: "Mas vê-se que não és tão boa quanto ele. O Daniel já teria a certeza de algo só do modo como a pessoa se sentava. Ele demoraria menos. Ainda assim tenho de te dar os parabéns. Tens algumas capacidades como as dele, se bem que eu não tenho a certeza se chegarias a essa conclusão se não me conhecesses tão bem."
Sarah: "O-Ok. Vou levar isso como um elogio. E posso estar a interpretar mal as coisas, mas também o interpreto como uma confissão. Estou certa?"
Pergunta enquanto se inclina para a frente na cadeira de modo a colocar pressão. Damian mantém a calma para se decidir.
Vê que não tem muito a favor. Mesmo que siga com a mentira, corre o risco do álcool o sabotar. Está a correr tantos riscos que talvez o melhor seja...
Damian: "Pois. É capaz."
...admitir.
Diz, ele com um sorriso pouco orgulhoso no rosto. Sorriso posto para esconder a vergonha que sente por não ter sido capaz de continuar com a farça que tinha posto durante anos.
Sarah: "..." 
Sarah aconchega-se mais na cadeira sem saber o que achar. Não sabia se considerar aquilo uma vitória ou perda. Afinal, ele confessou com alguma facilidade. 
Teria de haver algo a mais. É capaz de isto ser uma mentira. Ou...é mesmo a verdade. Parece que está a jogar um jogo de xadrez em 4D de tanta confusão.
Damian: "..." 
Sarah: "Com que então vai ser assim. Assim tão facilmente. Até eu estranho."
Damian: "..." 
Damian deixa o sorriso desaparecer. A vergonha que tinha desapareceu com o que a sua amiga disse. Lembrou-o de que não quer ir mais adiante na conversa.
Damian: "..." 
Sarah: "Não resisitiste durante muito tempo. Mal argumentaste comigo. O álcool afetou-te assim tanto?!"
Indaga num tom indignado.
Damian: "..."
Sarah: "Ok. Assim sendo, resta saber o que escondes."
Damian: "..."
Sarah: "Vamos. Já não deves ter nada a perder, não é mesmo, Damian?"
Onde é que tinha a cabeça. Sabia que não valia a pena resistir. Agora está a ser mais pressionado. Não vale a pena resistir, contudo...valerá a pena desistir para fazer Sarah correr riscos?
Quer mesmo ver a secretária a ir tratar do assunto consigo? Quer ver a sua amiga a ser esfaqueada por Iza? Quer ver outra pessoa a morrer?
Continua sem saber o que tinha na cabeça antes. Lentamente começa a ter mais noção. Lentamente, mas efetivamente, ele tem a resposta. 
Damian: "Pois é. Eu admiti que tenho um segredo."
Sarah: "..." 
Diz, fazendo Sarah calar-se para o ouvir. 
Damian: "Mas sabes porque é que eu admiti? Porque...porque eu preciso de despachar este jantar."
Sarah: "..." 
Damian: "Eu entendo que tenhas esperado por este momento e que te importes comigo. A sério, compreendo e admiro issso. Acontece que eu tenho mais coisas com que me importar. Coisas mais importantes. Não te quero menosprezar nem nada, mas...estou a passar por coisas complicadas que não te posso contar. Por medo...medo que tu te intrometas demasiado. Por medo que essa tua preocupação que tens para comigo acabe por te magoar."
Sarah: "Ma...go...ar?"
Inquire-se confusa com a bomba de informação a ser atirada para cima dela. 
Damian: "SIM! Magoar! As coisas em que eu estou metido...são perigosas. Magoam. Tu podes magoar-te. Eu já me magoei e vou magoar-me mais. O Jeff está a correr perigo agora mais do que nunca. A Maria já morreu como consequência destes perigos. E eu...e-eu não quero que tu sejas a próxima, entendes? Já vi tanta pessoa a sofrer. Tanta pessoa a morrer que...não aguento ver mais! Agora entendes porque é que te escondo estas coisas?! Entendes porque é que eu te escondo tanta merda?! Entendes?! Entendes?! ENTENDES?! JÁ HOUVE SOFRIMENTO SUFICIENTE, OK, SARAH? OK?!"
...
...
...
Sarah: "..." 
...
Damian: *pant* *pant* *pant*
... 
Sarah: "..."
... 
Damian: *pant* *pant*
... 
Sarah: "..."
... 
Damian: *pant*
...
Sarah: "..."
... 
Damian: "..."
... 
Ficou ofegante novamente. Enquanto recupera o fólego relembra-se que já não é novo. E que...é capaz de ter passado os limites.
... 
Quer seja culpa do álcool, dos nervos, emoções ou do ambiente, ele exaltou-se. Ficou demasiado absorvido na conversa que disse coisas...íntimas.
...
Coisas que não gostaria que alguém ouvisse. A verdade crua que não conta a amigos. Família. E também a qualquer tipo de multidão.
...
Sim, inclusive a uma multidão.
...
Multidão.
...
Multidão.
...
Multidão.
...
Multidão que... 
Não me digam que...
...
Ele recupera o fólego e olha para Sarah. Vê como o rosto dela ficou petrificado e triste. Como ele a deixou em baixo. Como errou para com ela.
...
Olha para o que o rodeia e...
...
...vê nada.
...
Apenas os empregados de mesa e outros membros do staff, mas, acima de tudo...
...
Testemunhas da sua instabilidade mental daquele momento, daquele instante.
...
Damian: "..."
...
Cada uma daquelas pessoas. Sem entender o que se passava ou o que fazer.
...
Fingir que aquilo não aconteceu seria parvoíce. Fingir que ninguém o ouviu seria parvoíce. Fingir que não errou seria idiota.
...
Sarah: "..."  
...
Damian: "Merda..."
...
Agora que vê as consequências dos seus atos percebe. O problema talvez não fosse o álcool. O problema já existia. O problema sempre foi ele.
... 
Ao tentar proteger os outros...magoou os outros. Feriu Sarah. O facto de estar apegado ao passado, ao que aconteceu, afastou-o dos outros.
...
Damian: "Eu errei. Desculpem."
...
Com esta simples frase ele levantou-se da cadeira e decidiu sair de lá a correr. A vergonha era tanta que não o permitia ficar ali. O problema é que...
...
Sarah: "Damian...tu...Damian...Damian, espera."
...
Recuperando do que acabou de ouvir, a sua amiga age rápido. Sai da cadeira, pegando na mala e -colocando-a ao ombro para correr atrás dele.
...
Sarah: "Damian! DAMIAN!!!"
Grita enquanto corre atrás dele em direção à saída.
...
Ficam é os espectadores com cara de parvo. Sem saber o que achar e fazer. O clima está constrangedor. Permanecerá constrangedor. Tudo graças a uma conversa entre dois malucos que agora saíram por ali a correr como loucos.

Sarah: "DAMIAN!!!"
A secretária sai da tasca e é encarada com a noite naquela rua vazia. Não repara em nada. Apenas se foca em achá-lo.
Sente-se perdida ao olhar em redor. Subitamente sente tudo tão grande. Tão alto. O mundo tão grande e ele pode estar em qualquer lado.
Olha para o carro e não o vê. Olha para o outro lado da estrada e nada. Olha para a esquerda e nada. E logo quando achava que o tinha perdido olhou para a direita e viu algo. Viu-
Sarah: "É...Damian. DAMIAN!!!"
O seu amigo estava no passeio a apanhar um táxi. O macabro único táxi a trabalhar. A viatura até tinha parado e tudo. Ele estava apenas a falar com ele para fazer a proposta. Isto até a secretária vir estressada ter com ele.
Sarah: "DAMIAN! Por favor, para."
Grita desesperada, correndo até ele. Em poucos segundos ela alcança-o e segura nos seus ombros com força, interrompendo a conversa que ele estava a ter com o condutor.
Sarah: "Damian, por favor acalma-te. Sim, exaltaste-te há bocado, mas respira fundo por um segundo. Não sejas tão impulsivo."
Aconselha-o ao chacoalhar os seus ombros. Damian, por sua vez, ignora cada uma daquelas palavras e tira as mãos de Sarah de cima de si.
Damian: "Eu não estou a ser impulsivo. Tenho coisas mais importantes para fazer."
Diz calmamente.
Sarah: "Ok. Não duvido que não tenhas. Porém...admite logo...só decidiste sair porque eu trouxe um assunto que tu não querias. E eu entendo que não queiras falar sobre isso. Tudo bem. Mas sinto que...como tua amiga devia no mínimo uma explicação para este teu estranho comportamento. Sei que escondes algo. Tu próprio o admitiste. Agora importas-te de me dizer?!"  
Damian: "..."
Ela é muito boa com as palavras. Demasiado boa. No entanto, ele...já revelou demasiado. Neste ponto não faz mal algum contar a história com Iza.
Damian: "Sarah, eu..."
Naquele segundo ele ponderou mesmo contar. Mas foi rapidamente relembrado do que poderia acontecer. Do que aconteceu com Maria e...
Damian: "Ah, esquece."
...basta isso para o fazer desistir. Basta isto para a irritar ainda mais. 
Sarah: "Só podes estar a gozar comigo. Damian, tu estás a sofrer. Tens algo que queres deitar cá para fora. E apenas não o dizes porque tens medo que eu me magoe?!"
Damian: "Sim, não te quero envolver nisto."
Sarah: "Mas eu quero envolver-me nisto. Tu és o meu amigo! Naturalmente quero o melhor para ti!"
Damian: "A Maria também queria e olha onde é que isso a levou-"
Sarah: "MAS TU PODES ESQUECER O PASSADO POR UM SEGUNDO?!"
Damian: "..."
...
Estas palavras. Estas palavras nesta frase. Conseguem calá-lo e arregalar os olhos como se tivesse fnalmente entendido algo. Conseguem calar Damian Mindler. O escritor do "The Right".
...
Sarah: "..."
...
Mesmo a secretária tem de se calar. Não aguentando a força das próprias palavras. Como se estivesse para dizê-lo há algum tempo, mas só agora, no calor do momento é que conseguiu.
...
Damian: "..."
...
E ela ainda não acabou.
...
Sarah: "Porra. Tu já viste como é que me deixas louca?! Nem sei o que escondes e tenho a certeza que não me queres contar por não conseguires superar o passado. E se não me contas a mim, a quem mais é que andas a mentir? O Daniel? O teu filho?"
...
E foi então, quando tocou em algo mais pessoal que ele teve de se defender com toda a garra e força.
Damian: "TU NÃO ENTENDES!!! EU MINTO PARA VOS PROTEGER! VI PESSOAS A SOFRER À CUSTAS DAS COISAS QUE VOS ANDO A ESCONDER. FAÇO-O PELO VOSSO BEM!"
Grita com a lágrima no canto do olho.
Sarah: "EU TAMBÉM TE QUERO PROTEGER. MAS PARA ISSO PRECISO QUE TE ABRAS COMIGO! O QUE É QUE TU NÃO COMPREENDES?!"
Grita no mesmo nível para ser ouvida.
...
Isto marcou o ponto em que não aguentou. Tanto tempo a discutir a falar sobre assuntos sensíveis que finalmente a lágrima escorreu. Ela continua, acalmando os nervos:
Sarah: "Tu és um escritor esforçado e talentoso, Damian. Trabalhas mis do que qualquer um naquele edifício. E não me refiro só àqueles que fiacm na balda. Mesmo eu tenho de reconhecer que te esforças quase tanto como eu ou o Daniel. Conheço-te bem e estou certa de que serás alguém com muito sucesso no futuro. Acredito nisso e quero vê-lo a acontecer. Tu só tens um erro. Um erro que te está a desconcentrar no trabalho, mesmo em dias comuns. Um problema que te está a afetar a cabeça e está a afastar os outros de ti. Esse problema é o passado ao qual andas preso e simplesmente não soltas por nada. O passado que te persegue e cujas lições foram tantas vezes incutidas que se tornaram parte do quaotidiano. O passado que te vai custar muito um dia. Agora pode estar a afastar os outros de ti, mas um dia vai fazer-te morrer sozinho. E tu sabes disso. Mas continuas a seguir esse caminho, esse mau trilho por medo. Medo que as coisas se repitam."
Damian: "..."
Sarah: "Diz-me lá! Estou ou não estou certa?"
Sim. Está. Ele é que só não admite por teimosia. Porque até Damian reconhece que ela tem razão. Reconheceu isso há muito tempo.
Ele é que se recusou a mudar. Durante todo este tempo sabia desse seu erro e permaneceu o mesmo porque...acreditava que isso compensaria. Que nunca mais iria ver alguém sofrer. 
Mas compensou mesmo? Magoou o seu filho. Está no processo de magoar Sarah. Será que vale a pena? Não, agora não. Este não é o momento.
Damian: "Sarah...vai te lixar. Agora não tenho tempo para isto. A minha vida está em risco. Estamos de noite. A lua deve estar a surgir daqui a pouco e...não posso atrasar-me. Falando nisso... preciso de uma coisa."
Estando-se nas tintas para a secretária, ele afasta-se do táxi. Quase que se esquecia de algo.
Taxista: "Vai entrar? É que eu tenho outras coisas para fazer." 
Damian: "Não, vou só buscar algo. Já volto, senhor condutor. Por favor não desapareça."
Avisa enquanto vai até à outra viatura. O carro de Daniel. Algo que Sarah percebeu pelo facto de não haver mais nenhum carro ali. Os outros estavam no estacionamento subterrâneo.
Sarah: "Ei, seu...fica quieto!"

A secretária segue-o até ao carro que os dois alcançam com menos de 10 passos. Ela não perde tempo para continuar a sua palestra agora que o tem parado à sua mercê.
Sarah: "Tu és mesmo um idiota. Agora quero ver como abres o carro."
Damian: "Vou precisar da chave."
Sarah: "Então presumo que saibas quem a tem."
Num tentativa de chantagem ela abre a mala e tira de lá o que ele tanto procura. Fica com as chaves penduradas no seu dedo como se a hipnotizá-lo.
Sarah: "Depois do que me disseste nem penses que ta vou dar. Não enquanto fores desonesto comigo."
Diz, rancorosa e decepcionada com esta nova dimensão do escritor. Esperava que isto o fizesse mudar de ideias, porém...
Damian: "Para com essas chantagens. Tenta ser séria quando mais precisas."
Ao dizer isto ele tira-lhe as chaves da mão num piscar de olhos. Conseguiu apanhá-la de surpresa e a secretária nem pôde reagir.
Sarah: "Mas que..."
Damian: "Eu já te disse que não tenho tempo a perder. Pelo menos hoje não."
Sem perder muito tempo ele olha para as chaves por um segundo. Não tem um carro, porém sente que o design do comando é bastante intuitivo. Só de olhar para os botões e para os símbolos de cada um que soube logo qual abria o carro.
*priu*
O som confirmou que tinha conseguido. Indo direto para o que quer, ele vai para a estrada e abre a porta do lado do passageiro, onde se sentava.
Sarah: "Ei, podes ao menos olhar-me na cara para reconhecer esses teus erros?"
Diz enquanto o persuade e segue até à porta do passageiro. Damian abre a porta, agacha-se levemente e tira de lá o que precisa.
Damian: "Aqui está."
Sarah: "Tudo por causa do bloco de notas...é claro que tinha de ser o bloco de notas."
Comenta sem aguentar a raiva que tem da teimosia de Damian em insistir na mentira, nos seus erros, mesmo sabendo que não está certo. Tudo isto para...para...para...
É difícil dizer...mas é a verdade. Tudo isto que ele faz...apesar de saber que é errado...é para não magoar ninguém. Afasta-se dos outros graças ao passado, acreditando que assim o passado não se voltará a repetir. Mal sabe ele que...
Sarah: "Fazes de tudo para não magoar os outros, mas, no fim, quem mais se vai magoar és tu."
Escorregou-lhe da boca. Neste ponto Damian já nem reage. Sabe que ela quer apelar a um lado de si. Lado esse que é livre de qualquer corrente. Livre do passado.
A questão é se esse lado dele existe? Se depois do que aconteceu ontem esse Damian existe. O mesmo Damian que ontem...por uns breves segundos... estava determinado a matar???
Estes problemas têm-no feito duvidar de tudo e Sarah também o está a fazer agora. Só que...neste dilema de matar ou não matar tem acabado por falhar nas suas convicções. Ontem iria quebrar a promessa a Maria. Mas agora...
Damian: "Poupa-me..."
Fala baixinho, reconhecendo a verdade nas palavras dela, por muito que não queira admitir.
Ele põe o bloco de notas debaixo do ombro. Fecha a porta e vai até ao táxi. Tem tudo pronto para partir. Quando quiser deixará aquele lugar.
Sarah segue cada passo dele como uma cadela leal. Uma cadela que quer mudar os hábitos de um humano que não parece querer mudar. Um humano que não fala a mesma língua que ela e que tem a chave do carro.
Damian: "Já voltei. Pode seguir até à Finder Street 703."
Diz para o condutor, alcançando o carro. Aquelas coordenadas eram a morada da sua casa. Esse era o destino. Tinha aberto a porta quando... 
Sarah: "Espera lá."
Ela chega antes que ele pudesse entrar. Para-o quando ele está com o bloco de notas debaixo do braço e aporta do táxi aberta.
Sarah: "Podes por favor ao menos deixar-me acabar?"
Damian: "Nem se fores rápida. Desculpa. É que acho que já ouvi o suficiente."
Sarah: "Tu...tinhas mesmo que ser assim complicado. Teimoso. Hipócrita e...e...e tão...colado às tuas convicções idiotas."
Damian: "..."
Sabe que aquilo foi um golpe baixo. Desabafo quase aceitando a derrota. Para a surpresa dela, estas palavras sinceras que atirou para o ar sempre fizeram alguma coisa.
Mexeram consigo de uma forma que não imaginava. Deixaram-no com pena. Talvez um certo arrependimento. Não. Não vai desistir, porém...não se sente capaz de deixá-la assim. 
Damian para por um segundo junto à porta. Apenas para confindir mais o taxista. Isto e para a encarar uma última vez. Sente-se mal por estar a seguir os seus ideais, mas quer ao menos fazê-la entender.
Taxista: "Você vai entrar ou não?"
Pergunta ao seu cliente, um pouco inquietado por ele estar de porta aberta há tanto tempo.
Damian: "Espere só mais um pouco. Quero dizer umas coisas." 
Pelos vistos ela não está a imaginar nada. Ele quer mesmo dizer-lhe algo. Já vai tarde. Deixou-a irritada e decepcionada. Espera que isto valha a pena.
Sarah: "Porra...porque é que paraste agora? Não dizias que andavas tão ocupado?"
Fala num tom que faz troça dos costumes do escritor. 
Damian: "E estou, é só que...com estas coisas que diz...dá-me pena deixar-te aqui tão triste e irritada."
Diz tentando ser simpático e deixando alguns dos seus sentimentos verdadeiros sairem.
Sarah: "Ok. O que é que queres fazer agora? Inventar um discurso para reeiterar que isto que fazes é por causa do que aconteceu no passado?!"
Damian: "Não, quero esclarecer que eu ainda te adoro e te reconheço como amiga. Adoro-te e quero ver-te feliz como um amigo deveria. A última coisa que quereria era que um momento como este chegasse. Até porque este segredo...tudo isto que ando a esconder...é-"
Sarah: "Deixa-me adivinhar: 'Para nos proteger'. Sim, sim. Já tenho na ponta da língua. E sabes que mais, eu estou FARTA que continues a apelar para o mesmo argumento, pois isso mostra que a decisão essa que estás a tomar é errada!"
Completa a frase do colega deixando-o sem palavras. Não só o interrompeu de surpresa como também o fez para lhe atirar cada erro à cara.
Cada erro que reconhece. Cada erro que se arrepende de cometer por vontade própria. Exceto um erro...o erro que mais lhe tem sido apontado.
Esse erro que sabe que existem. Mas que não sabe se é necessariamente algo que tem de melhorar...algo que precisa de melhorar para suceder no encontro desta noite.
Ele ainda assim decide ouvir. Mesmo tendo o condutor impaciente e o tempo a contar, Damian permanece imóvel a apreensivo para compreender o que pode melhorar para vencer. Qual esse erro... 
Damian: "..."
Percebendo que nem o seu amigo vai interrompê-la, ele não poupa esforços. Respira fundo tremulamente. Passa a mão pela cara em preparação para deixar finalmente que tudo possa sair cá para fora. Que tudo seja dito. 
Sarah: "Fogo. Nem estás a entender o quanto eu estou aqui a conter-me para te mandar à merda. A sério...depois de tudo o que passámos juntos...tudo o que andámos a rir, chorar e a reclamar...depois de tanto tempo a formar esta amizade, deixa-me louca ver-te a querer atirar tudo isso para o lixo por causa de algo que te aconteceu."
Damian: "..."
Sarah: "Sim. 'Lixo' é a palavra certa. Coincidentemente acredito que é isso o que achas de todas as relações que construíste com os outros. E se elas não são lixo para ti, é porque são insignificantes. Meras inconveniências nesta tua vida que proclamas ser tão ocupada."
Damian: "..." 
Sarah: "O que quero dizer é que nada te importa senão o teu passado e o que quer que andes a esconder. O resto bem podia não existir. Tu não queres saber. Ou se tens um mínimo de simpatia, por muito menor que seja pelo que quer que não esteja incluído nessas duas categorias que acabei de citar, então certamente está ligas abaixo do que tu mais queres saber."
Damian: "..."
Taxista: "Ainda demora muito?"
Damian acaba por roçar os dentes e se irritar por nem ter ouvido o ponto que ela queria fazer com o pouco tempo que tem. Por isso exalta-se na sua resposta:
Damian: "TENHA CALMA! ESTÁ QUASE!"
O condutor já nem pia. Solta um...
Taxista: "Tch."
...de indignação e permanece com a mão suada ao voltante. Espera que a palavra dele seja verdade. Que não demore muito mais.
Damian: "..."
Sarah: "..."
Acabou por tornar o clima mais pesado. É tarde, mas percebe que exagerou. A rua pode estar vazia, contudo tem Sarah à sua frente.
Ele respira fundo e tenta recompôr-se. Não queria também ter intimidado Sarah ao ponto de a calar. Quando sente que voltou a si próprio, tenta acalmar-se e incentivá-la a continuar.
Damian: "Ouve...eu...exaltei-me um pouco. Desculpa, podes continuar. É só que...sê rápida, por favor."
Intimidada pela subida de voz de Damian ela acena hesitantemente. Pisca os olhos com grande lentidão. Mas a cabeça está rápida como tudo. À frente na ação.
Sarah: "..."
Ela olha por baixo por um momento e volta a olhar para cima com uma nova postura. Uma que recupera de um segundo para o outro. Recupera a sua imponência e olhar cortante. 
Olhos nos olhos com Damian a penetrar na sua alma. Olhar que o arrepia da espinha até à cabeça. Olhar de uma mulher que está disposta a dizer todas as verdades na cara. Olhar capaz de intimidar.
Sarah: "Com isto tudo eu não te quero pedir para confiares mais nos teus companheiros. Não quero que nos trates como fracos, mas nós também não somos deuses. Somos todos humanos. Mortais. Caoazes de morrer a cada segundo. Que correm perigo até nas menores situações."
Damian: "Então...o que é?"
Pergunta para ter ajuda externa quanto ao que escolher no seu dilema. Sarah morde o lábio com raiva de não ter deixado mais óbvio. Então, ela responde:
Sarah: "Como qualquer humano és alguém cheio de falhas. Umas maiores e outras menores. Umas corrigíveis e outras permanentes com as quais terá de viver para o resto da vida. Eu quero é que pares de tratar as tuas relações como um componente insignificante da tua vida. Quero que...quero que valorizes o que tens agora."
Damian: "..."
Os seus olhos arregalam-se como nunca tinha acontecido. A surpresa e intriga foi tanta que abriu a boca ligeiramente e passou a respirar pesadamente por lá.
A forma como falou...não pode. Lembrou-o de um certo alguém. De outra mulher que conhecia e reconhece ter uma vontade tão inabalável quanto a de Sarah. Ainda a ouvir tudo, ela continua:
Sarah: "Sim, o passado é traumático. Eu própria tenho as minhas cicatrizes na mente. Traumas que podem não ser tão maus quanto os teus, mas que também quero esquecer e não consigo. É que...superar é a parte mais difícil. E por muito que tentemos, nunca vamos conseguir superar totalmente o passado. Vão sempre haver vislumbres que nos vão continuar a aparecer. Sons que vão tocar no fundo da nossa mente e que nos levam àquele local, àquele momento que queremos tanto esquecer. Mas eu descobri algo. Uma forma de nos abstermos do passado o máximo possível. De vivermos por grandes períodos de tempo pensando que tudo aquilo foi um pesadelo. Uma realidade que felizmente é longe da nossa."
Damian: "..."
Sarah: "E para o fazer basta...lembrarmo-nos do que temos e...agarrarmo-nos a isso o máximo que se pode. Só assim será possível seguir em frente."
Damian: "..."
...
As palavras dela bateram mais fundo do que qualquer pontapé que os capangas de Iza lhe pudessem dar. Fizeram-no questionar o que julgava certo.
Tudo aquilo...eram hipóteses que jamais teria cogitado. Argumentos que o impactaram. Ele já nem sabia no que acreditar. Questionou tudo. Questionou mesmo a decisão, a escolha que deveria tomar e...o que via.
Pois tem a certeza que viu bem. Naqueles momentos em que a ouvia a falar...mesmo agora quando parece que ela concluiu...jura tê-la visto.
Jura ter visto Maria.
Ele nem conseguia acreditar. Mas agora...há bocado...cada vez que ela falava...via Maria no lugar de Sarah como se a forma como falava o relembrasse dela.
Damian: "..."
Sarah: "..."
Aquela forma imponente de falar. A forma carinhosa e agressiva como ela dava conselhos. O facto dela conseguir ser pura e maluca ao mesmo tempo. Essas características da sua mulher...
...nem que tenha sido só naquele momento...
...estiveram presentes em Sarah.
Fizeram-no vê-la como Maria. Por aqueles breves segundos e neste preciso momento. O pior momento para o fazer questionar-se a si mesmo.
Ele tem de partir. O taxista está à espera. Tem uma batalha pela frente. Uma decisão por fazer. Um filho por proteger e ele petrificado a olhar para ela.
Damian: "..."
Sarah: "Damian..."
Quando ela timidamente chama o seu nome a ilusão é desfeita. Sarah volta a ser Sarah e ele percebe que esteve a olhar para ela de forma demasiado estranha.
Damian: "Ah, deculpa, novamente. Foi um pensamento que tive na minha cabeça momentaneamente. Nada de importante. Estava ouvir tudo. Por isso não precisas de te preocupar."
Conta, esfregando os olhos para voltar àquela realidade tão estranha.
Sarah: "Eu é que estava a achar estranha a forma como me encaraste."
Damian: "Sim...culpa minha."
Diz esfregando a testa para processar se o que viu era mesmo real.
Enquanto isso, ela sente que também não tem muito tempo para o convencer. Não entende porque é que ele estagnou, mas pareceu incrédulo. De qualquer forma tem de fazer o último apelo.
Sarah: "A sério, isto que eu te estou a dizer é importante. Por favor deixa de lado qualquer ideal a que te apegues nem que seja só por uns momentos e confia nas minhas palavras. Segue-as, por favor. E, embora saiba que isto possa ser tarde demais, se ainda vier a tempo, peço-te que desistas disto. Sai de perto deste táxi e diz-me tudo o que te inquieta, Damian. Larga esse caderno que não te deixa seguir em frente e vem comigo. Resolveremos isto juntos, Damian. Juntos venceremos."
Damain: "..."
Ele...nem sabia o que dizer. Sentia que os seus pensamentos gaguejavam. Se falar deve ser pior. O grande problema é o que fazer...
Cada palavra dela inclina-o cada vez mais para desistir daquilo que faz. Cada ideia que ela expressa fá-lo questionar-se qual a escolha mais certa. O que é que deve fazer?
Seguir os seus ideiais e acabar com esta amizade? Ou seguir Sarah, deixando-a orgulhosa, mas potencialmente colocando-a em risco?
Tanto dilema e escolha. Como se já não bastasse ter de escolher matar uma pessoa ou não, também terá de decidir o que fazer hoje. Qual caminho seguir.
Sarah: "Ainda vais a tempo, Damian. Mas a escolha é tua."
Relembra-o com aquela voz doce que...raios...só lhe recorda de Maria. O que é que...porquê...porque é que isto acontece?
A sua cabeça mal consegue funcionar. Em cima disso ainda tem esta ilusão que complica tudo. Torna esta decisão que deveria ser tomada com calma ter logo um contexto...mais pessoal.
O que vai escolher? O tempo não espera por ele. Tem o taxista. O taxista, Sarah, Jeff e...um bloco de notas debaixo do braço. Ela também falou nisso.
Sarah: "Por favor, escolhe bem..."
Ela agora sorri compreensiva. Isto não ajuda nada. Apenas ajuda as semelhanças e contribui para as visões. A sua escolha...o bloco de notas...Jeff...Sarah...e Maria?!
Para além disso tem um pistola no bolso do casaco. Como é que se pôde esquecer. É que com tanta confusão...tantas emoções contraditórias...tanta coisa para processar entre hoje e agora...
Iza invadiu-lhe a casa...Jeff sozinho...e os monstros que parecem ser reais...e a pistola, o motorista e...agora tem Sarah e tem de se decidir. 
Tudo incluído neste pouco tempo em que tem de escolher. Passado ou presente. Deixar-se guiar pelas palavras ou...ir lutar ou...ou...ou...ou...
O...
que...
vai...
ser...
???...
*Biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii*
Taxista: "PORRA, É PARA HOJE OU NÃO?!"
O taxista toca na buzina com as veias na testa todas à mostra e a raiva no pico. Sarah está com os olhos quietos a olhar para ele, que daqui a pouco terá súor a escorrer da testa.
Por isso fica a pergunta:
Taxista: "MAS O QUE É VAI SER?"
Sarah: "Diz-me qual é a tua decisão, Damian?"
O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? O que será? 
O que será? O que será? O que será? O que será?
O que será? O que será? O que será? O que será? 
O que será? O que será? O que será? O que será? 
O que será? O que será? O que será? O que será?
Maria: "Damian, o que será?"
Damian: "..."
Naquele momento de puro caos ele julga ouvir a voz da sua mulher dentro da sua cabeça e os seus olhos acerram. Com nova determinação ele rapidamente decide-se.
Suavemente ele tira o bloco de notas debaixo do seu braço. Pega forçadamente no braço de Sarah com a outra mão e coloca-lhe o bloco de notas na palma da mão dela, deixando-a sem escolha.
Antes que ela pudesse sequer reagir, ele vira as costas. E vergonhosamente ele abre a porta de trás do táxi e enfia-se lá para dentro com súor na testa enquanto diz ao condutor, pondo o cinto:
Damian: "Pode ir agora!" 
Taxista: "Até que enfim!!!"
Já farto de ouvir as conversas sem sentido daqueles dois, ele põe o pé a fundo no acelerador e segue em frente. Irritado com o passageiro.
O passageiro que leva e está a suar...teve de agir rápido. Teve de fazer uma escolha muito repentina e, em restrospetiva muito idiota.
A sorte é que a adrenalina não passou. Vão a deixar o bairro e Sarah vai ficando longe. A única coisa que passa na cabeça de Damian é: o que é que eu fiz?
À medida que o tempo passa, a adrenalina também. E a sua cara vai lentamente percebendo a dimensão dos seus atos. Vai percebendo a idiotice e estranheza do que fez.
Como agiu em menos de 10 segundos. Como parecia um anormal a fazer aquilo tudo com rapidez. Como lhe entregou o bloco de notas. Como estragou tudo. Incluindo a relação com ela.
O que é que fez? Porque é que agiu assim de forma tão má e estranha? Com cada pergunta, cada segundo, vai ficando mais e mais arrependido, mais e mais sério. Com mais e mais raiva até...
Damian: "Merda."
Num momento de frustração, ele solta esta. Dá uma chapada em si mesmo para ver se tudo era real. O condutor já nem lhe ma dava bocas. Já tinha percebido que ele era maluco há muito.
Por isso fica Damian Mindler. O homem com uma pistola no bolso do casaco. O homem que agiu sem saber como. O homem que fez a escolha mais estranah e estúpida que podia.
O homem que vai com o taxista irritadiço para casa. O homem que terá de enfrentar uma gangue nesta noite. O homem que não sabe se será capaz de matar o seu melhor amigo e este encontro não ajudou muito.
Tal como com o encontro com Danic, percebeu que as suas escolhas não serão tão simples. Nem sabe se vai conseguir matar o seu amigo. E...nem sabe se Iza será o maior perigo.

Jeff: "..."
Depois de comer um pequeno lanchinho, ele decidiu voltar ao trabalho de vigia. Comeu porcaria, mas ao menos deu para saciar a fome.
Jeff: "..."
Assim sendo, ele volta à jenla da sala de estar. Gentilmente puxa as cortinas para o lado e põe-se a observar a rua. A rua no meio do céu escuro da noite. Do céu sem estrelas onde nem a lua aparece...por enquanto.
Jeff: "" 
O rapaz permanecia em silêncio ao olhar apreensivamente pela janela. A fome do jantar não parava este medo que tinha. Não depois de ontem.
Jeff: "..."
Ainda tinha aquela caixa na mesa. Esperava que chegasse a pessoa certa para o dar. Por enquanto observava a rua pela janela. Felizmente, tudo bem.
Jeff: "..."
Tudo bem. Ele olha para o passeio do seu lado da rua e nada. Para a estrada e nada. Desta vez olha para o outro lado da rua e...há lá algo.
Jeff: "..."
Há muito lixo. Como de se esperar do bairro. Mas também há lá um homem. Na boca de um beco. Entre a saída e a entrada. Uma figura que...não...não tem a certeza, porém...aquela cara...humm.  
Antes que ele pudesse tirar conclusões, o homem entra para o beco. Como se para não levantar muitas suspeitas ele envolve-se na escuridão.
A respiração do rapaz fica mais pesada. Mesmo o homem tendo saído de cena, Jeff sente que deve permanecer em alerta. Sente que algo de mau pode sair dali. Sente que aquele homem pode ser Iza.
Percebendo isso, a sua expressão facial fica mais séria. Tem umas quantas opções. Pode continuar ali à espera que algo aconteça.
Ou pode agir agora. Para evitar que se arrependa no futuro, da mesma forma que agora se arrepende por não ter estado no piso de baixo. 
Ao pôr as coisas desta forma, fica claro qual a escolha que mais o orgulhará. O rapaz também percebe isso numa questão de segundos e demora pouco para agir.
Então ele deixa a cortina. Afasta-se da janela e dirige-se à sua esquerda. O miúdo vai até à porta para a abrir.
Sim, é uma visão um pouco estranha. Uma ação muito única que quem não tivesse contexto acharia-o muito estranho. Estranho ver um rapaz de pijama e cabelo mal ajeitado a aparecer ali.
Jeff não se importa com aparências ou coisas do género. Ele quer é averiguar bem a situação. Saber com o que está a lidar.
Ele olha em redor. Para os pedaços de lixo no chão. Para os pombos na rua vazia. Presta atenção mesmo ao silêncio da rua. Da rua vazia.
...
Jeff: "..."
Olha bem para aquele beco. O beco do outro lado da estrada. É claro que não planeia sair da sua zona de conforto. Não planeia ir investigar tudo sozinho. 
É apenas uma criança e se ele for mesmo Iza...mesmo se não for...estará a correr perigo. Raios. Terá de se contentar com uma observação de longe.
Terá de ficar a observar o beco. Bem atentamente. Com os olhos na escuridão para ver se consegue notar em algum detalhe que não conseguia ao perto, mas...
Jeff: "Nada."
Rapidamente se apercebe que está a exagerar. Por muito que custe, ele não descobrirá nada de novo. Ficará na mesma apenas ao observar ao longe.
E ele queria tanto ficar mais aliviado. Queria ter visto algo. Não apenas ficar a fazer figura de parvo no meio da noite que rapidamente chega.
Ouvindo o som dos grilos ele lembra-se de que já não é de dia. Olha para cima e vê o céu escuro da noite. O céu da noite. Da noite. A noite escura e sem estrelas, onde a lua ainda não apareceu.
A lua. Lua. Lua. Lua que irá iluminar a noite. É nesse momento que se lembra que o dia de hoje não se limita apenas a Iza. Hoje é a noite do monstro.
Os seus olhos arregalam-se com esta realização. Vendo o sol no processo de ser substituído pela lua lembra-o de que não pode ficar ali duarnte muito tempo. 
Num piscar de olhos ele entra em casa e fecha a porta. Encosta-se à porta e vai descendo lentamente até ficar sentado no chão com os seus pensamentos.
Com os seus pensamentos. Com a cabeça virada para as escadas que levam ao quarto. Com o calendário que marca o dia de hoje.
Flashes do que viu naquela manhã percorrem a sua cabeça. Eles que estão a fortalecer o seu sentimento de depressão. Fortalecem a criatura.
O aniversário de morte da sua mãe. O dia em que mais sofreu. O dia em que mais terá de lutar para sobreviver. O dia em que terá de enfrentar aquele monstro, aquele...vírus.
Jeff: "Vírus." 
O Vírus. Este é o nome que lhe vai dar? Escolheu também o pior momento.
Vírus. Foi uma palavra que esteve consigo durante estes três dias. Acho que está na hora de o tornar oficial. Mqis vale tarde do que nunca.
O nome que vai dar à representação dos seus sentimentos, pois é isso o que ele acha disso: um vírus.
Veneno que o vai consumindo e matando. Veneno que fica mais forte durante a noite. E agora ele está a entrar em ação quando o rapaz olha para o calendário. 
Enquanto o rapaz pensa na noite que o aguarda. No pesadelo vivo que será. No que dirá ao seu pai e...na prenda que deixou em cima da mesa. Na caixa preta que agora se encontra em cima do sofá.
A caixa preta que foi buscar para dar ao seu pai neste dia infernal.

Iza tinha acabado de entrar no beco. Mais escuro do que a rua de noite. Mais sozinho do que a já solitária rua noturna.
Ele que sentia-se farto. Sentia-se farto de ser relembrado dos sentimentos que hoje voltará a experienciar. Isso se for capaz de o fazer.
Iza: "..."
Nem sabia que tinha acabado de sair de vista de Jeff. Ele que andava a vigiar o bairro com medo que acontecesse algo parecido com ontem.
Iza: "..."
Perturbado pelo que tem de fazer hoje, ele encosta-se àquela suja e molhada parede. Mas nada disso o perturba.
Absorvido nos seus pensamentos ele tira a faca do bolso e olha para ela em meado àquela escuridão que ainainda estava a surgir. A faca com que terá de tirar a vida do seu melhor amigo. A lâmina que terá de usar para perfurar o coração de Damian.
Tem pouco tempo. Pouco tempo para decidir. A hora marcada está a chegar. Faz quase dois dias desde que fez o ultimato. Dois dias que teve para decidir e...nada.
Ficou na mesma. Sem saber se seria capaz de o fazer. Jamis quer. Wedge, que o idoliza, quer. Joo quer. Ner quer. A gangue quer. O seu pai quereria isto, mas...e ele...quer?
Passou tanto tempo a pensar no que os outros quereriam que nunca alguma vez oensou no que ele queria. O que é que Iza Ingram quer?
Matar Damian? Poupá-lo? Seguir as vontades dos outros como sempre tem feito? Ou será agora que se verá livre das influências dos outros? 
Os outros...agora é que se percebe. Só muito tarde é que se apercebe que fez quase tudo para honrar alguém. Matou por isso. Para satisfazer a vontade de Gareth, o seu pai.
Por isso, o que será? 
Iza: "O que será?"
Nada lhe vem à cabeça só de olhar para a lâmina. Portanto olha para o que o rodeia no meio da escuridão do beco e da noite. Olha para a casa onde esteve. Para a escadaria onde tudo começou.
Aquela escadaria...na época era alguém muito diferente. Quando ainda não tinha se entranhado neste mundo tanto quanto agora. 

No táxi, Damian olha para a paisagem. Vê a mudança rápida dos cenários enquanto vai com a cabeça a pensar no que deve fazer hoje à noite e...no que tinha acabado de fazer.
Pensa em qual a decisão mais acertada a fazer. Qual a decisão que o agradará mais. Será matar o seu amigo? Ou...deixar que ele o mate a si e ao seu filho antes que...antes que a criatura o faça.
Ele apalpa o bolso do casaco. Toca na pistola que irá decidir tudo consoante a sua vontade. Lembra-se do peso que este dia traz.
Do dever que tem para com Jeff e Maria que a observa lá no céu.
Isso e...de como começou aquela manhã. A onda de nostalgia atinge-o novamente. Inicia uma memória que sempre esteve presente.
A memória que agora entra em reprodução automática. A memória que começa a tocar na sua cabeça. A memória traumática na escadaria.
Não sabe se aquilo lhe serve de motivação para matar iza ou não. Por um lado, a promessa que fez com a sua mulher pede que não. Porém a ação de Iza...foi imperdoável.
Segurando com mais força na pistola ele vai lentamente se recordando. Desejando que as coisas fossem mais claras. Que o passado tivesse sido mais esclarecedor e feliz.
Assim não teria de estar com tanta dificuldade a sequer ponderar matar o seu amigo. Nem deveria ser algo real. E ainda assim aquele dia aconteceu. Foi real e mudou-o para sempre. 

Jeff também começa a lembrar-se daquilo que queria esquecer. A memória do que viu naquela manhã. A memória que começa a ser reproduzida contra sua vontade. 
A memória do dia que quer esquecer. A memória que apenas serve para alimentar o Vírus. Quer parar, mas não consegue. É mais forte que ele. Os seus sentimentos vencem sempre.  

Em simultâneo aos outros Iza também se lembra. Lembra-se que este foi o dia quando matou para honrar os outros. O dia em que selou o seu destino. O dia em que Maria morreu.
Faz hoje um ano desde que aconteceu. Ainda se lembra de cada detalhe. De cada sentimento. Cada lágrima. Cada segundo de dor e sofrimento. Lembra-se de como tudo aconteceu.
Porque é que haveria de se esquecer? Afinal, esse foi o dia em que se tornou um assassino.  

Ele caminhava em direção à escadaria com a pequena pistola no bolso. O plano tinha sido formulado. Os seus companheiros esperavam o sinal. Bastava executar tudo.
O destino de todos estavam nas suas mãos. Iriam arriscar tudo e a única pessoa que poderia garantir que o perigo que corriam valeria a pena seria ele: Iza Ingram.
O homem caminhava com enorme nervosismo. A sua respiração era trémula e nem o seu amigo o podia reconfortar. Ner que estava encostado à parede, ao lado das escadas. 
Esse homem musculado e encorpado que estava de braços cruzados à espera de agir. À espera que o plano entrasse em ação. Bastava o seu chefe dar o sinal.
Agora Iza subia os degraus. Lentamente, com a mão sempre junto ao bolso. Pronto para sacar na hora certa.
Iza: "..."
Eram três degraus e ele subiu-os em silêncio em menos de três segundos. Com todo este pouco esforço e facilidade ele chega ao ponto marcado.
Tem um enorme peso nos seus ombros. Respira pela boca de tão nervoso que está. É a primeira vez que faz isto. E...para ser sincero...não sabe se conseguirá premir o gatilho...

Maria prepara as lancheiras de Damian e Jeff. Com uma enorme colher, pega numa grande concha da canja do dia anterior e passa para as lancheiras de cada um dos dois.
Ela acorda sempre mais cedo. Fá-lo para haver tempo para tratar de tudo antes deles acordarem. Também não é como se tivesse mais para fazer.
Damian e Jeff dormem tranquilamente. Poderiam ficar assim durante mais tempo, no entanto, terão de acordar daqui a pouco. 

Nas traseiras estão 5 dos homens de Iza. Escolhidos especialmente para esta missão. Encarregues de observar discretamente o alvo pela pequena janela da cozinha.
Para tal eles estão escondidos naquele pequeno jardim. Todos agachados e a tirar cobertura na parede das traseiras. Com as cabeças abaixo do nível da janela.
De vez em quando, um capanga corajoso levantava a cabeça e via como as coisas estavam. Por sorte Maria não apanhou nenhum a fazer isso. 
Talvez porque têm a sorte da mesa onde ela prepara tudo na cozinha ser a passagem para a slaa de estar. Logo ela preparar tudo de costas para a janela. Tal como Quill indicou.
Entre essas pessoas estava Jop. Um dos 5 selecionados. Ele que esperava impacientemente por alguém no meio daqueles outros 3 homens.
É que tudo estava pronto. Homens nas posições. Ner pronto para fazer de isca. Tinha o flip phone na mão pronto para o alertar. Só Quill é que-
Quill: "Olá, pessoal."
Jop: "Ai."
Subitamente aparece a pessoa que mais precisava nas suas costas, agachada e anunciando a sua chegada num sussurro. Sussurro que o assustou até ao fundo do seu coração culminando num grito.
Quill: "Ei, não te passes. Sou eu, o Quill."
Diz com a voz mais baixa, tranquila e profissional. Como se não tivesse tido a conversa mais séria com o chefe, Iza.
O homem com o punhal teve de conter o resto do susto para si mesmo. Respirou pesadamente pela boca de modo a conter a raiva e baixou a voz:
Jop: "Seu...não vês que me assustaste?"
Quill: "Sim e peço desculpa. Essa não era a intenção."
Jop: "E, por sinal, onde é que estiveste? Apenas me disseste que ias a um lado ver alguma coisa e pediste-me para eu te dizer como estavam as coisas por mensagem. Nem me explicaste o que é que foste fazer e agora que voltas quase estragas a missão por me assustares. O que é que se passa contigo? Estás tão esquisito."
Pelos vistos ele não é tão burro. Consegue perceber que os costumes são quebrados e o significado disso. Bem, até certo ponto.
No entanto, ele fala a verdade. Empolgou-se demais pelo que aí vem. Mais do que irritado com Iza, está curioso para ver a sua decisão.
Até que ponto os seus sentimentos o levarão...
Quill: "Ah, pois quanto a issso..."
Muda repentinamente para um tom mais sério, vendo a sua credibilidade a ser questionada.
Quill: "Fui até ao beco do outro lado da estrada. Queria ver se havia alguém a andar por aí. Um cidadão ou mesmo a polícia nas suas patrulhas. Nunca se sabe."
Responde com as suas desculpas esfarrapadas. Desculpas que parecem funcionar. Todos parecem receber bem a sua resposta e, apesar daqueles olhares iniciais estranhos, passaram a acreditar. 
Jop: "Ok. Ao menos poderias ter dito mais cedo. Escusavas ter deixado-me a mim e aos outros aqui sem saber de nada. Na próxima avisa, está bem?"
Diz, num olhar afiado que transparece confiança com uma pitada de aconselhamento. Até ele percebia que tudo estava estranho, mas não era hora para isso.
Com o tempo a chegar ele apoia os seus ombros na parede. Quill percebe que teve sorte desta vez. Nãp esperava aquele idiota ser tão competentemente.
Ignorando algumas preocupações dos outros ele vai até à parede e enfia-se na cauda da linha de homens. 
Prepara-se para ouvir o espetáculo com todo o gosto. O espetáculo que decidirá o seu futuro. 
Quill: "Sim, na próxima avisarei."
Fala com a perfeita noção de que poderão nunca mais se ver. Com noção de que colocou mais um peso nos ombros de Iza.
Mais um peso que terá de carregar juntamente com aqueles que os seus companheiros e pais colocaram. Mais um peso a considerar na sua decisão.
Jop, que estava mesmo debaixo da janela, levanta a cabeça. Lentamento, com todo o cuidado do mundo, ergue a cebeça até ter os olhos ao nível da janela para continuar o seu trabalho. 

Ner estava a tentar arranjar paciência. Paciência para esperar pelo seu chefe. Esperar que Iza, que se encontra à frente da porta, a uns centímetros acima de si, decidisse dar início a tudo.
Quando ele quisesse, tudo começaria. Com uma ordem os fios entrariam em ação e moldariam o destino. Tudo com a sua ordem.
A ordem do homem com a pistola na mochila e a respiração pesada. O homem com a cabeça a mil e o coração a bater infinitamente.
Tem o peso de todos eles nos ombros. Vivos e mortos apoiam-se nos seus ombros. Isso apenas o faz questionar cada vez mais o que fazer.
Afinal, embora tenha o peso deles, também leva em consideração o peso que a morte de Maria possa trazer. Não só aos outros, como também a si.
O que é que irá achar disto? O que é que os outros acharão disto? Ou...será que ele sequer conseguirá premir o gatilho?
É melhor não pensar mais nisso. Respirando bem fundo com a boca ele tenta acalmar-se. Vezes e vezes sem conta inspira e expira até sentir que está mais estável.
Ner: "..."
O seu braço direito percebe que ele está nervoso. Com uma respiração tão pesada fica difícil não notar. Mas sente que é compreensível.
Ner: "Primeira vez a matar alguém, não é?"
Pergunta de braços cruzados e fazendo de tudo para falar baixinho. Iza, no piso das escadarias, passa a mão pelos olhos e logo fala.
Iza: "S-Sim. E sabia que ia s-ser d-difícil. S-Só n-não s-sabia que s-seria assim t-tão c-complicado."
Ner já passou por algo semelhante. Quando matou pela primeira vez também se sentia assim. E nem conhecia a pessoa. Então nem quer imaginar o que Iza sente ao ser tão próximo da vítima.
Ner: "Sei que é complicado. Também estive nessa posição várias vezes."
Iza: "M-Mas t-tu já d-deves estar acostumado a isso."
Ner: "É claro. E a tua primeira morte será mais complicada do que a minha. Até porque, eu matei alguém que nem conhecia. Já ela...Martha ou lá como se chama...é tua amiga, não é?"
Estas palavras dele apenas complicam mais as coisas. É tão burro que não percebe que talvez o melhor seja parar, pois o seu amigo está pior. 
A respiração estreita. Os olhos arregalam. Ele fica ainda pior de ser relembrado. Relembrado de como a situação em que se encontra é mais complicada do que parece. 
Iza: "B-Bem...eu...é verdade."
Responde a tremer só de pensar no que lhe está prestes a fazer.
Ner: "Então não há volta a dar. Iza, está será uma das escolhas mais importantes da tua vida. Por isso escolhe bem o teu futuro. O que queres ser: mais um homem neste mundo ou um assassino que faz de tudo para orgulhar o seu pai. Qual dessas pessoas vais ser?"
Essa é a questão. Mais do que a dificuldade para fazer o ato. Mais do que os nervos e os inúmeros pesos sobre os seus ombros, isso é o que mais importa. 
Este é o momento em que terá de decidir a pessoa que quer ser.
O problema é que o tempo parece estar a acabar. Apesar das inseguranças e dúvidas na sua cabeça, a decisão deve ser tomada. E rápido.
Ner sente uma vibração no bolso. Os seus olhos voltam a ganhar interesse na vida. Ele tira o seu telemóvel caro do bolso e os seus olhos acerram ao ler a mensagem que recebeu.
Parece que não terá de esperar muito mais. O momento chegou. Sem ter noção de que pode estar a pressionar Iza, entusiasmado, ele informa:
Ner: "Parece que está tudo a postos. Sabes o que isso significa."
Sentindo-se mais pressionado, ele põe a mão no bolso de vez. Toca na pistola. A pequena arma que terá de usar. O momento fica mais perto.
O brutamontes é que fica entusiasmado e tira as costas da parede. Bate as mãos preparando-se para dar início ao assassinato. Relaxado, como se aquilo fosse só mais um dia, ele diz para Iza:
Ner: "Não penses muito nisso. Foca-te no que tens a fazer. Esquece os sentimentos e tudo isso que te torna fraco. Nem que seja só neste momento, torna-te num assassino, pelo teu pai."
Aquelas palavras eram extremas aos ouvidos do líder. Ele que estava tão apinhado de questões que nem se atreve a questionar o que ele disse.
O súor começa a escorrer. Continua sem saber o que fazer, mas aparentemente tem de agir rápido, pois o momento...aquilo que mais temia e passou todo o tempo a estressar-se...chegou.
Iza: "..."
Ner: "No fim, a decisão é tua. Mas, se quiseres a minha opinião, tudo vale pelo passado. Por aqueles que se perde e se faz promessas vale até matar uma pessoa em nome deles. Senão o que mais significaria a morte deles, não é?"

Jeff dorme no seu quarto. Quarto que está praticamente idêntico ao seu atual. Dorme segurando com força um ursinho.
Um ursinho de peluche castanho. Nada de especial nele. Nenhuma cor chamativa nem nada. Era apenas um urso e era notável que o carregava apenas pelo preço emocional que ele tem.
O urso de peluche cor castanho. Era o tesouro dele e não o perdia ou deixava por nada. Incluindo no sono.

Damian não se agarra a nada. Apenas dorme. Neste pequeno momento de descanso que pode ter. O coitado passa tanto tempo a trabalhar que estes são os momentos que mais anseia.
Faz bem em descansar. Faz bem em dormir. Até porque o merece. Contudo, o que viria a acontecer, fá-lo-ia querer que estivesse acordado.

Maria tinha acabado de preparar as lancheiras do seu marido e filho com as suas mãos. Na sua mão estava um anel. Anel esse sinal da união deles. Um símbolo que guarda com a sua vida.
Ela ia agora preparar a mesa para o pequeno-almoço. Dali a 20 minutos eles iriam acordar. Mais valia despachar-se.

Isto segundo o que Jop podia ver. Ver? Já não há mais nada para ver. Está mais do que na hora de acabar com tudo.
Agachando-se ao nível dos outros 5 homens, ele faz-lhes sinal. Com um "shiu!" todos incluindo Quill percebem que não podem fazer barulho. Viram a troca de mensagens. Percebem que chegou a hora.

Iza tem a mão na arma. Sem saber se será capaz sacar dela, mas forçado a fazê-lo pela falta de tempo para pensar.
Ner está a alongar os braços e pernas enquanto virado para a parede. Dava a entender que ia fazer algo. Ia iniciar algo...

A mãe da família ia agora à dispensa. Tirava alguns pratos e copos para o pequeno-almoço. Enquanto cantarolava de boca fechada uma canção.
Estava feliz por ter feito as lancheiras deles. Essa era a parte mais difícil. Por isso é que se deve sentir tão feliz.

Ner fica frente à frente com a parede após estes alongamentos. Olha bem para ela como se fosse um alvo. Um alvo a abater.
Com este olhar surpreendentemente sério e aterrorisador, ele afasta-se um pouco da parede. Dá uns quantos passos para trás até achar que está a uma boa distância.
Ner: "Ok. Aqui deve dar."
Murmura para si próprio ao parar a 3 metros da parede.

Quill: "..."
O homem todo sério deu uma olhada de lado. Viu que Jop já tinha mandado a sua mensagem. A partir de agora restava esperar.
Mas nem pensar que ele ia ficar ali sem ver nada. Este é um momento muito importante que vai determinar o seu futuro naquela gangue sem nome. Naturalmente, ele quer ver tudo na linha da frente.
Quill: "Com licença, malta. Volto já."
Avisa a todos baixinho, saindo daquela filinha sempre agachado. As pessoas todas estranham este seu comportamento. Especialmente a estas horas. Já não é a primeira vez que ele sai dali.
Jop é que está sem paciência alguma para aturar isto. Quando vê aquele homem a sair das traseiras e dando a curva ele passa-se. 
Jop: "Mas que...Quill! Onde pensas que vais? Temos tudo pronto. Precisas mesmo de nos abndonar outra vez, porra!!!"
Reclama quase sussurrando todo indignado para o homem que avança. Este homem que ouviu o que ele diz e para por um segundo.
Antes de os abandonar ele vira as costas uma última vez para os encarar. Com um sorrisinho pouco habitual dele e cara de entusiasmo ele fala:
Quill: "Peço desculpa, mas preciso mesmo de ver isto. Depois explico-vos melhor."
E com esta desculpa pouco elaborada ele vira-lhes as costas e vira a curva. Sem mais nem menos deixa Jop boquiaberto e os outros confusos.
Não lhes deixa oportunidade para fazer nenhuma pergunta. Nem questionar nada. Eles apenas podem falar para o ar como Jop.
Jop: "Este gajo...anda muito esquisito hoje."

Quill segue agachado agora sem querer saber da missão. O que mais lhe importa é saber se Iza será capaz. Se ele vai mesmo sair da gangue.
Ele segue sempre rente à parede branca. Vai por ali até chegar a outra curva. A cruva que leva até à entrada. Perfeito. É mesmo isto que quer.
Espreitando com a cabeça vê Ner a preparar-se para dar início à invasão. Iza nervoso como tudo. Percebe que tem visão para a entrada. O lugar da frente para o espetáculo. Tal como queria.

Neste ponto Maria coloca os pratos e copos em cima da mesa. Falta a toalha que se esqueceu. Com a música perdeu noção da realidade.
Logo ela volta à cozinha para ir buscar a tal da toalha sabendo que é uma cabeça no ar. Cabeça no ar. Só pensava nisso, largando a música.

Iza respirava fundo várias vezes com a boca. Uma. Duas. Três. Podia continuar, mas os nervos não iriam desaparecer.
Ner fletia as pernas de frente para a parede. Baixava a altura da bacia quase que imitando alguém que ia fazer uma grande corrida. Não, um impulso para o que quer que ele fosse fazer.
Tudo isto enquanto Quill observava atentamente. Cada ato deles. Cada pequeno passo que levasse ao momento que mais esperava. Ao momento que Iza mais temia.
Iza: "..."
Este que sentia que teria de se acalmar o mais rápido possível. Para isso ele decide contar até três, respirando bem fundo com cada contagem. Cada número...de um a três.
Ner parece focado e com força suficiente para agir. Jop e os outros também estão prontos. Só falta ele. Isso é que não pode acontecer. Então, sentindo a pressão à flor da pele, ele começa a contagem...
...sem antes dar um último suspiro...para sussurrar...a contagem regressiva.
Iza: "Um."

Maria procurava a toalha na dispensa e nos armários, mas sem sucesso. Sem desistir, ela continua a cavar por entre as gavetas e dispensas.

Jop e os outros homens sentam-se no chão. Agora não podem fazer nada senão esperar. Cabe a Iza e Ner concluir o que começaram.
Agora é com eles.

Quill observa tudo silenciosamente com enorme curiosidade. Ele assenta a mão no solo e pega num pedaço de relva com força para acalmar a tensão.
Mesmo ele tem receio que aquele rapaz faça porcaria. Gosta deste grupo...porém aquele miúdo é capaz de o arruinar.

Iza: "Dois."

Ner respira fundo. Solta um suspiro para aliviar algum potencial receio que tenha. Algum do peso que Iza carrega também está em si.
Afinal, ele é o encarregado de ser o chamariz. Criar uma distração para atrair Maria. Se vai funcionar ou não, é uma boa pergunta. Ele apenas dará o seu melhor. Isso é a única coisa que pode fazer.

Maria: "Aha!"
Ela finalmente encontra o raio da toalha numa gaveta esquecida. Numa onda de felicidade ela desenterra-a e vai para a pôr na mesa. 
Numa caminhada feliz e sorridente. Um passo que simula uma dança com tamanha felicidade. Um sentimento que rapidamente mudaria.

Pois Ner fecha rapidamente os olhos. Abstrai-se de qualquer oensamento ou sentimento que tenha no momento. Pensa só naquela parede e no seu pé.
Os únicos elementos de importante neste seu ato. As únicas coisas que precisa de ter na sua cabeça. 
Isso é algo que Iza não consegue compreender ao chegar no último número. O último supiro desta contagem.
O medo ainda está presente. Os nervos ainda estão presentes. Cada coisa que receava continuam a ser temidas. E ele continua a contagem.
Continua para não ter de pensar em mais nada. Para despachar logo isto. Pelos seus sentimentos que o traem. Por tudo o que teme.
Por todas essas coisas ele fala o próximo e último número. O número que, no calor do momento, ele espera que lhe dê força para agir quando mais precisar.
Para agir em nome de tudo o que proferiu. Para agir...em nome de seu pai...

Iza: "Três."

...
Este foi o segundo de silêncio que se sucedeu. O segundo antes da tempestade.
...
Ner: "Vamos lá!"
Com uma só frase ele sente-se pronto. Com uma só frase entra em foco total. Com uma só frase...abre os olhos.
Então, ele começa a correr com um impulso apenss comparável a um atleta. O grandalhão dá três passos em passada longa para chegar à parede. E quando lá chega...não hesita...
Ele ergue o seu pé no último segundo antes de chocar e...
*PROOOOMMMMMM*
Pontapeia a parede de madeira fazendo um estrondo que só as pessoas do interior podem ouvir. Que só quem está no primeiro andar ouve. 

*PROOOOMMMMMM*
Maria: "..."
Antes que conseguisse chegar até à mesa, ela para. Foi apanhada de surpresa a um nível que se viu obrigada a parar. Já a toalha que ela levava...
...também foi afetada pela mão com o choque que...acabaou por ser largada e cair no chão.
Todo o interesse...toda a sua atenção foi passada para o som que ouviu. E se os seus ouvidos não a enganam, o estrondo vinha de lá de fora...da entrada.

Damian não acorda.

Jeff não acorda. Se bem que este, ao contrário do seu pai, parece ter sentido o estrondo vindo lá de baixo.
Tanto que ele se revira. Estava a segurar o ursinho para o lado esquerdo. Virou-se e passou a segurar este seu peluche para o lado direito.
Mas tirando isso, estes não foram nem um pouco afetados. Eles não interferirão na ação. Isso é com as pessoas lá em baixo.

Jop e o resto dos homens ouviram o som. Eles entreolham-se, quase que dizendo, sem abrir a boca, que tudo tinha começado.

Quill: "..."
Entretanto o clima ficou pesado perto da entrada. O golpe de Ner foi executado como planeado. Foi tão forte que Quill se contraiu como reação.
Iza é que não mudou nem um pouco. Parecia que nem tinha ouvido de tantas preocupações que tinha na cabeça. Se formos bem a ver, talvez até tenha ficado pior. 
Talvez tenha sido relembrado do que agora está por vir.
Ner tinha ainda o pé na parede. Apesar da força do pontapé, não deixou nenhuma marca no local. Mesmo assim o golpe doeu-lhe um pouco.
Ner: "Ufa!"
Estaria a mentir se não se sente mais aliviado. Bem, não pode ficar assim. Fez a sua parte, agora é Iza. É melhor ser mais sorrateiro.
Portanto ele tira o pé da parede com algumas dores. Assenta-o no chão e senta-se no relvado, com as costas juntas à parede que chutou.
Ner: "Agora é contigo, Iza."
Diz para si mesmo, aconchegando-se na relva.

Atraída pelo som ela esquece tudo o que fazia. Fica cheia de perguntas. E sente que terá as respostas se for até à porta. A porta...
Difícil é saber se é o que deve mesmo fazer. Contudo como é que não sabe se é algo de mau. Pode ser alguém que precisa de ajuda. Uma pessoa que pelos vistos não veio é bater à porta para isso.
Maria: "..."
É uma escolha complicada. Embora queira saber pelo que se passa, existe um certo medo. Mesmo assim, o seu lado altruísta vence. Movida pelo carinho aos outros ela decide ir ver o que se passa.
Então ela não gasta tempo. Começa logo a mexer-se para ir ter aonde quer. Pisa na própria toalha caminhando na direção da porta. Passa pelo sofá, televisão, escadas e...
Maria: "..."
...receosamente chega até à porta. A vermelha porta de madeira. Chegou mais rapidamente do que parece.
Ela fica questionar-se no que deve fazer. Veio até ali tão...subitamente...tão rapidamente. Mas...novamente...pode haver alguém a pedir a sua ajuda lá fora. Por isso vale tudo. Isso na opinião dela.
De qualquer forma anda a atrasar demasiado isto. Está à frente da porta. Seria idiota desistir agora. Não agora que focou todas as suas atenções nisto.
Maria: "..."
Está um pouco mais confiante. Determinada a fazer isto. Esta é a sua decisão. Forem as consequências que forem, pelo menos agiu segundo os seus ideais. 
Por isso ela coloca a mão na maçaneta lentamente. Questionando-se até ao último segundo se não deve desistir. Mas é tarde demais. 
Tem já a mão na maçaneta. Sem conseguir impedir-se ela começa a girá-la. Nada mais a pode parar. Nenhum pensamento. Receio. Nada.
Tudo o que acontecer aconteceu. Tudo o que morrer morreu. Ela vai ajudar quem aparecer à frente.

Iza ouve algo do outro lado. Um som mecânico. Semelhante a umas engrenagens. Parece...a maçaneta a abrir-se.
*Trk* *Srk*
Inconscientemente ele tira a pistola do bolso e aponta-a para a frente. Já sabe o que vem aí. E com todos estes nervos esta é a única coisa que se lembra de fazer no calor do momento.
*Trkh* *Srhk* *Trk*
O som continua e não parece parar. A pessoa do outro lado mais parece que está ainda a pensar se o que deve fazer é correto. Se quer mesmo seguir.
*Trkh* *Srhk* *Trk* *Frt*
O barulho continua e aparentemente aproxima-se de um fim. Um fim. Um fim que ele não quer que chege. Um fim que ele quer adiar.
*Trhkh* *Frthk* *Mrthkhk* *Srthkh*
Tal como a pessoa do outro lado Iza também se questiona. Pergunta se deve mesmo seguir ou se é tarde demais. 
*Drth* *Krthgthk* *Nrthkhkgk* *Srthkhgkf* *Qrthk* 
Várias palavras surgem na sua cabeça. As palavras de Damian. As palavras de Maria, a mulher do outro lado da porta.
*Brthk* *Rthkgtrk* *Lrgtk* *Vrthkrgtk* *Zrthkrrrk*
"Ainda bem que contei isto ao meu amigo."
"Lá estás tu com as tuas provocações."
*Wrthkgtk* *Rwtkghk* *Lrtkhklr* *Vrtkltklk* *Srtxcrt* 
Mas, por cada uma dessas memórias que o compelem a desistir...existem outras dez que lhe pedem...sussurram no ouvido:
"Torna-te num assassino, pelo teu pai."
*Zrrrrrrrt* 
"Esquece os sentimentos e tudo isso que te torna fraco."
*Zrrrtttttkktthktkt*
"O que queres ser: mais um homem neste mundo ou um assassino que faz de tudo para orgulhar o seu pai."
*Zrrrrttktktktkrtkthrktrkrktktgh*
"F-Fico feliz por teres tomado a decisão que tomaste, filho."
*Zrrrrtkhtkrktkrghtxkrtkhgrktghtkrwtkghtk*
"Por isso continua o meu negócio por mim."
*Zrrrrrtkhtkghtkgtkkghrtgxxwktgkfltkghxkrwtktgkh*"Tenho a certeza que irás ser um bom líder."
** 
** **
** ** **
E quando o som para...
quando a porta começa a abrir...
quando o coração já não aguenta...
com o dedo no gatilho...
que ele se lembra de uma frase...
não dita pelos outros...
dita por si...
mas que...
o convenceu...
foi o decisor neste instante menor que um segundo...
foi graças a ela que ele teve coragem para continuar...
...
foi graças a ela que não desistiu...
...
...
...

"Eu continuarei o teu negócio. Vou tornar-me o líder desta gangue."
 
...
...
...
Sim, essa foi a sua promessa.
...
De braço estendido para a frente, ele encara a porta que agora é aberta. A pessoa do outro lado puxa a porta para o lado e...
...
Iza: "..."
...
O homem que há um segundo atrás estava tão decidido...hesita.
...
Com uma palavra e a visão de uma cara amiga.
...
Maria: "Iza?"
...
Iza: "..."
E quando ia premir o gatilho...
...ao ver a cara amiga...é relembrado da escala do seu ato...e as questões que tinham desaparecido...começam novamente a surgir.
Iza: "..."
Maria: "..."
Todos estes pequenos elementos, preparações, planeamento para...ele hesitar no momento. Para ficar com a pistola apontada à cabeça do alvo...sem coragem para acabar o que começou.

Quill já se sentia irritado. Sentiu que tinha visto o suficiente. Ao fechar a sua mão direita com tremenda força, examina a situação e traça a conclusão que já previa.
Ele hesitou. O líder da sua gangue não conseguiu nem cumprir o plano. Era exatamente isso que não queria. Era EXATAMENTE ISSO que temia.
Quill: "..."
Naquele silêncio, a raiva ficou toda para dentro. Pronto. Já tinha visto o que precisava. Iza falhou, independentemente do que faça agora.
Podia sair dali. Podia deixar aquela gangue para trás. Podia ir começar uma nova temporada da sua vida, mas...decidiu lá ficar.
Talvez por curiosidade...talvez por raiva...talvez por carinho aos outros membros da gangue. Por alguma dessas razões ele decidiu ficar...por mais uns segundos.

Maria: "..."
Iza: "..."
Ele tinha arma na mão. O alvo mesmo à frente. Mas a coragem...a determinação para o fazer...era isso o que faltava.
Maria: "..."
A sua amiga estava à sua frente agora. Respirando tão rapidamente que o seu peito levanta e baixa várias e várias vezes. Hiperventila ao ver...a arma.
A arma apontada à sua cabeça. Que facilmente pode enfiar uma bala no meio dos seus olhos. Ela...está visivelmente assustada.
No entanto, sente entender o que se passa. Este momento...este instante onde a sua vida está em risco...era o que Damian já lhe tinha contado.
Ele já a tinha avisado. Por isso apenas a sua teimosia a levou até aqui. Ela sabe disso. Arrepende-se disso, mas...também é por isso que ela...não parece resistir. 
Maria: "..."
Iza: "..."
Aquela pessoa é mesmo Iza. Não está a sonhar. A pistola é verdadeira. Damian sempre teve razão.
Num gesto lento e trémulo, ela levanta as mãos. Como se desistindo de lutar. Vendo que não tem muita salvação ali e que...o erro foi seu por ter arrastado o perigo até à dua família.
Porém...este gesto...no meio do silêncio...no meio das questões qur voltavam ao criminoso...arregala os seus olhos.
...
...
...
Iza: "Ei...o q-que é que estás a f-fazer?"
Pergunta, firmemente segurando na pequena e tão perigosa pistola.
...
...
...
Maria apanha uma golfada de ar com a boca para se acalmar um pouco. Para...ficar com coragem para fazer algo naquela situação que não...
...paralisar.
Só assim...ela fala.
...
...
...
Iza: "..."
...
...
...
Maria: "E-Eu estou a levantar as minhas mãos."
Fala numa resposta um tanto quanto óbvia. Mas Iza tem a certeza que há algo a mais ali e...ele quer perceber. Porque é que...
Iza: "Mas porquê? Porque é que...porque é que...porque é que tu não resistes?"
Pergunta com a lágrima a sorrateiramente surgir no canto do seu olho. Pois o homem ia lentamente começando a perceber...que não tinha escolha.
Maria: "B-Bem...porque...não posso fazer nada. Tu és o homem com a arma."
Iza: "..."
O homem com a arma. Não, tem de haver algo a mais ali. Ninguém desiste porque sim. Afinal...
Iza: "Não. Não é só isso. Ninguém desiste da sua vida assim tão facilmente. Sequer tens noção da situação em que te encontras?! TENS O TEU AMIGO COM UMA PISTOLA À TUA CABEÇA!!! Isto não é normal. Não é mais um dia. Tu...podes morrer aqui. Qualquer pessoa tentaria negociar pela sua vida e tu...apenas levantas os braços como se..."
Maria: "Como se tivesse desistido?"
Ela pergunta-lhe com um enorme pesar no coração. Tirou-lhe as palavras da boca. No pior sentido e pior momento, pois acabou por confirmar o que mais temia.
Sem puder controlar, as lágrimas começam a cair de ambos os seus olhos. Como se tivesse encarado a maior desilusã. Até porque...agora não há nada a pará-lo.
A única coisa entre ele e a missão cumprida são as suas vontades. Lá no fundo, isso era o que menos queria. É a pior das possibilidades. De todas as infinitas possibilidades...esta é a pior.
Foi neste instante que ele começa a tremer. Percebendo que não há volta a dar. Que pior do que ser tarde demais...não há outra forma como tanto queria. Matar é a única forma.
E mesmo assim...esta não é a sua maior pergunta. Com a mão e o minúsculo cano da arma a tremerem...a boca do seu rosto molhado solta mais uma pergunta em lágrimas... 
Iza: "P-Porquê? P-Porque é que aceitas a t-tua própria morte com assim t-tanta felicidade?"
Ao que ela responde acerrando os olhos. Fechando bem as suas mãos erguidas no ar e...num tom de voz triste...reconhecendo o próprio erro:

Maria: "Isso é porque...este momento...esta pistola que agora me vem matar...tu e os outros...apenas estás aqui por minha causa. Eu é que insisti em pedir-te dinheiro. Como tal...não te culpes a ti mesmo por teres escolhido este caminho. Não te culpes por teres de te tornar um assassino. Desde o início...a culpa sempre foi minha...por sequer ter insitido em pedir-te os cem mil e por te trazer até aqui. Não há ninguém mais a culpar senão eu por isto."

Iza: "..."
A sua respiração estreita ao perceber tudo isto. Todas estas coisas que sabia, mas apenas queria negar para lhe facilitar o ato. Para não hesitar.
Contudo...a verdade veio ao de cima. Vem sempre ao de cima. E o que mais temia foi lhe recordado. 
Maria: "..."
Por isso agora o que será...vai mesmo matá-la? Por muito que ela não pareça inquietada com isso...ele está. Era o que mais temia que acontecesse. 
Agora não pode evitar. Mesmo com as lágrimas a escorrer do seu rosto. Mesmo com vontade de desistir de tudo...as palavras repetem-se.
"Torna-te num assassino pelo teu pai."
"Eu continuarei o teu negócio. Vou tornar-me o líder desta gangue."
"F-Fico feliz por teres tomado a decisão que tomaste, filho."
Elas não o permitem desistir. O seu pai que o observa lá no céu não quer que ele desista. Não agora. Agora ele quer que Iza mate.
Iza: "..."
Tem a certeza que isso é o que o seu pai quer. Não é o que ele quer, porém...não o pode decepcionar. A pressão que tem em cima de si...as palavras deles...querem que ele siga em frente.
"Esquece os sentimentos e tudo isso que te torna fraco."
É isso. Não pode se esquecer do dever que tem para com todos, vivos ou mortos. O dever que tem neste momento. O dever de matar.
Iza: "..."
O seu braço e mão trémulos acabam por parar de tremer. Ficam firmes como se estivessem determinados a fazer aquilo que precisam. No entanto, as lágrimas não desaparecem.
Por muito que se tenha decidido, as emoções não desaparecem. A amizade que ele sempre teve não irá desaparecer. Independentemente dos caminhos que levar, dos erros que cometer, Maria...
Damian...eles serão sempre os seus amigos.
Por isso é que as lágrimas não desaparecem. Por isso é que as lágrimas continuam. Por isso é que elas se intensificam. 
Iza: "..."
Era tarde demais. Maria percebeu isso há mais tempo. Os outros foram mais visonários do que ela. Mas ao menos ela conseguiu reconhecer isso nos seus últimos momentos. 
O que está a ver agora. O seu amigo a apontar-lhe a arma...não é grande surpresa. Não foi por falta de aviso que este momento chegou. 
Assim sendo ela aceita a própria morte, vendo que o braço de Iza parou de tremer. Fecha os olhos e dá um último adeus. Diz as suas últimas palavras:
Maria: "Sei que isto é difícil para ti. Sei o quão isto vá doer ao Damian e ao Jeff. Mas se eu não estiver viva quando eles cá vierem...faz-me tu ao menos este favor: vive segundo os teus ideais. Pois até eu vejo o quanto tu não queres isto. Mas quem sabe. Isto sou apenas eu a falar e a dar a minha opinião, se é que isso vale alguma coisa."
Iza: "..."
É incrível. Como mesmo nos seus últimos momentos ela consegue manter um pedaço de boa disposição. Ela é mesmo...excelente.
Uma pessoa sem igual. Uma amiga inigualável. E Damian deve saber melhor do que ele porém...Iza imagina que ela também seja uma esposa excelente.
O anel dela cintilava com o sol a bater. O sol que estava a nascer atrás deles. Marcando o final deste confronto.
Já gastou tempo suficiente. Quanto mais tempo demorar, mais tem vontade de desistir. Terá de acabar com isto rapidamente.
Antes que se lembre dos bons momentos que passaram juntos...e da pessoa insubstituível que ele estava prestes a tirar ao mundo.
Maria: "..."
As lágrimas ofuscavam-lhe a visão, mas permitiam-no ver o que mais importava. Maria. O anel dela. A sua amiga de olhos fechados e braços no ar.
E a sua arma a apontar para a sua cabeça. É a isto que tudo se resume. Ao momento de precionar o gatilho que agora chegou. 
Ele engole em seco. Ciente do que está prestes a fazer. Num mero instante ele abre ligeiramente a boca. Pronto para dizer as últimas palavras que Maria ouvirá.
O culminar deste confronto. O culminar que todos estavam fartos de esperar tinha chegado.
Ner ouvia tudo de braços cruzados e paciência no máximo. 

Quill via tudo sorrateiramente com uma enorme raiva.

Jop e os outros aguardavam já fartos. 

Damian e Jeff, por outro lado, nem faziam ideia do que se passava. 

Cada um encarava aquela espera à sua maneira. A espera que agora estava a chegar a um fim. A espera que Iza marcou com a sua contagem.
A contagem que fez para erguer a arma voltava. A contagem que o permitiu seguir o dever e abstrair de tudo. Esta contagem que Iza sente agora necessária. Para acabar o que começou.
Então...
Iza: "..."
...sem aviso algum...
Iza: "..." 
...ele recomeça.

Iza: "Um."

Maria: "..."
Ner: "..."
Quill: "..." 

Iza: "Dois."

Ele puxa o cão da pistola para baixo e...fechando também os seus olhos...

Iza: "E...desculpa-me, por favor."

...o momento chega com uma palavra. Uma palavra que marca o fim de uma vida.

Iza: "Três."

*BAM*

...
...
...
Dá-se o estrondo.
...
...
...
O estrondo que fez pássaros voarem com medo.
...
...
...
O estrondo...
...que marcava a mudança dos tempos para três pessoas em específico.

Ner: "..." 

Quill: "..."

Jop: "..."

Jeff: "Ungh."

Damian: "Ah!"

O estrondo que impactou todos aqueles presentes, mas acima de tudo, aqueles três.

Damian: "Mas que..."
Assustado com o barulho, o pai da família acorda num enorme estresse. Senta-se na cama e imediatamente pensa no que aconteceu. 

Jeff: "..."
Segurando no seu peluche, ele abre os olhos. Também impactado pelo barulho. Aquele som furioso que apenas pode ser comparado...à chegada de uma tempestade.
Foi assim que ele interpretou o estrondo. Uma tempestade. O trovão a bater à porta de sua casa, marcando a chegada de uma nova era para a sua vida. O início do sofrimento.

Jop: "Isto..."
Nas traseiras da casa todos puderam ouvir. Ficaram incrédulos. Não pela morte em si, mas pelo facto de Iza ter conseguido.
Homem: "Ele disparou."
Dizia um deles para os outros num tom de voz normal. Confirmando a realidade que viviam. 
Jop: "Acho que sabem o que isso significa."
Rapidamente ele levanta-se e tira os punhais.
Jop: "O nosso trabalho está feito. Agora temos de sair daqui o mais rápido possível."
Ele guarda os punhais no bolso e olha para os outros 4 homens ali presentes num olhar sério.
Jop: "Estamos entendidos?"
Ao que todos eles respondem em uníssono finalmente sem precisar de sussurrar:
Homens: "Certo."

Na entrada agora estava a cena do crime.
O fumo saía do cano da arma. O homem de olhos fechados tinha agora sangue no seu legado. Sangue que terá de carregar até morrer.
Iza: "..."
Sente que algo está no seu rosto. Não falo das lágrimas. É também algo líquido.
Iza: "..."  
Em silêncio ele abre os olhos. Levanta as pálpebras cada vez mais podendo observar o crime que fez. E mais cedo do que nunca, ele descobre a magnitude da sua ação.
Iza: "..."
Com o rosto coberto de sangue e lágrimas. Na mão uma pequena pistola. Iza Ingram, o filho de Gareth Ingram tinha oficialmente se tornado um assassino.
E foi ao ver o sangue no chão da escadaria de madeira. No piso da entrada. A infiltrar-se na madeira branca, pintando-a de vermelho...
...que entrou em choque.
Iza: "..."

O que tinha à sua frente...
...no chão...era o corpo de uma pessoa. 
Da sua amiga.
Maria.
E agora ela estava morta.
Por sua culpa.
Apesar das palavras dela...
...a culpa é dele...
Iza Ingram.

O assassino.

Iza: "..."
Não havia que enganar. Tinha tudo mesmo a seus pés. A cena do crime sem tirar nem pôr.
Estava Maria estendida no chão de costas. Com o sangue da sua cabeça...o sangue que vem do buraco entre os seus olhos...a escorrer.
Desde a sua cabeça...até aos seus pés. Desde a cabeça que se encontra dentro de casa...até aos seus pés na zona da entrada. O sangue ia de dentro para fora de casa.
Iza: "..."
O vestido dela pintado de vermelho. Os seus olhos petrificados e sem cor, sem vida. A sua mão banhada no próprio fluído. 
E o anel dela...o anel que simbolizava a sua união com Damian...manchado. Manchado de vermelho por causa de uma bala que a empurrou para baixo e...ultimamente...matou.
Bala disparada por Iza Ingram. O homem que tem agora os seus sapatos manchados pelo sangue. O homem que baixa finalmente o braço e a pistola.

O homem que arregala os olhos e assusta-se com a sua própria criação. O homem que se tornou um monstro em nome dos outros.

Iza: "..."
Enquanto em choque, os outros começam a mexer-se. Outras pessoas devem ter ouvido o barulho. E não só o marido e filho dela. Todo o bairro deve ter ouvido.
Tinham previsto isso no plano. Por isso é que fugiam dali. Tudo tinha sido planeado. E Ner também sabia disso.
Ner: "Muito bem."
O homem alto e musculado levanta-se e estende os braços.
Ner: "Acabámos por aqui."
Diz, em voz alta, falando para Iza.
Ner: "Tu fizeste a tua decisão. Boa ou má não importa. Depois tens tempo para chorar. Agora o que importa é fugir. O que importa é não ser apanhado."
Então, dando uma olhada para cima de si, vê o que já suspeitava. O líder petrificado a olhar para o cadavér. 
Lembra-se de quando matou pela primeira vez. Iza deve estar a sentir-se da mesma forma. Porém, este é um sentimento a que ele terá de se acostumar.
Sendo assim ele olha para a frente e começa a correr. Corre pela sua vida e para não ser apanhado. Corre em direção ao local planeado.
A espécie de abrigo que conseguiram arranjar. Isto é, do beco, do outro lado da estrada vazia.

Damian: "Maria?"
O pai sai do seu quarto sem saber o que aconteceu. Sai em puro silêncio, julgando que a sua casa tenha sido assaltada. Porém não podia estar mais errado.
Jeff: "..."
Antes que pudesse sequer descer as escadas, ouve o som de uma porta a abrir-se. Olha para a parede à sua frente. É Jeff que sai do seu quarto, segurando o peluche com medo.
Damian: "Filho..."
Jeff: "Pai..."
Diz ele assustado, tendo acabado de ouvir o que ele disse.
Damian: "Jeff...estás bem?"
Pergunta, trocando olhares com o rapaz que segura tão fortemente o urso de peliche que mais parece estrangulá-lo.
Jeff: "Pai...tu também ouviste? Era...um barulho...muito alto...como um trovão."
Damian: "..."
Parece que não estava maluco. Aquilo que ouviu não era um pesadelo. Aconteceu mesmo, tanto que o seu filho também ouviu.
Começa a temer que aquilo tenha acontecido. Aquilo que tanto tinha avisado Maria. Será que...a hora chegou? Era inevitável e ela também sabia disso. Será que agora é o momento?
Damian: "Filho...não te preocupes. Eu vou ver, ok?"
Fala para tentar tranquilizar o seu filho que está mais do que cabisbaixo.
Jeff: "Mas...a mãe...ela não acorda todos os dias a estas horas? Ela deve estar lá embaixo."
Damian: "..."
O que mais temia pode muito bem ser realidade. Ele...já se assusta só de pensar. E...se a sua imaginação estiver correta...e espera que não...então Jeff não pode descer.
Pois correrá risco de ver a sua mãe...morta.
Damian: "Filho...fica aqui que...eu vou ver."
Fala-lhe com medo nos seus olhos só de pensar naquela hipótese que não quer ver tornada realidade.
Jeff: "Não. Eu quero ver se a mãe está bem. Porque...eu não a ouço."
Damian: "..."
Jeff: "Mãe? Estás aí?"
... 
Nada. Como mais temia. A realidade que teme vai se tornando cada vez mais possível. E isso assusta tanto Jeff como Damian.
...
Damian: "..."
...
Jeff: "Mãe...ela não me ouve ou...algo aconteceu."
Pouco a pouco vai começando a suspeitar. Tal como o seu pai teme algo pior. E a realidade não ajuda.
Mas só terá a certeza quando conseguir ver com os seus próprios olhos. Quando estiver lá embaixo com a sua mãe.
Damian: "Ouve, tu fica aqui. Vou ver e depois chamo-te. É que...eu não te quero ver a correr perigo, ok?"
O seu pai até se aproxima um pouco das escadas. Ia descer. Mas...Jeff percebe algo. Apercebe-se que não se sente capaz de ficar ali à espera.
Embora o seu pai tenha um ponto...o rapaz quer ir com ele. Para descobrir com certidão o que se passou. E não se imagina a ficar ali à espera enquanto segura o seu peluche com medo.
Isso já fez durante demasiado tempo. Como tal não aguenta mais a espera. Quer ver tudo agora.  
Jeff: "Não. E-Eu também vou."
Diz, chegando-se à frente do pai. Porém, Damian não pare ia contente com esta insistência do seu filho.
Não se sente contente ao vê-lo tão determinado para descobrir o que se passa. Se ele próprio já se sente despreparado, então nem quer ver como se sentirá uma criança. 
Damian: "Jeff..." 
A última coisa que queria ver era Maria morta. Isso e...fazer o seu filho assistir. Não quer criar más memórias. Por muito que isso pareça cada vez mais inevitável...
Tudo leva à conclusão que não quer ver. O mundo não ajuda. Resta-lhes agir da melhor maneira. Fazer o máximo para este momento não os absorver.
Ele sabe...Damian já não lida com a morte pela primeira vez. Sabe o que tem de fazer e...não sabe se o conseguirá agora. Hoje que foi apanhado de surpresa.
Não, por essas e por outras não o pode deixar descer as escadas. Tem a certeza que a intenção dele é boa. O problema é que...como criança, não merece ver o que aconteceu. Jeff não merece. 
Por isso ele antecipa-se. Coloca o seu corpo à frente das escadas e bloqueia a passagem com o seu corpo que não é muito alto ou encorpado, mas que, contra uma criança, parece um gigante.
Este ato deixa a criança de olhos arregalados. Confuso com esta estranha e tão inesperada decisão do seu pai.
Damian: "Desculpa, Jeff, mas...eu não te posso deixar passar."
Jeff: "O quê? Pai, o que estás a fazer?"
Pergunta todo confuso com esta súbita mudança de caráter por parte do seu pai.
Damian: "Eu tenho uma má sensação. Não tenho a certeza do que se passa...porém não me parece seguro ires lá embaixo." 
Fala para disfarçar o seu envolvimento com o que teme que tenha acontecido. Mas para Jeff...esta ação é apenas confusa.
Jeff: "Mas qual é o problema? Eu posso ir contigo. Juro que não saio perto de ti."
Damian: "Desculpa. Não é não."
Ficou tão focado em não deixar o seu filho passar que acabou por se tornar mais suspeito do que nunca. O seu filho agora é que sente que este comportamento incomum tem algo por detrás.
Damian: "..."
Jeff: "Estás a agir de forma estranha, pai."
Diz com os olhos mais acerrados e voz mais agressiva.
Damian: "É só recuares que eu paro de te chatear. Nós os dois ficamos a saber do que se passou. Escusamos ter de gastar tempo com estas discussões."
Jeff: "..."
Damian: "Por favor, Jeff. Não me obrigues a ter de fazer de muralha."
Jeff: "..."
Não importava o quanto ele falasse. As suas palavras já não funcionavam. O rapaz queria é ir ver da sua mãe.
Agora era tarde demais para o impedir. A curiosidade tinha vencido. Nada o podia parar neste momento. Quer descobrir o que se passa.
E nem o seu pai o vai impedir.
Jeff: "Desculpa, pai."
Carregando numa corrida para a frente o rapaz vai contra o seu pai, chocando com a cabeça na sua barriga. Porém a sua força não se compara nem um pouco à força de um adulto.
Ele ainda tenta bater-lhe e atingi-lo com o urso de peluche, mas Damian simplesmente não o deixava avançar. Da mesma forma que o seu filho quer descer...Damian quer impedi-lo.
Este pequeno confronto que dói no coração de ambos torna-se mais numa batalha de resiliência do que qualquer coisa. Ganhará quem aguentar mais.
Só assim se saberá o vencedor.
Jeff: "Sai! Sai!"  

Quill: "Porra..."
O homem profissional finalmente quebra. Mete um soco na parede para aliviar alguma da raiva ao ver que aquela gangue sem nome estava amaldiçoada.
Amaldiçoada enquanto aquele tipo liderar. Enquanto Iza continuar a ser assim.
Aquele homem não tem futuro. Não tem esperança. Quill ainda lhe deu uma oportunidade, mas...ele acabou de a desperdiçar.
Sim, matou-a. Porém, hesitou. Por uns bons segundos hesitou. E Quill esteve tempo suficiente neste mundo para reconhecer um criminoso. Por isso diz com segurança que aquele miúdo...
...não é um.
O combinado é o combinado. Foi uma promessa que fez a Iza e a si mesmo. Ele hesitou e Quill vai sair, percebendo que não atingirá o seu objetivo ali.
É uma pena, pois sentirá falta de alguns deles. De Ner e das suas burrices. De Jop e da sua tendência impulsiva para a luta. Todos esses entre outros sentirá falta. 
Sentirá falta dessas pessoas que não só considera amigos como também família. Mas enquanto o Iza continuar nesta gangue, não vê ali o seu futuro. Por causa dele, terá de abandonar quem ama. 

Deve haver uma gangue onde as suas habilidades serão melhor aproveitadas. Um lugar melhor do que este. Com pessoas tão profissionais quanto ele. Gangue que o relembre dos tempos com Gareth. 

Como tal, ele levanta-se. Abotoa o casaco e...ia sair dali...só que...ouviu algo.
Uns barulhos atrás de si. Barulhos de sapatos. Parecem...passos. E não é só uma pessoa.
Quill olha para trás e vê 5 homens a correr. Correm pelas suas vidas. Afinal esse era o plano. Acabada a execução, bastava fugir dali.
Eles efetivamente fogem dali. Correm a sete pés como touros malucos. Seria idiotice meter-se à frente deles.
Então ele encosta-se à parede. Deixa o caminho livre para os outros. E eles...eles aproveitam.
Vão como um raio. Passam por ele em quase um piscar de olhos com tanta pressa e medo. Todos cruzam a estrada vazia e vão até ao beco. Todos menos um. 
Um que para de correr mesmo à frente de Quill. Quando os outros já atravessam a estrada fica ele para conversar consigo. É o Jop.
Quill: "..."
Jop: "Quill! Afinal estás aqui! Sabes que mais? Não preciso que me expliques o que estás a aqui a fazer. Presumo que tenhas ouvido o estrondo. O Iza conseguiu. Nem eu conseguia acreditar. Parece que ele até pode ser promissor, não é?"
Fala ofegante.
Quill: "É. Talvez sim. Talvez não. Acho que nunca vou saber."
Deixando Jop com um olhar críptico, ele tira as costas da parede. Nos seus modos profissionais ele anda para a frente, pelo passeio. Seguindo um caminho diferente ao dos seus colegas.
Jop fica mais do que confuso com aquilo. Com aquelas palavras. Com todo o seu comportamento no dia de hoje. O que é que se passa com ele?
Jop: "Mas que...onde é que tu vais? Os outros estão a ir para o beco. Foi aí que combinámos."
Diz para o homem que segue para o lado.
Quill: "Não, eu sei. Apenas vou seguir um caminho diferente. Um que sinto ser melhor do que ficar nesta gangue sem nome."
Responde continuando a caminhar. 
O homem com os punhais nos bolsos levanta a sobrancelha direita. Fica mais confuso do que antes com esta sua resposta. 
Algo se passa ali. Sempre soube disso. Desde que falou com ele quando chegaram àquela casa. Mas...agora é que julga ser o melhor momento para ver estas suas perguntas serem respondidas.
Jop: "Tens estado a agir de forma muito estranha, Quill. Vais dizer-me o que se passa?"
Pergunta-lhe erguendo ligeiramente a voz à medida que a distância entre os dois aumenta. 
O outro coloca as mão nos bolsos. Num ar mais descontraído. Um dos poucos momentos em que quebra a figura de excelência que construiu com os anos. 
Só para neste momento tirar proveito disso. Aproveitar que não tem mais nada a perder para fazer estes erros. Erros que não irá cometer quando começar de novo.
Quill: "Não te preocupes comigo. Não vais me ver mais por estas ruas. Vou mudar de ambiente. De horizontes. Considera isto como a minha despedida. Estásencarregue de informar os outros da minha partida. Quanto à razão..."
Ele pausa um pouco. Agora está a 10 metros de Jop. O homem esboça um sorriso que Jop não vê. E solta a sua resposta, a sua última palavra para todos eles:

Quill: "Diz-lhes que fui para um lugar melhor. Rodear-me de pessoas excelentes, mas não tão boas quanto vocês. Pessoas que eu espero, serem lideradas por um bom capitão. Mas até nos vermos outra vez, foi um prazer estar convosco, pessoal. Foi um prazer."

Então ele acelera o passo. Sem que Jop possa dizer nada ele já vai ao fundo. Com uma nova determinação. Em direção a um "lugar melhor".
Como de se esperar Jop não entendeu. Não entende grande parte das coisas. Porém se há algo que tem a certeza é isto: não voltará a ver aquele homem outra vez.
Aquele homem com quem passou tanto tempo. Aquele homem que considera mais do que um amigo. Considera-o famíl-
*Wiuuou* *Wiouou*
Jop: "Raios."
No entanto ele é rapidamente tirado deste clima pensativo. Ao ouvir o que aprecem ser sons de uma sirene ao longe ele lembra-se do que devia fazer.
Ele dá uma última olhada para o homem ao longe. O homem que agora parece deixar a gangue sem mais nem menos. O homem que tanto respeita.
O que é que lhe deu na cabeça? Virando-se para o beco ele vai pensando em tudo isso e formulando hipóteses. O que quer que tenha acontecido, há sempre uma suspeita em mente.
Jop começa a correr e sente que vai começando a ligar os pontos. O que Quill disse...
"lugar melhor"
"melhor capitão"
...ele refere-se à liderança desta gangue.
Esse sempre foi um tema de grande debate. Hoje Iza parece ter-se redimido. Mas será que ele estava a tentar avisá-los? Será que ele é que é o visionário nisto tudo?
De qualquer forma a resposta fica óbvia. Por muitas voltas que dê...vai sempre parar à mesma pessoa. Ele é o culapdo da partida daquele colega tão bom. Essa pessoa é ele: Iza Ingram.

Jeff: "Haaa! Vamos! Deixa-me passar!"
Resmungava chocando com o seu corpo na barriga do seu pai. Usando o máximo de força que conseguia ele puxa para frente, mas sem sucesso.
Damian: "..."
Afinal, por muito que tente, o seu pai...a muralha imóvel não se deixa penetrar. Quer por palavras. Quer por ataques físicos.
Jeff: "Vá lá! Para com isto!"
Não que as palavras dele não o afetem. Pelo contrário. Cortam mais do que qualquer lâmina. Mas...ele não pode ceder.
Terá de continuar a bloquear a passagem. Para poupar o seu filho de sofrimento. Porque ele teme o que o aguarda no andar de baixo. E não quer que o filho veja.
Por essas razões ele deve continuar.
Continuar a não deixar o seu filho passar.
Continuar a aguentar aquelas palavras que o ferem.
Damian: "..."
Jeff: *Pant* *Pant*
E parece que o seu filho não conseguirá a bater nele e a chocar com ele para sempre. Tanto que agora está ofegante. Cansado de tanto esforço. Cansado, ele para um pouco.
Damian: "Aproveita agora que estás cansado. Segue o meu conselho e fica aqui. Por favor, Jeff. Ouve bem as minhas palavras."
O seu filho recupera o fólego enquanto ouve o pai. Está ciente da sabedoria das palavras dele. Do quão provável é que ele esteja certo, porém...não quer acreditar nisso. Quer ver Maria.
Jeff: "Pai...estás a agir de forma muito estranha."
Diz, ao respirar pesadamente de cansaço.
Jeff: "Não sei o que se passa contigo. Não quero saber disso agora. Só quero que saibas que eu quero ver o que se passa tal como tu. Tal como tu não quero perder tempo aqui contigo. Então porque não paramos de desperdiçar tempo e me deixas passar?"
Pergunta, dando a entender que aquela era uma solução óbvia. Tão óbvia que dava a entender que o seu pai era idiota por não a ter levado em conta.
Damian: "..."
Novamente...as palavras dele são fortes. Especialmente porque vêm do seu filho. Todavia, ele não pode deixar-se levar. Embora tudo pareça muito tentador...não pode ceder.
Pelo seu filho...não quer vê-lo a sofrer. E embora ele esteja agora a ser ferido...as coisas poderiam estar muito piores. Para não piorarem...ele não o pode deixar passar.
Damian: "Desculpa, mas...não sinto que te possa explicar. Não agora. Tens mesmo de confiar em mim. Por favor, desiste."
O seu filho amargura. Fica ainda mais sério do que nunca. E agora que recuperou o fólega também se recompõe. Volta ao rubro e responde-lhe com um grande pesar no coração:
Jeff: "Pois...eu não vou desistir."
Foi quando ele se recuperava para voltar a dar tudo de si quando...
*Wiouiuiuouiouoi* *Wiououiuiiiuiiuiiuiiuoioiioui*
Damian: "..."
Jeff: "..."
Quebrando a postura de ambos e o clima de cortar à faca...um barulho irritante entra em cena. Um som repetitivo e que parecia ficar cada vez mais perto.
Damian é apanhado de surpresa. Naquele momento começou a perder a esperança que lhe restava. Aquele som remeteu-o novamente para o que mais temia. 
Sem se aperceber ele tinha perdido aquele rosto sério. Dando lugar a um rosto mais intrigado...críptico. Pertencente a alguém que não queria acreditar no que estava a ouvir.
Damian: "Sirenes?"
Esta reação dele, mais do que o deixar mais amedrontado...também o deixou vulnerável. 
Jeff também sentiu uma confusão inicial. Ficou a perguntar-se mais sobre o que aconteceu, pois ele tinha a certeza que agora não poderia ser bom. Isto apenas lhe veio dar mais motivação para descobrir.
Jeff: "..."
Determinado ele olha para a frente. Averigua que Damian está demasiado ocupado a contemplar o som e a tentar descobrir o que se passava.
Enquanto isso Jeff pensa rápido. Mira o olhar para a frente e aproveita a distração momentânea. Aproveita a distração para arranjar vantagem.
Jeff: "Desculpa!"
Agressivamente ele corre com um impulso para a frente. Aproveita mais do que a distração do seu pai, a sua desvantagem de tamanho. 
Então, apanhando-o de surpresa, quando chega ao pé dele e parece que vai chocar mais uma vez...ele desliza no chão e passa por entre as suas pernas. Mesmo debaixo de si.
Damian: "Mas que-"
Ele nem tem tempo para reagir. Mal teve tempo para processar as sirenes que teve logo de lidar com o seu filho.
Apercebendo-se do movimento ele tenta olhar para a frente, mas ele já não está lá. Não. Sentiu que ele estava...atrás de si.
Olha para trás e lá estava ele. Levantando-se e preparando-se para descer. Aquele rapaz...tinha conseguido passar por ele.
Jeff: "..."
Raios. Ficou demasiado absorvido com aquele barulho. Tem de se focar. Nem que seja só para minimizar o dano. E...porque...ele não pode ver o que se passa.
Se há algo que aquele barulho lhe alertou...é que ele não pode ver o que está lá em baixo. Não pode ver. A todos os custos.
Por isso não pode ficar tempo a lamentar-se. Tem de agir enquanto pode. Antes que seja tarde demais.  

Iza: "..."
*Wiouioui* *Wioiui*
As sirenes ouvem-se por todo o bairro. Neste ponto os vizinhos devem estar a acordar com o barulho de fundo, se é que já não acordaram com o disparo.
*Wiouiouioi* *Wiouiuoiui*
Iza: "..."
Apesar deste barulho de fundo ele não consegue tirar os olhos do corpo no chão. Da moete que ele causou e de cada elemento daquela cena.
Desde o anel manchado de sangue. Ao buraco entre os seus olhos sem vida. Até ao sangue...vermelho como uma passadeira por onde os famosos passam. 
A diferença é que os seus atos não devem ser vangloriados. Ele pode ter agradado os seus companheiros e até o seu pai, mas ele...
...está arrependido como nunca.
*Wiouoiuoi* *Wiououioii* 
Não só por ter matado. Como por quem matou e pela pessoa que era. Maria...ela era alguém perfeito. O tipo de mulher que mais admira. 
Uma pessoa cujas características nunca mais poderão ser replicadas. Alguém que tinha um objetivo, sonhos e pessoas que a amavam, sendo uma delas Iza.
E, no entanto, ele premiu o gatilho. Movido pelas palavras de outrem ele ignorou os seus sentimentos. Seguiu as vontades dos outros.
Tirou esta pessoa ao mundo.
Com o simples premir de um gatilho.
*Wiouiuoiui* *Wiououoiii* 
Iza: "..."
Ele não chora. Está em puro choque pelo que fez. Com o sangue no seu rosto e...a pistola...na mão.
A pistola. Iza olha para a sua mão direita e vê a arma que causou o crime. A arma que facilmente matou Maria. 
Olha bem para ela, sabendo do poder que contém. Do que é bem capaz. E pensando nisso...ele assusta-se.
Iza: "..."
*Wiououoiioi* *Wiououoioiui* 
De olhos arregalados ele deixa cair a arma na poça de sangue. Livra-se daquela arma tão poderosa. Demasiado poderosa para qualquer humano possuir. 
Ele não merece aquele poder todo. Talvez seja pelo trauma que agora desenvolve, porém...a pistola...não se consegue ver a usar uma outra vez.
Talvez seja apenas uma sensação momentânea.
Contudo o seu subconsciente parece avisá-lo.
E ele raramente se engana.
Avisa-o para não segurar naquela arma no chão.
Não só porque considera errado possuir tanto poder com o premir do gatilho como também por se preocupar com o que a pistola...
...o pode lembrar.
*Wiououoiuoi* *Wiouououii* 
Sempre que segurar nela lembrar-se-á...
...a sua mente será levada a este cenário...
...a esta cena do crime de que tanto se arrepende.
Até este momento onde vê Maria morta...
...sangue na sua cara...
...uma poça de sangue a seus pés...
...um anel manchado de vermelho...
...uma pisola e-
Damian: "Jeff, espera! Não estás a ouvir as sirenes?"
Jeff: "Não, mas é que eu preciso de ver o que se passou!"
*Wioiuoiouiouiuiui* *Wiouiuouioiui*
Iza: "Raios partam."
Por muito que o som das sirenes percorra todo o bairro e apenas fique mais alto...não é isso o que o acorda. Mas sim os sons vindos da casa.
Aquelas vozes...não o enganam. Não conhece Jeff...já Damian...a sua voz...essa reconhece bem. E essa voz...lembra-o do plano. Do que devia fazer após este resultado inevitável.
Jeff: "Mãe?"
Damian: "Jeff, por favor. Escuta-me!"
*Wiououiuiouoi* *Wiuoiouiiouiuoi*
Iza: "..."
Percebe que está metido em sarilhos. Bastou isso para ele ganhar um pouco de vida nos seus olhos. Quebrar os próprios pensamentos para agir.
Para sair dali o mais rápido possível. Para virar as costas àquela cena. Ao sangue. Ao anel. À sua pistola afundada na poça. 
Tudo para se pôr a correr dali para fora. Para descer as escadas e correr a sete pés em direção ao beco. Para correr com o sangue no rosto misturado com as lágrimas.
Para sair dali com vergonha na cara. Temendo que seja apanhado e que...tenha de encarar as consequências...que tenha de ver mais uma vez os resultados dos seus atos.
*Wioiuiuououi* *Wiououiouoioui*
Afinal...
...não importa o quanto corra...
...quer esteja agora a atravessar a estrada...
...ou quer esteja a dormir numa noite tranquila...
...há algo de que tem a certeza...
...os seus atos...
...aquela cena...
...todo aquele sangue e lágrimas...
...todos estes elementos que o marcaram...
...vão estar sempre consigo.
Agora fazem parte do seu legado.
O legado de Iza Ingram.
O homem que destruiu a sua amizade por causa dos outros.
O homem que se tornou um criminoso pelos que ama.
O homem que matou em nome dos outros.
...
O homem que se tornou um assassino em nome dos outros.

Jeff: "Mãe? Mãe! Mãe!"
*Wiououoiiuoiiui* *Wioiouiuiiouiuoiioi* 
Descendo as escadas ele rapidamente chega ao piso de baixo. Segurando o urso de peluche ele vai empolgadamente. Dá uma curva e chega à entrada com o coração nas mãos.
Com o coração e o peluche nas mãos. Com o medo e os nervos em ação. Com o seu pai estressado a descer as escadas, a uns segundos de o alcançar.
Ele olha por uns breves segundos para a cozinha. Maria não está lá. Olha para a sala de estar e o sofá. Também não está lá.
Olha para a entrada, o lugar que mais suspeitava e...lá estava. A porta aberta. Com os raios de sol a incidir sobre a zona da entrada inteira. Não permitem a criança ver bem, mas não importa.
*Wiououiuoi* *Wiiuiuiuouiui* 
Nada o pode parar agora. Ele tem literalmente a porta aberta à sua frente. A oportunidade de ouro para desvendar o mistério enquanto o seu pai está ocupado com as escadas.
Não sabe o que esperar. Sabe que a resposta está ali. Ali. À sua frente. Na porta. A porta branca que está aberta por alguma razão. Por alguma razão... 
Ainda assim isso não o amendronta. O que ele quer é descobrir o que se passou à sua mãe com todo o custo. Isso é tudo o que importa.
Jeff: "..."
*Wiouououoiouiuoui* *Wiououiuouii*
As sirenes ao fundo não ajudam nada. Mesmo assim ele avança. De peluche na mão. Curiosidade e terror na cabeça. E...a sua imaginação...
...nela vê o pior.
O pior que aqueles sons podem ter trazido. Com cada passo vai sentindo a tensão a chegar a um pico. A um pico, preparando-se para rebentar. Para rebentar no auge.
Jeff: "..."
Por enquanto ele caminha apesar disso tudo. Caminha até à zona que o sol não o permite ver com totalidade...
Em direção à entrada. A única zona onde a sua mãe pode estar. A única zona onde pode encontrar as suas respostas. Aquilo que mais deseja.
A resposta para este estrondo. Para o porquê das sirenes terem subitamente aparecido. O porquê de ter acordado. E...mais uma pergunta que ele se esquece.
Todos eles culminam nestes passos. Quando ele está mesmo à boca da entrada e-
*Plim*
...
...
...
Ouviu algo.
...
...
...
Precisamente quando assentou o pé no chão.
...
...
...
No chão de dentro de casa, mas...numa região mesmo perto da entrada.
...
Mesmo na boca da entrada.
...
Jeff: "..."
O rapaz paralisa.
...
O que o seu pé direito tinha acabado de pisar era algo líquido.
...
Uma espécie de fluído tinha acabado de molhar o seu pé sem meia.
...
Um fluído frio.
...
...
...
Que por alguma razão lhe dá um choque na espinha.
...
...
...
Jeff: "..."
...
...
...
Morbidamente intrigado ele olha para baixo.
Ele olha e vê o que o sol escondia. 
...
...
...
Já esperava o pior, mas...
...
...
...
...o que viu...
...era algo que nem num pesadelo poderia ter imaginado.
*Wiououoiouoiioui* *Wiiuouiuouiuiioioui* 
Damian: "Jeff..."
Logo em cima do momento ele chega. Acabado de descer as escadas vai a correr até à entrada ofuscada pelos raios de sol. Vai até ao seu filho que está paralisado a olhar para baixo.
Damian: "O que é que se passa contigo?"
Ele corre como nunca antes tinha corrido para alcançar o seu filho. Corre em direção à porta que vai ficando cada vez mais livre dos raios de sol, cada vez mais visível à medida que se aproxima.
Damian: "Ei, Jeff."
Perto do seu filho ele para. Repara que ele está em choque. Não parece se mexer. Apenas fica a olhar para baixo. Como tal ele tenta fazê-lo falar. Toca no seu ombro e faz o seu apelo:
Damian: "Jeff! O que se passa? Fala com o teu pai, por favor."
...
Jeff: "..."
Mas ele não responde. Continua em silêncio. A olhar para o chão como se estivesse a acontecer lá grande coisa e-
É aí que ele pensa claramente. É aí que lhe vem à cabeça num relâmpago de clareza. Um vislumbre de lógica e racionalidade.
... 
Talvez...
...só talvez...
...a resposta a todas essas suas questões...
...esteja mesmo à sua frente.
Mas é claro.
Esqueceu-se disso com o cansaço que sentia ao descer as escadas. Esqueceu-se disso com toda a confusão que teve com Jeff.
Porém...
...para o seu filho...
...para Jeff estar a olhar tão fixadamente para baixo...
...é porque algo de chocante achou...
...algo que não esperava.
...
Engolindo em seco, Damian reúne coragem. A realidade não o ajuda nem um pouco. A cada segundo...é cada vez mais provável que aquela hipótese...
...aquela hipótese que tanto teme e não quer ver tornada realidade por nada.
...
Basta olhar para baixo.
...
Então...
...num olhar para o chão tímido e assustado...
...num olhar arregalado...
...ele finalmente vê o que o seu filho via.
...
Cada...
...elemento...
...daquela cena...
...daquela cena do crime.
...
*Wiouiuouoiouiuoui* *Wiououiuouiuouiui*
...
Viu tudo.
Tudo o que explicava o estado de choque...
...o estado de paralisia do seu filho.
...
O sangue...
o sangue nos pés do seu filho.
...
O anel...
...aquele anel que ele lhe tinha dado no casamento.
O mesmo anel que ele tem no seu dedo.
...
E agora ele vê-o ali no chão.
...
Com sangue a manchá-lo.
Sangue a pintá-lo de um vermelho frio e violento.
Sangue dela...
...sangue derramado por alguém.
...
Alguém que pôs uma bala...
...uma nala na sua cabeça...
...
...
...como mais temia.
Imediatamente ele supõe quem é. Quem mais haveria de ser senão a pessoa que já os tinha avisado, se bem que parecendo forçado. 
...
Iza Ingram.
...
Ele é o culpado, mas...
...isso é ele a falar.
Já o seu filho...
...o seu filho...
...o seu filho...
...o seu pobre filho...
...ele que conseguiu passar por entre as suas pernas...
...ele que infelizmente teve de presenciar esta cena...
...esta cena que para ele é um mistério...
...esta cena...
...esta cena que agora lhe deixa uma cicatriz...
...da mesma forma que a sua mãe também foi ferida na cabeça...
...ele agora também é marcado.
Pelo estrondo que ouviu...
...pelo anel banhado de sangue...
...pelos seus cabelos pintados de vermelho...
...pela sua cabeça furada por uma pistola...
...a pistola...
...a pistola que se encontra no chão e que todos eles ignoram...
...pois o que fica com eles...
...o que mais marca...
...o que mais fere...
...o que mais magoa tanto ao pai e ao filho...
...
...
...
...é ver aquela pessoa...
...aquela mulher...
...aquela esposa...
...aquela mãe...
...agora...
...no chão...
...sem vida...
...
...
...
...morta.
...
...
...
É tão chocante para um adulto como Damian.
...
...
...
Ainda mais para uma criança como Jeff.
...
Tão chocante que o miúdo começa a perder força no corpo.
...
Começa a ficar mais fraco.
...
Derrubando o seu caráter para sempre.
...
...
...
E nem o urso de peluche que segura resiste.
...
...
...
Também ele cai quando os seus dedos perdem força e deixam de o segurar com aquele choque.
...
...
...
Fazendo o urso de peluche cair no chão ensaguentado.
...
No chão da entrada.
...
...
...
O chão que agora envolve o peluche.
...
...
...
Transformando-o de cor castanha...
...até à cor vermelha.
...
...
...A cor vermelha que ficou para sempre na sua mente.
...
Ficou como a cor daquele dia.
...
...
...
A cor do sangue.
A cor que mancha o anel.
A cor que mancha o urso...
...o ursinho de peluche que tanto ama.
...
...
...
Mas esta também se tornou a cor que ficou na cabeça cada vez que olham para a entrada.
*Wiouououoiououoi* *Wiououououoioiiui*
A cor que nem o som das sirenes conseguiu tirar das suas cabeças. Mesmo as viaturas tendo chegado naquele momento e o som estando mais perto do que nunca.
...
Só o tempo é que viria a apagar esta cor. 
Só o tempo diria.
Só o tempo.
...
...
...
E nem o tempo garantirá nada.
...
...
...
Olhando para o rosto da sua mulher ele dá uma última vista de olhos.
...
...
...
Quer ter um último vislumbre antes que eles a levem dele e do seu filho, que agora se encontra de mãos vazias.
...
...
...
Observou os seus olhos petrificados.
...
O buraco entre os seus olhos.
...
Inclusive a sua boca.
...
Os seus lábios vermelhos rechonchudos que vão perdendo a cor.
...
...
...
Mas pode ter sido uma ilusão...
...algo criado pela sua mente...
...algo que não aconteceu...
...agora se algo é verdade...
...é que ele ouviu.
...
...
...
*Wiououououoiioui* *Wiouoiouououiuiuiiii*
As sirenes altas não o impediram de ouvir.
...
...
...
Jeff tinha sido completamente absorvido na própria cabeça e sofirmento, por isso é capaz de não ter ouvindo.
...
...
...
Por outro lado...
...Damian...
...Damian tem quase a certeza que ouviu...
...que ouviu algo...
...algo vindo da boca de Maria...
...com aquela voz...
...sem igual...
...indistinguível.
...
...
...
Ele tem quase a certeza...
...tanto que se encontrava a observar os lábios dela...
...e julga...
...pode muito bem ter sido uma ilusão...
...mas julga...
...com quase toda a certeza...
...
...
...
...que observando os lábios da sua mulher...
...
...
...
...naquele instante...
...
...
...
...julga ter visto e ouvido o que parecia um milagre...
...
...
...
...num tom muito baixinho...
...
...
...
...que apenas pode ser comparado com um sussurro...
...
...
...
...no meio da barulheira das sirenes...
...
...
...
...viu os lábios dela a mexerem-se suavemente...
...viu a boca dela a mexer-se.
...
Mexia-se de uma forma tão surreal e...
...impossível no estado em que ela se encontrava...
...
...era...
...um último sussurro...
...um último esforço para dizer as suas últimas palavras...
...sacrificando a sua vida no processo...
...
...para passar esta mensagem ao seu marido...
...
...
...
...ele que tinha a certeza que não estaria suficientemente em choque para se desligar da realidade...
...
...
...
...num último sacrifício...
...num último esforço...
...ela falou...
...uma...
...última...
...vez...
...
...
...
...
...
...
...
Maria: "P-Por f-favor, n-não me vingues. N-Não m-mates. N-Não te tornes como ele."

Damian: "..."
E assim ele voltou à realidade. De volta ao táxi que agora para. O seu rosto esteve fixado a olhar para a janela. Agora da janela vê a sua casa.
Taxista: "Finalmente chegámos."
Anuncia erguendo o seu tom de voz.
Taxista: "Vamos. Passe para cá o dinheiro e assim posso me ver livre de si mais rapidamente. Ainda por cima hoje não posso dar muita trela à conversa que aindda sou assaltado com o azar que tenho."
Demanda, estendendo o seu braço para a pessoa no banco de trás. A pessoa que aparentemente não se importa com estes insultos atirados.
Damian: "É claro."
Serenamente ele tira os olhos do vidro. Permanecendo sério e pensativo. Como se tivesse acordado. Acordado de um sonho.
Ele tira a carteira do bolso. Abre-a e passa a mão pelas poucas moedas e notas que tem.
Damian: "Quanto é que quer?"
Pergunta num tom melancólico.
Taxista: "Por este trajeto infernal são 17 dólares."
Informa com a mesma postura mal disposta.
Damian: "..."
Pois...parece que não está com sorte. Olha bem para a carteira. Passa por lá os dedos pelas notas e moedas. Faz umas contas mentalmente e apercebe-se de que-
Damian: "Oh não."
Resmunga num pequeno comentário que lhe saiu da boca sem pensar.
Taxista: "Não me diga que não tem dinheiro."
Damian: "Bem, não pode baixar o preço?"
Pede tentando negociar. Numa tentativa que acaba por irritar mais o condutor. Numa tentativa que apenas faz o taxista que já estava irritado chegar ao limite.
Taxista: "Só pode estar a gozar comigo! Eu apenas estou a pedir-lhe 17 dólares. Por amor de Deus, é assim tão pobre?"
Damian cala-se perante estas acusações. Sabendo perfeitamente que não está muito longe da verdade. 
O condutor surpreende-se com a falta de resposta. Tinha dito aquilo num tom meio a brincar meio sério. Sem querer tinha certado.
Até se sente um pouco mal por ter humilhado o tipo. Afinal, este silêncio apenas pode indicar uma coisa: ele não tem muito dinheiro.
Taxista: "..."
Por isso o condutor desvia o olhar do passageiro no banco de trás. Respira fundo para se recompôr. Quando se acalma, ele volta a encará-lo e tenta negociar.
Taxista: "Diga-me lá quanto dinheiro é que tem consigo em dinheiro."
Inquire-o com uma voz cansada e farta, mas obrigada a aturar tudo aquilo.
Damian: "Tenho 15 dólares comigo."
Taxista: "Ok. Vendo que está assim tão mal posso fazer-lhe um descontinho. Também não será por 2 dólares que vou falir."
Damian: "Palavra?"
Pergunta desacreditado neste tão súbito ato generoso daquele homem tão grosseiro.
Taxista: "Sim. Fazemos uns...10 dólares. Não quero pô-lo de carteira vazia. O que acha?"
Damian: "B-Bem. Parece-me bem."
Diz quase sem acreditar neste milagre. Passando a focar-se nesta oportunidade de ouro ele tira as duas notas de cinco e entrega-as para o homem num piscar de olhos.
Damian: "Aqui tem. E muito obrigado."
Taxista: "De nada. Considere isto como uma oportunidade que teve uma vez na sua vida."
Ele pega no dinheiro e começa a contá-lo enquanto continua a conversa.
Taxista: "Eu próprio não costumo ser bondoso, por isso considere-se previligiado. E orgulhe-se por ter tirado proveito do momento."
Damian: "..."
Ia já preparado para abrir a porta. O condutor tinha acabado de contar o dinheiro. Tinha até o colocado no porta-luvas, quase que dando permissão para ele sair.
E é isso o que ele ia fazer. Mas...não sem antes de deixar aquele ato ser desvalorizado. Não antes de dar umas últimas palavras.
Damian: "Desculpe-me por perguntar, mas...antes de sair...importava-se em dizer o seu nome?"
O senhor faz cara estranha como Damian pode ver pela sua reflexão do retrovisor. Mesmo assim atreve-se a perguntar, sem entender o porquê:
Taxista: "Nome? Quer saber o meu nome?"
Damian: "Correto."
Responde na maior cara chapada.
Bem...parece que não está a imaginar nada. Também não é como se a resposta fosse prejudicá-lo. O que é que ele obterá com o seu nome? É um mistério.
Mas também é um mistério o que ele ganhará com isso.
Price: "P-Price. O meu nome é Price."
Diz timidamente sem saber as suas intenções.
Damian: "Price."
Ele repete a informação que pediu. Põe a mão na porta do carro prestes a abri-la.
Damian: "Obrigado. Assim sei que lhe estou a dever uma."
Então ele abre a porta e sai. Deixando o condutor ali de sobrancelha levantada. Apenas entendendo que ele não fará nada de mal com o seu nome.
Se qualquer coisa a intenção é boa. Só...esquisita. Esquisita e súbita. Ao menos terá tempo suficiente para pensar nisso no caminho a casa.

Damian: "..."
Voltando a guardar a carteira no bolso, ele sai do carro. Dirige-se ao passeio para sair da estrada e tem ali à sua frente a sua casa.
Damian: "..."
O táxi atrás de si começa a andar. Sai do seu bairro para o condutor voltar a casa. Price. É o nome do condutor. Não se pode esquecer.
Ficou a dever-lhe uma. A sua carteira ficou-lhe a dever uma. Podia era ter agido de forma mais natural. Agora fica com a sensação de que agiu de forma estranha. Mas talvez seja tarde.
Damian: "..."
Antes de entrar ele olha para o céu. Só por uns breves segundos. Para contemplar o céu. O céu da noite.
Damian: "..."
O céu escuro da noite. Onde poucas estrelas estavam presentes. Um céu limpo onde nada se destaca. Nada brilha mais do que outro.
Nada exceto...
...
...a lua.
...
A lua. Esta que está tão brilhante como nunca. Mais brilhante do que a noite quando se propôs a Maria. Mais do que a noite quando ele e Maria discutiram a proposta de Iza. 
Mais do que estas recentes noites.
O brilho da lua. O brilho deste satélite que hoje com a sua iluminação mais parece uma estrela. O brilho...indica-lhe uma coisa.
Uma coisa com base na sua experiência. Com base no significado que ele próprio deu àquele símbolo. Aquele presságio do futuro.
Presságio de momentos por vir.
Presságio do perigo adiante.
Presságio desta noite onde não sabe se sairá vivo.
Presságio de algo mau...
...algo mau que está por vir.
...
Agora não pode parar. Não agora que tem a sua casa à frente. O campo de batalha desta noite. O lugar onde tudo será decidido.
Ele apalpa o bolso do casaco mais uma vez. Felizmente percebe que tem a arma. Ainda bem. Assim sempre poderá fazer o mínimo. O mínimo para se defender a si e ao seu filho.
Nem que seja só por esta noite.
...
Damian está pronto. Sabendo disso com certeza ele respira fundo sob a lua. Respira fundo uma última vez. Recolhendo toda a coragem que precisa para esta noite.
Então, voltando a uma respiração normal e mais tranquila, ele anda para a frente. Indo pelo passeio de casa até à escadaria.
Sobe lentamente as escadas. Uma por uma até chegar à porta de entrada. À zona de entrada onde tudo aquilo aconteceu.
Onde a sua mulher morreu faz hoje um ano. Um ano. Um ano e sente que ainda pode ver o sangue. Sente que ainda consegue ver lá o seu corpo.
Mas...sabendo do seu dever e do que vai acontecer...ele resiste. Faz o máximo paranão deixar que o passado o absorva nem que seja só nesta noite. E então...ele abre a porta.

Damian: "..."
Em puro silêncio ele entra em casa. A casa que parece inocupada. Não ouve nada vindo de ninguém. Nem mesmo de Jeff.
Jeff que...não o pode culpar. Depois de ontem...não se sente com coragem nem para o encarar. Tem de admitir que...aquele momento iria chegar mais cedo ou mais tarde. De qualquer forma...doeu.
Tanto para um quanto para outro. Ninguém saiu bem daquela noite. Presumo também que nenhum dos outros se queira ver outra vez. Não tão cedo.
Damian: "..."
Assim ele fecha a porta. Com uma enorme pressão sob os seus ombros. Sob a lua. Uma hercúlea tarefa em mãos. Uma tarefa que não pode falhar.
Pois falhar...significaria mais do que uma derrota. Não iria só perder. Perderia também a sua vida. A sua vida e a do seu filho. Do seu filho que, embora já não goste dele, Damian ainda o am-
Jeff: "Pai, estás aí?"
Ouvindo o som da porta, uma voz familiar insurge. Não há que enganar. Surpreendentemente é a voz do seu filho.
Se bem que...ele não está aqui por perto. A sua voz vem de longe da entrada...da...sala de estar.
Damian: "..."
Sem dizer uma palavra ele vai até à sala de estar. Num caminhar tímido e amedrontado que ainda se lembra do que aconteceu ontem.
E quando lá chega...tal como esperava encontra-o. O seu filho. Sentado no sofá com uma manta a cobri-lo. Como se ele tivesse frio ou...medo. Ou talvez...e esta é mais provável...escondesse algo.
Jeff: "Ah, estás aqui."
Diz numa voz estranhamente serena que assusta Damian. Especialmente sabendo a desavença que houve ontem. A desavença que o teria feito odiá-lo.
Damian: "..."
Mantendo a postura e olhar sério ele olha para o cenário. O cenário que estranha tanto. Estranha tanto a postura tranquila do seu filho. Como ele parece perturbado e ainda assim está tranquilo.
O próprio filho tem algo que parece esconder. Apesar da tranquilidade que transparece, Damian sente que há algo de estranho. No entanto, antes que pudesse perceber, Jeff diz algo:
Jeff: "Podes sentar-te ao meu lado se quiseres, e digo-o insistindo. É que deves estar cansado. Se até eu o estou nem quero imaginar como estás."
Notando neste pequeno detalhe que Damian não pensou ele ataca. Atacar talvez não seja apropriado. Apenas reparou neste comportamento esquisito do pai. Ele é que não se lembrou disso.
Por isso é apanhado de surpresa. Até porque nem ele tinha notado que estava parado a olhar suspeitamente para o seu filho durante uns bons segundos. Raios. Errou outra vez.
Damian: "..."
Jeff: "Vamos. Eu insisto. Até porque tenho algo para falar contigo."
Diz como se tivesse total controlo sobre a situação. Mesmo sobre os sentimentos do seu pai.
Damian: "..."
Não sabe o que lhe deu. O seu filho mudou tanto. É verdade que passou um dia inteiro, contudo apenas se consegue perguntar o que aconteceu. O que aconteceu de tão especial para ele mudar?
O que é que ele quer com ele? Ele fala de uma forma quase matreira como se tivesse algo na manga. Algo que lhe quer contar ou mesmo dar. 
O que aconteceu para já não lhe estar a gritar na cara de raiva como ontem?
Damian: "..."
Jeff: "Então? Como vai ser? Também não te culpo se quiseres ficar em pé. Desde que conversemos tudo conta. Isso é o mais importante."
Diz-lhe sem aparentemente algum tipo de má intenção. E por falar em intenção, Jeff também acabou por não intencionalmente acordar seu pai.
Isto num sentido figurativo. Afinal, por muito que ele estivesse em pé, não parecia estar presente. Mas agora que foi pressionado e relembrado da postura de idiota que estava ali a fazer...teve de agir.
Logo ele finalmente se mexeu. De forma lenta e trémula sentou-se no sofá ao lado do seu filho. Com alguma relutância por não entender este seu comportamento. Por não entender o porquê.
Por não entender porque é que depois de aprender que o seu pai era um mentiroso, ele continuava a tratá-lo bem.
Damian: "..."
Ao lado dele sente o grande conforto do sofá. Porém nem isso o tranquiliza. Nada lhe consegue tirar essas perguntas da cabeça. E o pior é que tem preocupações maiores.
Como Iza e a invasão que está mesmo por vir. A confusão que começou com Sarah. O dia de hoje e o que representa. Ou...a criatura. Mas a criança não deixa o silêncio envolvê-los.
Ele começa a conversa antes que Damia pudesse questioná-lo sobre o que quisesse. Antes disso tudo, Jeff antecipa-se:
Jeff: "Andas muito calado, pai."
Comenta de voz assertativa quando o seu pai se lembra de algo importante que precisava de falar com ele.
Damian é apanhado de surpresa no meio dos seus pensamentos. Ele que andava tão absorvido nas perguntas e hipóteses que formulava foi agora obrigado a falar. Obrigado a responder o seu filho.
Damian: "Ah, bem...agora que dizes..." 
Responde num improviso que não é nem um pouco natural.
Jeff: "Bem, eu também não queria ter parecido malvado ao falar. Juro que apenas quero conversar. Não tenho duplas intenções nem nada. Só sinto que temos algumas coisas para confidenciar."
Damian: "..."
Neste instante Damian começa a tremer só de pensar aonde isto vá parar. Já que a forma como falou não transparece muita confiança. 
Chega a transparecer que tem um plano malvado. Diz isto um seriamente. E de pensar que se sente intimidado pelo próprio filho. Realmente...
Passa a vida inteira a ser intimidado.
O seu filho olha como o pai está nervoso. Como ele treme e parece andar preocupado com algo. Isso relembra-o de algo. De como este medo pode vir da sua reação ao segredo. Ao que ele...
...lhe escondeu por um ano inteiro.
Jeff: "..."
Agora entende porque é que ele se sente medo. O rosto da criança fica mais sério e ele quebra aquela atuação.
A postura simpática é substituída por uma mais séria. Uma mais estreita e perturbada, relembrando-se do momento.  
Damian: "..."
Jeff: "Vejo que não vale a pena esconder. Acho que tu sabes sobre o que quero falar."
Damian: "..."
Jeff: "Até tentei deixar-te à vontade, mas...conheces-me bem. Soubeste logo onde queria chegar."
Damian: "..."
Jeff: "Parece que o dia de ontem marcou-nos assim tanto..."
O rapaz pausa um pouco em meados a esta mudança de assunto e de postura. A esta alteração no assunto da conversa para o que já era óbvio.
Jeff: "..."
Damian: "..."
O que já era óbvio para o seu pai. Desde a forma estranha como Jeff agia. Até à sua tentativa de desviar do assunto. Tudo indicava aquele caminho...que finalmente foi cruzado.
Jeff: "..."
Damian: "Jeff, eu..."
Reunindo coragem ele tenta falar. Com os seus pés a tremer e as suas costas a inclinarem-se para a frente. O seu filho a observar intrigado.
Sem ter coragem para sequer olhar no rosto do filho ele tenta tirar aquelas palavras da sua boca. As palavras que ele...tem dificuldade em dizer.
Palavras que doem tanto. Doem tanto e não as conseguiria dizer ontem, mas...depois de ontem, sente que são necessárias para o seu filho perceber que ele...nunca lhe quis mal...que o seu pai não...
...
...errou.
Damian: "Jeff, eu...peço-te que entendas que eu...eu nunca te quis mal."
Jeff: "..." 
Damian: "Do fundo do meu coração digo-te que desde o início a minha intenção nunca foi magoar-te. Na verdade, sempre foi o contrário. O que sempre quis, o que sempre quero e quererei é...proteger-te."
Jeff: "..."
Damian: "E dessa vez também não foi diferente."
Jeff: "..."
O seu filho envolve-se mais na manta só de se lembrar nas implicações disto tudo. Só de se lembrar no que aconteceu ontem e no que aconteceu há um ano.
Ele engole em seco antes de reagir. Morde o lábio numa tentativa de conter o que verdadeiramente sente. Morde e morde por um bom tempo. Morde até...sangrar.
Aí percebe que talvez não vá conseguir ficar calmo. Que esta aparência simpática não vai durar por muito tempo. Não. Na verdade, esta...postura...tom de voz...adotado para acalmar o pai...acaba agora.
Jeff: "Tenho a certeza que me amas pai. Sei bem disso. Mas...por muito que me digas isso...sinto cada vez mais que não vou entender esse teu lado. Por muito que me doa dizer isto...eu acredito que não importam as tuas razões...o que fizeste para comigo é...é...é imperdoável."
Fala numa voz altiva e decepcionada. 
Damian: "..."
O escritor cruza os dentes por saber que tinha causado o que menos queria. Mais infelicidade. Mais raiva. Mais...dor. Ele olha para o chão baixando a cabeça sabendo que o balão tinha rebentado.
Que o seu filho já não conseguia mais ser simpático com ele...por muito que quisesse.
Damian: "..."
Jeff: "Sabes, eu ainda fiz um esforço. Não digo que não. Tu deves ter notado nisso. Viste bem como estava. Como tentava trazer um clima mais leve para esta conversa que eu tinha a certeza que ficaria rapidamente pesada. E...de certa forma acho que chegámos a esse ponto. Bastou tu te antecipares, não é?"
Damian: "..."
Ele conseguiu resumir tudo muito bem. Tudo enquanto ao mesmo tempo respondeu a algumas perguntas do seu pai. Algumas perguntas que queria ver respondidas.
Porém, tirando isso não recebeu muita coisa positiva. Apenas confirmação dos seus maiores medos. Realização de alguns erros.
Erros agora a serem expostos. Expostos pelo seu filho. Não há nada a fazer senão aceitar. Ou...explicar-se.
Damian: "Sim, tens razão. Eu realmente antecipei-me, mas foi para evitar decepções. Até porque...neste tipo de conversas, a última coisa que queres é piorar o que já está mau. E a pior maneira de o fazer é criar um clima pouco hostil, fingindo que nada aconteceu. Por isso o que fiz foi de certa forma adiantar-me antes que as coisas pudessem ficar piores."
Ele diz levantando a cabeça para olhar para o seu filho do lado esquerdo do sofá. Jeff olha-lhe de volta com o mesmo tom melancólico e diz:
Jeff: "Estou a ver que a experiência fala por si. Acho que de certa forma só te tenho a agradecer, por muito estranho que pareça."
Damian: "É. Por muito estranho que pareça..."
Começando o clima a amenizar, Damian encosta-se mais no sofá. Tenta sentir-se mais à vontade para encarar o que está por vir. 
Por sua vez, Jeff olha para o teto. À procura de forças para continuar esta conversa que cada vez mais complica. Cada vez mais se dificulta.
Já nem sabe se poderá continuar. Por ver que o seu pai permanece de ouvidos abertos e disposto a ajudá-lo. No entanto, ele precisa de dizer estas coisas. Perguntar tudo isto.
Nem que seja só para ter alguma resolução. Para se livrar destas dores e pensamentos que não o deixam. Pensamentos que o perturbam e que talvez sejam a origem de muitos problemas.
Jeff: "Eu nem consigo imaginar que tenha passado um ano."
Comenta, olhando para o teto de forma reflexiva.
Jeff: "Um ano desde que estávamos nós deitados enquanto o pior acontecia. Para mim foi uma completa surpresa. Acordar com um estrondo que mais parecia um trovão a atingir a casa. Descer as escadas com aquele meu peluche na mão. Aquele peluche. Aquele urso de peluche."
Por breves momentos ele tira os olhos do teto e olha para o seu pai.
Jeff: "Ainda te lembras daquele urso de peluche?"
Damian esboça um raro sorriso em resposta. Inundado pela corrente de memórias que banha a sua cabeça. Uma corrente tão contagiosa que é impossível não mergulhar nela. 
Damian: "O urso de peluche que tu simplesmente não largavas. Sim, lembro-me bem dele. Embora nem o tenha comprado, lembro-me bem de como tudo aconteceu. De como tudo era. De como tu andavas colado ao peluche."
Jeff: "Vá lá. Colado também é uma expressão forte."
Reclama num tom mais leve e brincalhão.
Damian: "Não, não. Colado é apropriado. Tu ias dormir, comer e só não levavas o peluche à escola porque eles não deixavam. Mas mal voltavas agarravas-te àquele bichinho."
Jeff: "Que querias que eu fizesse? Vocês raramente davam-me prendas, por isso tinha de aproveitar ao máximo quando recebia um."
Damian: "Haha. Não me digas que estás a chamar os teus pais de forretas."
Jeff: "Não, eu sei que tinham complicações com o dinheiro. Especialmente desde que...desde que os avós...morreram."
Damian: "..."
Jeff: "..."
Recordando-se da tragédia de ontem com maior intensidade, Jeff cala-se. Faz como o seu pai que também permanece em silêncio.
Constrangidos. Intimidados. Intimidados pelo passado que continua tão presente. Tão presente nas suas mentes quebradas e cicatrizadas.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Duas pessoas a sofrer juntas sem terem coragem para compartilhar o próprio sofrimento. Sem coragem para se abrirem um para o outro. Sem coragem para falar do que mais importa.
A criança volta a olhar para o teto. Mas...o adulto...o adulto não. Desta vez ele não se deixa intimidar. Desta vez tenta impôr-se. Tenta...falar daquilo que mais inquieta o seu filho, mesmo que o tema.
Damian: "Sabes...os teus avós maternos eram excelentes pessoas. Não os vi muitas vezes, mas quer no casamento...quer naquela vez que a tua mãe me foi apresentar a eles...sempre me trataram bem. Essa característica deles...essa bondade...agora mais do que nunca percebo e aprecio que...isso também tenha sido herdado pela tua mãe."
Jeff: "..."
O seu pai fala num tom melancólico. Com as lembranças que não param de vir. 
O rapaz não tira os olhos do teto. Mesmo assim isso não significa que ele não esteja a ouvir. Que tudo não esteja a entrar pelos ouvidos e a ser digerido. Que tudo não esteja a tocá-lo.
Jeff: "..."
Damian: "Os pais da Maria, tal como os meus, não eram muito ricos. A casa deles era tão má quanto a dos meus pais. E morreram antes sequer de a conseguir pagar ao banco, tal como os meus pais. Por isso, pondo de forma simples, tal como os meus pais eles também não nos deixaram nada senão um monte de despesas. Triste, eu sei, mas...no meio destes problemas...ao menos conseguiram deixar-me algo bom. Ao menos conseguiram dar-me uma mulher. Uma mãe e esposa que...apesar da tragédia dos pais...continuou a carregar o caráter deles. Continuou o legado deles...o gosto deles pela música...a...bondade deles...também."
Jeff: "..."
Damian: "Era ela que nos alegrava sempre. Mesmo depois da morte dos pais dela, continuava sorridente. Sempre a alegrar-nos com os seus dotes para a guitarra. Com as suas canções que facilmente te embalavam. A sua boa disposição inabalável. No geral, ela era...perfeita. Perfeita e-"
Jeff: "E, na minha opinião, é impossível substitui-la. Impossível. De recriar e de imitar. Por muito que tentem...nada vai mudar. Nada vai alterar o facto que o mundo perdeu...uma das suas melhores pessoas...uma mão e esposa...que nunca poderá voltar"
Diz tristemente como se tivesse tirado as palavras da boca de Damian. A criança, sempre de olhar fixo no teto para não se comover, segue a deixa do seu pai. Deixa-se levar pelo momento desta vez...
...desta vez...
...desta vez não conseguiu deixar só para si...
...desta vez...
...desta vez sentiu que precisava de lhe contar.
Damian: "..."
Percebendo que o seu filho entrou no assunto, ele cala-se. Para ouvir o seu filho que a olhar para o que está sobre si...desabafa:
Jeff: "Já quase estou farto de dizer o quão incrível ela era. Tu e eu conhecemo-la melhor do que ninguém e escusamos dizê-lo um ao outro por vezes e vezes sem conta. Mas...é difícil quando se fala da mãe."
Damian: "É mesmo...difícil..."
Jeff: "E o pior é que quando começo não consigo parar. Como se estivesse a entrar num oceano de memórias que depois de tanto tempo no fundo da minha memória, finalmente chegam ao plano da frente e inundam-no. Obrigando-me a mim a mergulhar, puxando-me pelo pé e afundando-me até à cabeça para...me fazer viver só o passado. Para...a minha vida toda se resumir a isso: passado."
Damian: "..."
Jeff: "Mesmo assim...mesmo que odeie quando estes momentos de divagação chegam eu...não posso mentir. Adoro-os. Adoro-os tanto que me dá vontade de ficar mais um pouco naquela água tão suave tão...aconchegante. Aquela água que, nem que seja por momentos, é capaz de me dar felicidade. Algo que cada vez mais é difícil de encontrar neste mundo. Neste mundo tão estranho...tão sobrenatural...tão sujo."
Damian: "..."
Jeff: "Durante o dia de hoje...essa corrente atingiu-me outra vez. Talvez seja pela data que representa, mas...veio mais forte. E...lembras-te de eu te ter falado o peluche? Bem, fui recordado da sua existência. Infelizmente lembrei-me do peluche...do maldito peluche."
Damian: "..."
Jeff: "Ainda por cima dói-me dizer isto tudo. Dói-me ter de odiar aquele peluche. O peluche com que passei grande parte da minha infância, que está a chegar a um fim. O peluche que era um símbolo da minha felicidade e agora se tornou...símbolo daquele dia...da tristeza e...recorda-me...de certas figuras e coisas que prefiro não falar. Porque...no início...aquele peluche era o meu tesouro. O símbolo da minha inocência. Um presente que veio diretamente da minha mãe."
Damian: "..."
Jeff: "..."
Chegando ao ponto mais tocante ele para. Para não só de falar como também de olhar para o teto. Baixa a cabeça e passa a olhar para a televisão desligada que assim tem estado há três dias.
Três dias desde que viu aquele programa. Três dias desde que tem vivido em medo. Há três dias que não vive normalmente. Três dias. Três dias.
Jeff: "Três dias."
Damian: "..."
A comversa retoma com um novo rumo súbito. Embora estranhando, Damian continua a ouvir seriamente, sentindo a tristeza do seu filho.
Damian: "..."
Jeff: "Fazem três dias desde que eu não ligo a televisão. Não sei quanto a ti, mas eu nem me atrevi a ligar esta televisão por três dias. E sabes porquê? Tudo por causa de um programa específico que passa num canal muio específico num período de tempo mais específico ainda. Tchk. Que irónico..."
Damian: "..."
Jeff: "E esse programa não envolve sequer os horrores do nosso mundo. Não, não é só um canal de notícias com relatos de incidentes horrorosos e que uns quantos maluquinhos acreditam ser de origem sobrenatural. Não, é um programa muito pouco sério. Um programa...infantil. Um programa que estreava naquele dia e que tinha interrompido um dos poucos programas que gostava e que fiquei feliz por ainda passar..."
Damian: "...referes-te ao 'Space Star Galactica'?"
Pergunta, completando e prevendo o resto da frase. Jeff em silêncio e surpresa, num acenar de cabeça confirma a suposição, deixando o seu pai timidamente continuar:
Damian: "Sim, tu...especialmente quando eras um ou dois anos mais novo...adoravas ver isso. As lutas entre robôs e tal. Mas também não teria adivinhado que o programa ainda estivesse no ar."
Jeff: "Claro...também foi uma surpresa para mim."
Pausando um pouco, eles recompõe-se para impedir que este breve momento carinhoso não os absorva. Damian encosta-se mais no sofá. E Jeff finalmente olha para o pai.
Damian: "..."
Jeff: "..."
O pai olha-lhe também. O rapaz engole em seco o que está nos seus pensamentos. A parte que lhe dá um olhar assustado. A parte que agora falará:
Jeff: "O programa estava bom como sempre. Já não me divertia e sorria assim há tanto tempo..."
Diz melancolicamente.
Damian: "..."
Jeff: "Acontece que nem este pequeno momento raro de felicidade durou muito. Nem isso...nem isso posso ter."
Damian: "..."
Jeff: "Porque rapidamente o progarama acabou. Num dos maiores ganchos para um episódio que eu já vi na história da televisão. Estava curioso para ver o que iria acontecer. Isso e...irritado. Por ver este programa que não queria ver acabar. Este programa que só ia voltar a passar mais tarde, pois agora era hora da estreia de um novo programa. Uma série que nunca tinha visto antes. Nunca ninguém no mundo tinha visto antes e...não demorou muito para descobrir que...talvez estivesse errado. Que...afinal...pelo menos o personagem principal era me muito familiar. Oh, bastante familiar."
Damian: "..."
Jeff: "Pela forma como comecei a trazer este assunto já deves ter adivinhado. Mas essa figura...era nada mais nada menos que aquele peluche. O peluche que eu jurei ter deixado na campa da mãe naquele dia chuvoso. O peluche que eu já não vejo à venda nas lojas. E por alguma razão alguém decidiu ressuscitar a marca. Ressuscitar aquele trapo velho com uma nova série para alegrar crianças mais idiotas do que eu e certamente mais felizes do que eu. É que a única coisa que me pode irritar e assustar mais é voltar a pôr uma nova versão daquele boneco às vendas. Só mesmo isso me poderá trazer a um novo nível de raiva e medo que nem quero conhecer."
Damian: "..."
As emoções quase que eram tangíveis. Toda a raiva...misturada com medo...eram sentimentos tão intensos que deixaram Damian em silêncio.
Damian: "..."
Em silêncio a observar de olhos bem abertos o seu filho que tenta se acalmar. Que tenta voltar a uma postura não tão raivosa, não tão amendrontada.
Uma mais...normal.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Até finalmente conseguir voltar a olhar sem raiva e maldade nos olhos do seu pai, que o encara seriamente, talvez até demasiado.
Damian: "..."
Jeff: "Mas acho que chega de falar do peluche."
Sugere voltando a vergonhosamente olhar nos olhos do seu pai cansado e de olhar tão sério que parecia esconder algo.
Jeff: "Existem coisas mais importantes do que isso e-" 
Damian: "Jeff..."
Interrompendo o discurso do filho, ele insurge-se. Como se ele não conseguisse mais conter o que tem lá dentro. Como se já lhe quisesse perguntar algo e agora chegou o momento.
No meio desta conversa sobre figuras marcantes. No meio disto tudo ele lembra-se do que tem de lhe perguntar. Da preocupação que tem.
A preocupação que tem relativamente aos relatos que ouviu de um certo homem. Dele e de um vendedor de armas com uma descrição...estranha. Mas pri cipalmente de um homem. Homem que parecia maluco, mas que...parecia ter uma estranha ponta de verdade. E fazem-no questionar...
...questionar se os seus ideiais são os certos...
...se aquelas pessoas não são tão malucas...
...se o que o seu filho disse ontem...
...numa frase meio solta...
...é mesmo verdade...
...se os monstros...
...
...existem.
Jeff: "..."
Damian: "Jeff, eu..."
Jeff: "..."
Damian: "Eu preciso de te perguntar uma coisa."
Jeff: "..."
Ele une as mãos com nervosismo enquanto se prepara para deitar para fora esta questão. O seu filho engole em seco estranhando a interrupção.
Jeff: "..."
Damian: "Ontem não foi um dia bom. Aconteceu muita coisa de que não me orgulho. Porém eu queria esclarecer uma coisa. Na verdade, até são muitas coisas, mas...queria começar pelo que disseste ontem."
Jeff: "..."
Damian: "Pelo que disseste na altura e eu não dei muita importância graças ao caos que estava nesta casa. Mas no meio desse caos disseste algo que ficou na minha cabeça juntamente com o resto do que ontem vi e ouvi mal cheguei a casa. Falaste-me sobre alguma das dores pelas quais passastes. Dores que agora compreendo mais agora e sinto muito por as teres de guardar. Essas dores...incluindo esses pesadelos que...se eu não ouvi mal..."
Jeff: "..."
Damian: "Tu disseste que vias uma criatura."
Jeff: "..."
Damian: "..."
Agora chegou onde queria chegar. Pôs a pergunta cuja resposta hoje questiona na conversa. Essa pergunta que...faz Jeff tremer de medo.
Tremer só com as recordações daquela figura. Daquele monstro. Daquele som que tem ouvido todas as noites. Aquele monstro que agora nem a luz o para. O monstro...o monstro noturno...
...o Vírus noturno.
Jeff: "..."
Damian: "..."
Não há volta a dar. O seu pai está a pressioná-lo a responder. Não há para onde fugir. Só pode ficar sentado e tentar parecer natural.
Isso ao mesmo tempo que procura uma forma de se esquivar desta resposta. De arranjar uma forma de não envolver o seu pai nesta situação complicada e perigosa.
Até porque...por muito que tenha ficado mal pelo que aconteceu ontem...por muito que aquelas mentiras o tenham magoado...ele...
...ele estranhanente...
...estranhamente ainda não o quer ver sofrer...
...estranhamente ainda sente carinho para com ele...
...estranhamente ainda se sente ligado a ele...
...estranhamente...
...ainda o considera...
...seu pai.
...
Jeff: "..." 
Respirando pesadamente ele tenta menter os seus olhos o mais cerrado possível. Tenta parecer o mais normal possível para descomprovar aquela acusação. Porém...a atuação não é o seu forte.
Damian: "Filho. t-tu estás bem?"
Pergunta confuso ao ver esta mudança no comportamento dele. Quase que lentamente o desmascarando...pouco...a pouco.
Jeff: "N-Não, pai. Está t-tudo bem."
Responde nervoso e sem saber o que responder àquela pergunta que jamais queria ouvir vindo de alguém que...apesar de todos os erros...ainda ama.
Damian: "..." 
A resposta não pareceu muito convincente. Tanto que as suas sobracelhas erguem-se ligeiramente. O rosto muda e quase grita que precisa de uma resposta e rápido.
Jeff percebe que não pode adiar a resposta. Sendo boa ou má precisa de dizer algo. Nem que seja só numa tentativa. Nem que seja só para tentar. Tentar protegê-lo. Tentar que o Vírus não mate.
Tentar que o Vírus não mate mais alguém que ama.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Com o cenário da noite a chegar eles sentem a pressão a subir. Enquanto Damian anseia a chegada de Iza. Enquanto Jeff anseia a chegada do monstro. O monstro que tem de ocultar.
Damian: "..."
Jeff: "Pai...isso..."
Damian: "..."
Jeff: "Isso não foi nada."
Damian: "..."
Jeff: "Nada de sério ou importante. Foi algo que...me saiu da boca sem pensar."
Damian: "..."
Jeff: "É, foi só...uma metáfora para os pesadelos. Uma metáfora para não ter de enumerar as dores todas pelas quais sofro até hoje."
Diz numa mistura de mentira com uma crua sinceridade e...dor. Dor no peito e pulmões que receiam a resposta.
Damian: "Uma metáfora? Então essa coisa da criatura...como é que veio tão naturalmente para fora num momento tão estressante onde sai apenas as verdades? Continuo sem entender isso."
Jeff: "..."
Ele tem um bom ponto. Um bom ponto que lhe escapou ao formular a desculpa. Pelos vistos terá de levar isso em consideração.
Isto tudo se quer sair dali bem. Se não quer que o seu pai descubra o seu segredo. Se...não quer que ele sofra.
Damian: "..."
Jeff: "B-Bem...é que...é que...eu..."
Damian: "..."
Jeff: "E-Eu..."
O problema é arranjar algo plausível. Algo que o consiga convencer a esquecer esta questão que ele tanto insiste. Será...será sequer possível?
Jeff: "Eu...estava..."
Damian: "..."
A solução que tanto quer parece cada vez mais impossível. Impossível ao ponto de o querer fazer desistir. Desistir para lhe revelar a verdade de uma vez por todas. De devolver na mesma moeda.
Jeff: "Eu...bem...é difícil de explicar assim...no momento..."
Damian: "..."
Se ao menos tudo fosse assum tão simples. Assim tão mais fácil. Até lhe dá vontade de...parar com isto tudo...de desistir logo. Ainda vai a tempo...
Jeff: "Acontece que..."
A ideia cativa-o mesmo. Sem muito tempo ele inclina mais para um lado do que para outro. Inclina mais para o lado mais fácil aquele que lhe parece melhor. Aquele em que isto acaba.
Jeff: "Foi..."
Lentamente vai abrandando. Palavra por palavra. Pouco a pouco. Até ele entrar em silêncio.
Jeff: "Sim..."
Damian: "..."
Jeff: "Foi isso..."
Damian: "..."
Até já não fazer sentido.
Damian: "..."
Jeff: "Pois foi..."
Damian: "..."
Jeff: "Pois..."
Damian: "..."
Até o seu pai deixar de entender aonde ele quer chegar.
Damian: "..."
Jeff: "É..."
Damian: "..."
Jeff: "..."
Damian: "..."
Até ele ficar em silêncio.
Até ele desistir.
...
Damian: "..."
Jeff: "..."
...
Jeff fica desmotivado. Deixando de encarar o seu pai nos olhos ele baixa a cabeça. Fica a olhar para o chão de olhos arregalados. Como se estivesse perdido. Sem saber o que fazer.
...
Jeff: "..."
...
Perdido na própria cabeça. 
...
Perdido no próprio mundo.
...
Perdido sem saber o que dizer.
...
Perdido.
...
Totalmente e ultimamente perdido.
...
Como se não tivesse mais nada no mundo.
...
Como se o Vírus fosse a sua única preocupação.
...
Como se...
...
Como se...
...
Como se nem o seu pai estivesse a ouvi-lo.
...
Como se ele estivesse entre a espada e a parede.
...
Como se ele não tivesse mais boca.
...
Como se o seu medo tivesse finalmente o consumido inteiramente por dentro.
...
Era precisamente como...
...
...se o fim...
...
...tivesse chegado.

...
...
...
...
...
...
...      

Mas...

...antes que fosse tarde demais...

...ouve algo...

...algo que lhe é familiar...

...algo que o traz de volta à realidade...

...algo que o alcança como uma bala que vem com um aviso...

...uma bala que desta vez traz boas notícias...

...algo que o relembra que ainda está vivo...

...que não é tarde demais...

...que por muita dor que esteja a passar, ainda vale a pena lutar...

...ainda existe esperança...

...algo que lhe diz carinhosamente que...

...este...

...

..este não é o fim...
Jeff: "..."
...não... 
...existe algo...
...alguém que não o permite cair no desespero...
...alguém que não o vai deixar assim..
...alguém que o ajudará sempre.
...
Jeff: "..." 
Damian: "Jeff, querido...o que se passa?"
...
Uma voz doce pode ouvir-se...uma que...por segundos o lembrou...
...
Maria: "Jeff, querido."
...
...dela.

...
...
...
...nada mais nada menos do que a sua mãe falecida.
Maria.
...
Não sabe se está apenas a imaginar coisas devido ao que se relembrou há bocado e à data em que se encontra ou se...
...
...é simplesmente porque o seu pai...
...
...nem que tenha sido só naquele momento...
...
...tornou-se a pessoa que precisava.       

Jeff: "..."
Tocado por estas inesperadas palavras, ele volta a erguer a cabeça. Estupefacto. Sem acreditar no que tinha acabado de ouvir. Volta a encarar o seu pai numa mistura de surpresa e medo.
Jeff: "..."
Damian: "Jeff, está tudo bem. Sabes que me podes contar qualquer coisa."
A sua voz...
...postura confiante e acolhedora...
...rosto com um ligeiro sorriso de puro amor...
...rosto de alguém que o ama.
Independentemente do que acontecer...ele sempre o amará.
Tocado ao ver o seu filho triste, Damian impõem-se e coloca a sua mão sobre o ombro de Jeff. O ombro que não se recusa a recebê-lo.
Jeff: "..."
Damian: "Sê sincero comigo. Se tens algo para me contar, não hesites. É para isso que eu estou aqui."
Jeff: "..."
O rapaz de olhos arregalados fica petrificado a observá-lo. Fica de olhos abertos a tentar perceber o que deve mesmo fazer. Pois a realidade é mesmo tentadora...é...enganadora.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Ao olhar para ele mais uma vez apercebe-se que não há nenhuma dupla intenção ali. O que o seu pai quer é só protegê-lo. E tudo porque o ama.
Amor. É isso o que sente. Tal como a sua mãe sentiu e o acarinhou. Da mesma forma, Damian também só quer ver o seu filho bem. Só isso.
Damian: "..."
Jeff: "..."
E esta preocupação para com ele...é tão genuína...tão contangiante. Chega a um ponto que...se sente cativado por ele. Talvez seja por todo este sofrimento que quer desabafar, mas...
...perante este comportamento do seu pai...ele não consegue controlar-se bem. 
Os seus instintos. As suas convicções sentem-se atraídas para o seu pai. Para as vontades dele. Não só pela pessoa que é, como mais pela sua reação genuína e vontade tão...digna.
Posso estar aqui a complicar o que aconteceu. Sim, porque não é assim tão complicado. Por detrás destas palavras caras está apenas um miúdo assustado. Asustado por um monstro.
E assustado a um ponto em que pondera quebrar as suas vontades aqui e agora. À última da hora. Na ÚLTIMA oportunidade que tem para buscar ajuda.
Quanto ao que ele pondera fazer: está no meio. No meio entre contar ao seu pai, desabafando e tendo agora ajuda para enfrentar o Vírus sozinho. Ou, se o fizer, pode colocar o seu pai a correr perigo.
Querendo ou não...ele...tal como a sua mãe...poderá morrer.
...
Isso é algo que quer evitar ao máximo. Especialmente sabendo a dor que passa todos os dias a sofrer com uma morte. Nem quer imaginar viver com duas. Isso se sobreviverá esta noite.
Jeff: "..."
Damian: "..."
O que será? Pergunta-se mais uma vez isso. Surge-lhe a pergunta por mais uma maldita vez. Numa espécie de ultimato. Uma última oportunidade.
É bom que escolha cuidadosamente, pois a vida do seu pai depende disto. A sua vida também. Tanto em risco. Tanto em cima dos seus ombros. Tanto para um miúdo carregar. 
Uma criança. Porque com isto tudo chega a ser difícil acreditar que uma criança é quem está a passar por tudo isto. Uma mera criança.
Uma criança que agora é obrigada a enfrentar o desconhecido. Cabe a ele decidir uma coisa e uma coisa só: se ele vai enfrentá-lo sozinho ou junto do seu pai. 
Ele contra o mundo. Ou lutar juntamente com o seu pai.
Trata-se de uma decisão rara. Um dos poucos momentos em que tem o mínimo de controlo sobre a sua vida. E ainda assim, dependendo da escolha que tomar...o resultado pode ser o mesmo.
Essencialmente o que estará a escolher é quem levará consigo para morrer ou...quem o levará à vitória. Tudo...está...nas...suas...mãos.
A. Decisão. É. Sua. Por isso a pergunta faz-se mais uma vez. Mais esta vez. Só nesta última oportunidade de escolher o seu destino a pergunta surge novamente:
O que será?
Damian: "..."
Jeff: "..."
Damian: "..."
Jeff: "Pai..."
Os seus lábios abrem-se timidamente após segundos de espera e indecisão. Não sabe se tem a certeza se é isso se quer. Mas já se decidiu.
Damian: "..."
Jeff: "Pai, recentemente, eu..."
Encontra-se a meio da frase com a decisão na ponta da língua. Tudo está pronto para o ouvir. Inclusive o seu pai que de tanta expectativa abre levemente a boca.
Pois todos ali sabem que é agora a revelação. Aquela pela qual todos esperavam. O momento onde Jeff terá de revelar o seu segredo.
Damian: "..."
Jeff: "Eu tenho estado a passar por uma imensa dor. Uma dor pela qual nunca tinha passado. Não...é mais...medo. Um medo inexplicável e cuja origem não posso sequer exprimir ou detalhar numa tonalidade realista."
Damian: "..."
Os músculos do corpo do seu pai relaxam já sabendo que vão ouvir uma bomba que o paralisará. Uma que não está mesmo a prever.
E enquanto Jeff dizia as últimas palavras que levavam à revelação...a antecipação só aumentava. Com cada palavra. Cada segundo. Cada parte de si sentia que não ia aguentar o que estava por vir.
Damian: "..."
Jeff: "É muito mais do que uma pessoa. Mais do que uma figura. É mais um conceito do que qualquer coisa. E não me larga por nada."
Damian: "..."
Jeff: "Essa coisa...é algo que tem me passado o dia inteiro a massacrar-me. E não me vai largar tão cedo."
Damian: "..."
Jeff: "E sinto que chega de rodeios. Precisamos de abordar logo este assunto. Eu preciso de abordar este assunto. Nem que seja só para desabafar, porque isso é algo de que preciso."
Damian: "..."
A antecipação toda chega a um fim. Com Jeff a falar do fundo do seu coração aquilo que bem visivelmente o tem perturbado. Algo que Damian espera não ter nada a ver com o sobrenatural.
Mas é uma realidade qur não parece muito plausível. À medida que escuta o que por aí vem com aquelas palavras que gritam suspense. 
Jeff: "Eu tenho passado quase o dia inteiro a ser atormentado na minha cabeça por isto." 
Damian: "..."
Jeff: "Tem sido difícil passar tanto tempo a guardar isto para dentro. Pelo menos finalmente vou conseguir passar isto para fora para tu entenderes, porque sei que não haverá melhor pessoa."
Damian: "..."
Tudo levava para um caminho sem volta. Com a decisão feita. A revelação ia por ali. Ia aparecer agora mesmo. Não ia gastar mais nenhum segundo.
Damian: "..."
Jeff: "Eu...sinto que precisas de saber que eu..."
E ia ser agora. Ia ser mesmo agora. Sem nada a interrompê-lo no maior pico de interesse do seu pai. No seu pico de estresse que...
...
...
...
...
...
...
...
...vá se lá saber porquê...
...
...
...
...
...
...
...
...mas...
...
...
...
...
...
...
...
...ao último segundo...
...
...
...
...
...
...
...
...ele muda os planos.
Jeff: "Eu tenho passado o dia inteiro a pensar no que ouvi ontem."
...
...
...
Damian: "Referes-te..."
Inicia a frase confuso por ter as próprias expectativas subvertidas. Mesmo ele esperava uma resposta diferente que complicaria mais a sua vida.
E na realidade...o que recebeu foi uma surpresa que ainda assim é convincente. Talvez seja por Jeff honestamente ainda sofrer com o que aconteceu. 
E também porque...era disto que queria falar com ele desde o início. Precisava de desabafar ao seu pai sobre isto. Por isso ele é muito convincente com esta desculpa pela qual o seu pai vê através.
Mas que ainda assim...parece tão credível. 
Jeff: "S-Sim, exatamente. Eu...
Ele começa a resposta falando rapidamente e recuperando do estresse de tomar a decisão, porém é rápido a aperceber-se disso. Como tal, ele pausa por um momento para respirar.
Tudo ao mesmo tempo que o seu pai o observa com uma cara críptica de quem está a determinar se acredita ou não naquilo. Se aquela resposta foi mentira ou verdade.
Damian: "..."
Jeff: "Eu...tenho sofrido com o que aconteceu ontem. Com...o que me foi contado ontem."
Volta a confessar, desta vez menos estressado e mais convincentemente. Depois de se acalmar, volta a reafirmar-se, mas agora lembrando-se que aquilo que fala não é só uma desculpa. 
É uma realidade que sem querer tirou para fora. A realidade que precisava de desabafar e esteve a tentar se esquivar. Esta realidade que finalmente teve coragem de atirar para fora.
Bastou vir este momento de desespero. Entre a espada e a parede para mais do que conseguir desviar a conversa, ele se lembrar do que o tem magoado. Lembrar do que não se pode esconder.
Jeff: "..."
Damian: "..."
O seu pai observa-o bem. A tristeza que agora o consome. Aquela tristeza tão...tocante. A tristeza que ele também sentiu ontem e...hoje.
Tirando as questões de lado, por ora, ele desmascara-se. Deixa de ser uma espécie de detetive e volta a ser um humano. Volta a ser um pai que se preocupa com o seu filho.
Jeff: "..."
O seu filho que agora baixa o seu estado de espírito. Cujas sobrancelhas se abaixam. Os seus olhos cerram. A sua postura fica menos ereta.
Como se estivesse a entrar nesta nova fase. Neste novo estado de espírito genuíno. Inundado novamente pelo passado. Exatamente da forma que descreveu na sua cabeça. Em...silêncio...
Jeff: "..."
Damian reconhece que o seu filho pode não estar a mentir. Por muito que ele pense que tudo aquilo não passou de uma forma de desviar o assunto, rapidamente se tornou em algo verdadeiro.
Um sentimento que estava simplesmente enterrado. Um sentimento que agora foi desenterrado. Desenterrado e trazido ao de cima, tornando-se num rapaz triste e deprimido.
Tudo numa questão de segundos. Numa questão de segundos que passou a deixar de olhar o seu pai nos olhos. Numa questão de segundos que Jeff passou a olhar para o chão em vergonha.
Foi numa questão de segundos que o seu pai se passou a preocupar com ele ao máximo como já se tinha habituado a fazer.
Jeff: "..."
Damian: "Ei, estás bem?"
Pergunta, firmemente mantendo a mão em cima do ombro do seu filho. Com preocupação tão palpável e amor pelo seu filho...ainda mais.
Jeff: "..."
O filho não responde de imediato. Só por medo de este momento ter finalmente chegado. E de como ele reagirá. De como o seu pai encarará os seus sentimentos mais explícitos. 
Jeff: "..."
Damian: "..."
Jeff: "..."
Essa preocupação consome-o ao ponto de isso se resumir a tudo naquele momento. Essa preocupação. Esse medo de se impôr contra o seu pai. Esse medo de insultar alguém que ama.
Jeff: "..."
Damian: "Ei, vá lá! Responde-me!"
Insiste, chacoalhando o ombro de Jeff e, consequentemente, o corpo do seu filho de trás para a frente. 
Jeff: "..."
Mas ele tem medo. Não consegue dizer o que quer aqui e agora. Não na frente dele. Na sua própria cara, pois, por muito que o odiasse de manhã...com o passar do dia...com o medo crescente...percebeu.
Percebeu que talvez o seu pai não fosse a sua maior preocupação. Que embora continue sem entender as duas motivações...não sabe se as quer ouvir explicadas. Não sabe se conseguirá.
Jeff: "..."
Damian: "Jeff! Estás a ouvir-me?!"
Mesmo que o seu pai não o permita. E...isso o esteja a inquietar. E a tirar do sério com cada chacoalho. Cada vez que ele o sacude. Cada...apelo...seu.
Jeff: "..."
Damian: "Jeff! Diz alguma coisa!"
Jeff: "..."
Damian: "Vamos! Eu preciso de saber que ao menos estás bem!"
Jeff: "..."
E não para.
Damian: "Anda lá! Tens de me dizer alguma coisa!"
Jeff: "..."
Damian: "Não consigo adivinhar como te sentes! Tens de ser tu a dizer-me!"
Jeff: "..."
E não para.
Damian: "Por favor! Jeff! Peço desculpa pelo que fiz, mas ao menos responde-me!"
Jeff: "..."
Damian: "A sério! Não estou a brincar! Fala comigo!"
E não para.
Damian: "JEFF!!! ACORDA PARA A VIDA!!!"
E NÃO PARA!!!
Jeff: "CALA-TE, PORRA!"
Num súbito momento de raiva. Um momento de explosão, a criança exalta-se ao ponto de erguer a cabeça e tirar a mão do seu pai de cima do seu ombro com um balançar horizontal improvisado.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Assim a criança esquece-se tudo. A sua vida passa a resumir-se àquele momento. Fazendo-o esquecer inclusive do que escondia. Afinal, com este gesto rápido e suave, o manto foi movido.
Como se a brisa do vento lhe tivesse alcançado, o movimento violento fez o manto desapegar-se do corpo de Jeff para cair no chão. Revelando assim o que ele tanto queria esconder.
Não só os seus sentimentos verdadeiros. Não só o medo. Como também aquele objeto. Uma espécie de caixa preta. Uma caixinha com que ambos estão familiarizados. Um objeto que Damian...
...que Damian tinha jurado nunca mais ver...
...uma caixinha que escondeu de propósito para se esquecer...
...uma caixa que...
...se os seus olhos não lhe mentem...
...está mesmo ali...
...no colo do seu filho...
...retirada do lugar onde devia estar.
Ali estava a caixa negra que continha o anel.
...não só um anel...
...eram...
...anéis...
...mas dentre esses dois havia um...
...um anel com que Damian mais se importava.    

Não um anel qualquer, mas...
...
...o anel se alguém que ama...
...alguém que mesmo não estando cá...
...ainda parece tão presente...
...esse anel que tinha prometido de nunca lá tirar...
...o anel que não vê há um ano atrás...
...
...
...
...o anel da sua mulher...
...o anel de Maria.      

...
Damian: "..."
Jeff: "..."
O seu pai arregala os olhos em surpresa. Por ter visto ali, naquele segundo, todas as suas expectativas a serem subvertidas. Tudo o que esperava a ser provado errado.
Jeff: "..."
Por outro lado Jeff permanece com um rosto de raiva. De músculos contraídos e instinto agressivo ainda presente. Enquanto encara o seu pai.
Ele que...faz uma estranha cara. Encara-o de forma estranha. Olhando não para a sua cara, mas para o que está embaixo.
Foi o que bastou para ele perceber que se tinha esquecido. A forma como olha para ele...aquele rosto de choque...só pode significar uma coisa.
E com aquele olhar ele percebeu. Compreendeu que tinha se deixado levar pelo momento. Que tinha cometido um erro. Que o que escondia no seu colo, revestido pelo manto que agora cai no chão...
...
...a caixa preta...
...a caixa com o anel de sua mãe.
Neste momento percebeu que...
...tinha perdido...
...e a culpa não era de mais ninguém...
...
...ninguém senão ele.
Jeff Mindler.
...
...
...
...
...
...
...
Jeff: "..."
Damian: "..."
Agora também o filho arregala os olhos ao olhar para o que o rodeia. Ao aperceber-se que nada o revestia. Não mais.
Não agora que se tinha deixado levar pelos próprios sentimentos e emoções. Esses componentes que levaram à sua derrota.
Jeff: "..."
Damian: "..."
É tarde demais. Nada pode fazer. Nada lhe vem à cabeça. Já não pode correr. Seria corbardia. Até porque...o seu pai quer saber...
Jeff: "..."
Damian: "I-Isso é..."
Diz gaguejando com dificuldade para sequer formular uma frase coerente.
Jeff: "..."
Damian: "Isso é a caixa das alianças."
Afirma agora com maior confiança vendo que os seus olhos não o enganam. Não, aquilo era memso real. O seu filho...tirou-o do lugar.
Jeff: "..." 
Damian: "Isso é a caixa das alianças. Isso...estava no meu quarto. Guardo-a no meu quarto desde que ela morreu. Não me digas que-"
Jeff: "Sim, eu...fui lá. E tirei-o do lugar."
Responde com pouca segurança e uma enorme vergonha. Por nâo ter conseguido manter aquilo como escondido por muito tempo. Ou melhor...por não ter conseguido esconder a sua surpresa.
Ele já estava a sentir-se mal por ver o seu pai olhar para si como se fosse um assaltante. Alguém que violou o seu espaço íntimo de privacidade. Alguém que entrou lá sem permissão.
Detesta sentir isto. Detesta ver isto. Mas...Jeff sente que ao menos lhe deve uma explicação. A explicação que aquele pai estupefacto e incrédulo tanto merece após um dia difícil.
Damian: "..."
Jeff: "Ouve, é que eu..."
Damian: "..."
Jeff: "Quando estás fora eu aproveito para vaguear por aí. Também estou de férias, por isso não é como se tivesse muito para fazer além de ver televisão. E depois de um bocado isso também farta. E também não foi preciso vir o incidente com o urso para eu me perceber disso."
Confessa numa voz nervosa e envergonhada. Tudo enquanto o seu pai ouve tudo sem ainda acreditar no que se estava a passar.
Damian: "..."
Jeff: "Comecei a vageuar pela casa nos meus tempos livres. Sem precisar de me preocupar com a presença de um outro, pois neste período de férias acabo por ficar sozinho, querendo ou não. Passei a andar de um lado para o outro. Isto nos raros momentos em que não sentia uma preguiça. E de andar de um lado para o outro...passando sempre nos mesmos lugares...acabamos por nos fartar e eventualmente procuraremos novos horizontes. Novos lugares para explorar e-"
Damian: "Já chega! Podes parar por aí."
Interrompe de súbita numa voz ligeiramente mais alta. Parando por completo a inocente criança no meio do discurso. Aquela tão fraca criança.
Damian parecia farto. Tal como se já não pudesse mais aguentar as coisas que o mundo lhe atirava à cara. Iza. O monstro. E agora isto...
As coisas só estão a piorar. Pouco a pouco. Neste ponto nem se irrita. Apenas mostra-se decepcionado, embora com um espectro de raiva. Mas ele apenas fica triste. 
Triste por saber que nem o seu filho o respeita mais. Nem no seu filho pode mais confiar. E só se tem a si próprio para culpar, de certa forma. Pois...pensando bem...só tem uma hipótese.
Uma forma que possa sequer explicar isto tudo. Uma única forma. Uma explicação que não quer aceitar, mas que tem curiosidade em saber nem que seja só para ao menos ficar a saber.
Jeff: "..."
Damian: "Tu...eu não preciso de saber de mais nada."
Fala contendo a raiva para dentro. A raiva que foi usada tanto nestes dias que acabou por saturar. Essa raiva que mantém para dentro enquanto fala para o seu filho que abaixa os braços e se intimida.
Jeff: "..."
Damian: "Já ouvi mais do que suficiente para entender o que se passou. Aproveitando a minha ausência tu decidiste aventurar-te no meu quarto. O quarto onde eu ficava...com a Maria, lá na época. Tens sorte que eu não tenho lá ido há muito tempo. Pelo menos há três dias que não lá vou...isto que eu saiba. Senão provavelmente já teria notado há muito que havia ali algo fora do lugar. Pois tenho a certeza que como criança, tu terias lá deixado alguma prova, algum tipo de rastro que indicava que estiveste lá antes."
Jeff: "..."
Damian: "Tenho a certeza disso..."
Procurando uma posição mais confortável ele reposiciona-se no sofá. Mostrando também o seu controlo, ele deixa o filho de boca fechada. 
Não abre espaço para respostas. Não principalmente agora que vai soltar aquilo que mais quer saber. A pergunta a que quer resposta. Para tirar o peso...para saber quem culpar.
Jeff: "..."
Damian: "Sê sincero comigo. Nem que seja só desta vez."
Jeff: "..."
Damian: "Porque é que decidiste fazer isto?"
Jeff: "..."
Damian: "Foi por diversão?"
Jeff: "..."
Damian: "Porque estavas entediado e como próprio dizes não tinhas nada melhor para fazer?"
Jeff: "..."
Damian: "Não, na minha opinião talvez seja algo mais complicado. Talvez seja pela forma como agiste desde que chegámos. Talvez pelo que tenha acontecido ontem. Caramba, tu podes dar-me um tiro na cabeça se eu estiver a dizer alguma mentira. Pois tu próprio pareces querer evitar este tópico. Querias chegar a ele evnetualmente, porque também sabias que não o podias evitar para sempre e porque...lá no fundo também querias uma resolução a isto tudo. Tal como eu. O problema e o que me irrita nisto tudo é que não estás a ser nem um pouco frontal. Se fosses assim já teríamos resolvido as coisas ao invés de andarmos às voltas a falar sobre ursos de peluche e...Deus me perdoe... mas monstros também! Por isso ao menos sê sincero contigo mesmo. Sê sincero comigo e admite de uma vez por todas!"
Jeff: "..."
Com o rapaz petrificado quase a ouvir tudo sem poder reagir. Sem clragem para reagir, Damian dá o golpe final. 
Inclina-se para o lado. Aproxima mais a sua cara séria e farta da cara assustada e intimidada de seu filho. Tudo enquanto abre lentamente a boca para que não hajam confusões:

Damian: "Admite de uma vez. Tu odeias-me, não é?"

Jeff: "..."
...
Perante estas frases não dá para responder. Perante estas acusações tão graves. Acusações feitas numa voz que possui tão pouca raiva. Uma voz que apenas possui decepção.
Damian não está zangado. Levemente exaltado, mas nada mais. Só está decepcionado.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Sempre com os olhos nos olhos do seu filho, ele deixa claro o quanto despreza este momento. O quanto não queria dizer isto. 
Mesmo assim sentia que ele precisava de saber as verdades. Que alguém lhe atirasse as verdades à cara. E vendo bem aquela cara assustada e intimidada do seu filho, percebe que conseguiu.
Damian: "..."
Sem dizer uma única palavra ele vai afastando a cara da de Jeff. De forma lenta, mas impactante. De forma a que tudo fique claro. De forma a que o seu filho saiba a sua opinião.
Jeff: "..."
À medida que se afasta ele aproveita para sorrateiramente tirar a caixa do colo do seu filho. Não fazendo furor nem nada. Resume-se a tirar o que é seu. O que lhe foi tirado pelo filho.
Jeff: "..."
Damian: "Tchk. Eu entendo que eu te possa ter ferido ontem, mas...não era preciso chegares a este nível."
Examinando bem a caixa, percebe que ele não faz nada de mal. Não fez nenhuma alteração. Pegou mesmo por pegar. Talvez tenha sido mesmo por diversão, porém...isso não mudará nada.
Não mudará o facto de ter visto o respeito que tinha para com ele a ser quebrado. Não mudará o facto dele ter entrado no seu espaço pessoal. Seja pela razão que for, não o vai perdoar por isso.
Damian: "..."
Ele abre a caixa só para ver se tudo ainda está lá dentro. Puxa a parte para cima e felizmente tudo estava no lugar. Os dois anéis dourados que ele e a sua mulher usavam. Há um ano...faz um ano.
Um ano desde que ela não está presente. Um ano desde que não se atreve a usar estes pedaços de ouro. Esta fortuna minúscula dentro desta caixa. Mais do que tudo...é um tesouro pessoal.
Jeff: "..."
Damian: "Ainda bem."
Suspira vendo que tudo estava no lugar. Que felizmente nada foi tirado dali. Daquele tesouro, santuário que daria a vida para proteger.
Jeff: "..."
Damian: "Como se eu já não tivesse suficiente com que me preocupar..."
Jeff: "..."
Fechando a caixa ele fica a segurá-la na mão direita enquanto começa a inquirir o seu filho. Nesta última conversa que terá com ele antes do evento fatídico. esta última chance que tem para se reconciliar.
Jeff: "..."
Damian: "Ao menos diz alguma coisa."
Jeff: "..."
Damian: "Ao menos diz-me que estou certo."
Jeff: "..."
Damian: "Diz-me. Nem que seja só para eu ficar sem esta pergunta a massacrar-me na cabeça."
Jeff: "..."
O rapaz com a boca mais cerrada do que o sarcófago de um faraó sente-se obrigado a responder. Até porque sente que não consegue ficar assim para sempre.
O seu pai...ele precisa de saber. De saber o que ele realmente acha. Porque sente pena dele. Porque agora sente a dor dele. Porque agora não se consegue conter com esta ordem dele.
Ele vai timidamente abrindo a boca. Pouco a pouco se livrando do medo que tinha do seu pai. Pouco a pouco tentando deixar para lado qualquer preocupação e preconceito.
As coisas não podem ficar assim. Inciou esta conversa para chegar até aqui. E o momento chegou. O momento tão temido em que teria de confrontar o seu pai. 
Agora não pode hesitar. Era isto o que queria. Deixar o seu pai a saber do que sente. Desabafar antes do confronto que terá com o Vírus. Damian precisa de saber. O seu pai precisa de saber.
Especialmente porque...
...as coisas não são como ele diz...
...o seu pai...
...está errado.
...
Damian: "..."
Jeff: "N-Não. I-Isso não é verdade, pai."
Damian: "..."
Jeff: "E juro pela minha morte. Pela mãe que nos observa lá em cima."
Damian: "..."
Jeff: "Por tudo isso e mais outras coisas eu aposto a minha vida nesta verdade que te conto. É que...pai...eu...eu não te odeio."
Damian: "..."
Perante esta afirmação tão segura, o pai não pode fazer nada senão querer ouvir os seus argumentos. Embora não esteja ainda muito convencido, sente que seria rude interrompê-lo.
Rude principalmente quando levamos em consideração que Jeff também nunca o interrompeu. Por isso não cometerá esse erro.
Ficará de boca fechada. A ouvir os seus argumentos. Depois será ele a determinar. Determinará se confia ou não nas suas palavras.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Emotivamente a criança arranja motivação para continuar. Razões para não desistir agora que está despido do medo e de tudo o que o impedia. Sem filtros ele vai deixar claro. Ele vai convencê-lo:
Jeff: "Por favor ouve. Ouve bem o que tenho para dizer. Ouve bem o que eu realmente sinto. E depois...só depois...terás total permissão para reavaliares o que achavas e...se achares necessário...podes insultar-me. Mas antes disso...quero que ouças o que tenho a dizer. Por favor, pai. Por favor."
Damian: "..."
Segurando com força na caixa, o seu pai ajeita-se uma última vez no sofá. Uma última vez nesta que pode muito bem ser a sua última conversa. 
Fazendo-lhe a vontade por saber o que o dia de hoje marca, quase que sem palavras ele dá a sua permissão.
Acena-lhe com a cabeça e isso foi o suficiente. Suficiente para Jeff perceberbo que podia e o que não podia fazer. Suficiente para o rapaz não desistir agora. Pois agora teria de o fazer. 
Não era mais uma questão querer ou não querer, mas sim uma de obrigação. Então, com todas essas noções e lembrando-se do que está por vir, as palavras vêm todas ao de cima. E Jeff não hesita.
Damian: "..."
Jeff: "Estaria a mentir se te dissesse que eu não fiquei triste com ontem. Na verdade, triste é quase suavizar a situação ou...como a professora de português costuma dizer...é um...um..."
Damian: "Eufemismo."
Jeff: "Precisamente."
Deixando de parte este breve esquecimento, Jeff continua. Agradece internamente a ajuda neutra do seu pai e segue.
Damian: "..."
Jeff: "Quer dizer o que ouvi...vindo da boca daquela pessoa...o Iza...o invasor...deu-me provavelmente a pior noite da minha vida. Onde mal dormi. E se dormi não foi mais do que duas horas. E no entanto...quando acordei...não estava exausto e com sono...ou se estava eu não o sentia...pois o medo que senti...a tristeza que tinha...era tamanha ao ponto de superar os meus próprios instintos e necessidades essenciais. Na verdade, diria que até agora...agindo de uma forma semelhante às memórias daquele dia de há um ano atrás...continua tudo presente na minha mente."
Damian: "..."
Jeff: "Isso já era de se esperar. Se eu continuo a sofrer por algo que aconteveu há um ano atrás, então nem deves imaginar o quanto estou a sofrer por algo que aconteceu ontem. O quão...paranóico tenho andado. É que...eu passei grande parte do dia a olhar para a janela. Só por medo que ele volte. Com medo que...eu não consiga impedir que algo daquele género aconteça. Com medo de ver aquele homem outra vez. Com medo de me lembrar das palavras que foram proferidas. Com medo ser relembrado que...tudo o que conhecia até agora...tudo o que julgava até ontem como verdadeiro...não passavam de mentiras. E que essas minhas ideias...a realidade nua e crua...tinha estado debaixo do meu nariz este tempo inteiro...que a pessoa mais próxima de mim...O MEU PRÓPRIO PAI...tinha-me mentido!"
Damian: "..."
Quando já se começava a exaltar, o mesmo decide abrandar. Parar um pouco para garantir que não exagera na sua própria raiva. Essa que está bem ciente do que é capaz.
Jeff: "..."
Por isso ele respira mais fundo e lentamente. Ele tenta encontrar um espaço mais calmo. Tenta não destruir o seu pai com palavras. Não sem antes saber a sua opinião. Sem antes ouvir a sua parte.
Damian: "..."
E por falar nele...este mostra-se sentido. A um passo de estar envergonhado. Também ele reconhece que não estava totalmente certo. No entanto, quer que o seu filho compreenda. 
Quer que ele não o odeie.
Damian: "..."
Jeff: "Mas...tu disseste que eu te odiava. E...eu disse que era mentira, porque...realmente o é."
Diz, tentando elaborar as suas convicções.
Damian: "..."
Jeff: "Mas..."
Damian: "..."
Jeff: "Eu não te vou mentir. Inicialmente sim, estava irritado. Sim, eu estava triste e desorientado. Sim, eu...por muito que tenha sido por umas horas...odiei-te."
Damian: "..."
Jeff: "Nesta noite que passou...e até a um certo ponto deste dia...eu odiava-te. Simplesmente não te queria ver à frente. Sentia que não ia aguentar a minha raiva por te ver à minha frente. Sentia que só por ver o teu rosto ia ficar com más memórias. Ia ser relembrado de coisas que não queria. E...ao saber agora o que realmente se passou...tinha quase a certeza que ia acabar por te agredir. Eu... queria te bater. Queria descarregar a dor toda em ti. Isso tudo...este meu modo de pensar...incluindo esta vontade...esta violência toda...permaneceu por um bom bocado. Umas boas horas. Horas que passei com ódio no coração. Com vontade não só de violência como de te renunciar. De...nunca mais te ver e...se possível...de nunca mais ser teu filho...pois eu acreditava...e acredito...que o que tu fizeste não se faz a ninguém. Muito menos a um filho."
Damian: "..."
Jeff: "E isso tudo o que eu falo pode ainda ser visto. A raiva toda amenizou, mas os vestígios não. Agora sinto-me constrangido ao dizer isto...tu podes ver com os teus próprios olhos o que está no caixote do lixo. Talvez não agora neste preciso momento, contudo...acho melhor deixar-te a saber."
Damian: "Deixar a saber de que coisa? O que é que está no caixote do lixo?"
Pergunta sem pensar, preocupado por temer que ele tenha feito algo mau. O seu filho começa a corar. Coça a parte de trás da cabeça e responde:
Jeff: "Ao acordar vi que não tinhas arrumado um saco de compras. Um saco que devias ter trazido ontem antes de...bem...teres chegado no momento. E...na minha raiva...vendo algo que tu me trouxeste com todas as boas intenções...dei uma boa olhada no que trazias e...atirei o bolo para o lixo pensando que ganharia algo com isso."
Fala todo envergonhado e visivelmente se arrependendo do que fez. Mesmo porque aquilo seria um bom pequeno-almoço. Ou lanche.
Damian até se sente aliviado e surpreso. Quase suspirava ao ter ouvir que não era nada. Todavia ele também tenta ser compreensivo e ao fazer esse esforço ganha uma nova face do assunto.
Compreende como foi difícil para uma criança encarar verdades tão cruas ao mesmo tempo. Como deve ter sido assustador ver um desconhecido em casa. Como...como...
Como...deve ter sido frustrante...perceber que a nossa versão da realidade sempre esteve errada...
Damian: "..."
Dando continuidade a este estado de espírito ele continua a ouvir. Sempre tentando entender o lado do outro. Pouco a pouco percebendo que errou em certos aspetos.
Damian: "..."
Jeff: "Sim, eu sei. Olhando para trás parece um ato inútil, porque o é. Contudo...na altura...de cabeça quente...parecia que ia ganhar algo com aquilo. Talvez pensasse assim pelo facto de cada palavra do que aquele homem disse ainda estar na minha cabeça. E...por ter tantas perguntas...tantas que ainda tenho...mas...eu estava a agir de forma idiota. Pois...ainda por cima...não sabia o quão essa minha raiva é insignificante."
Ele continua ficando mais sério e perturbado pelo próprio passado.
Damian: "..."
Jeff: "Não me entendas mal. Fiquei o dia inteiro com as perguntas, dores e inúmeras outras coisas piores que neste preciso momento perduram. No entanto, com o passar do dia, eu fui percebendo que esta situação em que me encontro, em que nós nos encontramos é tão, mas tão pior..."
Damian: "..."
Jeff: "Comecei a deixar de ficar com raiva. Em vez disso esse sentimento foi substituído. Moldado em algo que não esperava."
Damian: "..."
Jeff: "Esse sentimento..."
Damian: "..."
Jeff: "Toda essa violência e fúria recentemente despertada..."
Damian: "..."
Jeff: "Tudo isso e muito mais transformou-se em...medo."
Damian: "..."
Até mesmo um adulto consegue sentir o medo na flor da pele. Pela forma como fala deixa bem a entender que este dia foi assustador para si. Iza não devia ter feito o que fez.
A própria criança parece reconhecer que não deveria ter feito o que fez. Damian finalmente reconhece que...pelo menos nestes últimos segundos...foi demasiado duro.
Com o próprio filho num ar tão triste. Com alguém que ama a ser ferido pelos próprios sentimentos ele segura com mais força na caixa ao sentir o mesmo medo. Ao ser compreensivo e calmo.
Ele percebe que tudo é mais complicado. Cada um tem o seu pedaço de razão. O difícil é ter a paciência para o fazer. E Damian, apesar destas circunstâncias estressantes, esforçou-se para ter isto. Tudo pelo bem do seu filho.
Damian: "..."
Jeff: "Mas eu quero que me digas."
Diz, remoendo-se nos próprios pensamentos.
Damian: "..."
Jeff: "Há algo que eu simplesmente não consigo entender."
Damian: "..."
Jeff: "Diz-me porque é que me tiveste de esconder isto por tanto tempo. Ainda por cima de mim, o teu filho. A pessoa que mais tinha direito de saber. Porque é que tiveste de me deixar um ano no escuro só para um estranho entrar aqui em casa e recelar a sua identidade? Porque é que não me contaste?"
Damian: "..."
Jeff: "Não me importa o que aconteça. O que vai acontecer. Só quero que me digas o que aconteceu. Isso é o que eu te peço."
Damian: "..."
Jeff: "Por isso...por favor, eu imploro-te que me digas. Que expliques a tua parte. Que me digas sem mais mentiras e ocultações toda a verdade. A verdadeira razão de eu ter sofrido tanto ontem."
Damian: "..."
Nada é tão simples. Ele é obrigado a reconhecer isso de uma vez por todas. É obrigado a admitir que esta situação saiu do controlo.
Sim, não gostava de estar a ser pressionado pelo seu próprio filho a falar de si. Sim, não gostou do que Iza fez. Sim, está desconfortável por muito que esteja sentado no sofá. Sim, tudo isto dói. 
Mas...que escolha tem? Está perante o seu filho. Com a espada prestes a ser enfiada à força no seu peito. Não tem escolha. Principalmente pevando em consideração o quão fora de controlo tudo está.
Resistir é estupidez. Recusar é estupidez. Continuar a viver na mesma mentira é estupidez. Tudo já foi revelado. E não foi ele que o fez. Foi alguém que considerava amigo. Alguém que agora é...inimigo.
E Damian errou.
Ele sabe disso.
E também será por essa razão que se sente obrigado a falar.
É por isso que se sente obrigado a contar toda a verdade ao seu filho.
Nem...
...que...
...seja...
...só...
...agora.
...
Damian: "Eu...tal como tu...sofro com o que aconteceu. Sofro com o que aconteceu com a Maria. Penso nela todos os dias. A cada momento. Mesmo quando estou a fazer outras coisas, em instantes tão aleatórios...vejo algo...ouço algo...algo neste mundo leva a minha mente até ela. É como se ela estivesse sempre aqui. Por muito que não esteja mais entre nós a memória dela perdura e afeta-me. Afeta-nos aos dois. Incessantemente. Sem pausas. Como uma dor. Uma dor que não nos deixa em paz."
Jeff: "..."
Damian: "Com as tuas próprias palavras descreveste tudo melhor do que eu alguma vez faria. Mas...tu ainda és capaz de estar a sofrer mais do que eu. Porque eu até que esperava a .orte de Maria. Ela também já devia estar a prever o que poderia estar por vir. Não tinha a certeza sobre quando seria. Ou onde. Apenas que havia uma alta probabilidade de acontecer. Que com cada advertência que recebíamos...cada ameaça...estávamos a mais um passo de sermos magoados."
Jeff: "..."
Damian: "E isso foi tão difícil para mim. No entanto...para ela...foi muito mais fácil. Sem pensar muito, de forma muito natural, a tua mãe conseguiu fazer o mais difícil. Aceitou a própria morte de peito e cabeça erguida."
Jeff: "..."
O pai para por um breve momento. Reavalia o seu tom calmo antes que as lágrimas comecem a escorrer. Nesta breve pausa em que se contém para não deixar as emoções vencer.
E nesse meio tempo o seu filho aproveita. No meio do silêncio que se tinha subitamente feito ele deixa passar as palavras carregadas de emoção que sempre quis soltar.
Damian: "..."
Jeff: "Ok, mas o que é que isso tem a ver com me teres ocultado o porquê da mãe ter morrido?"
Pergunta sem aguentar a antecipação e a sua mórbida, quase furiosa curiosidade.
Damian deixa a caixa da aliança no seu colo. Passa a mão pela cara de modo a limpar-se de medos. E quando acaba, diz honestamente com a voz trémula:

Damian: "Porque eu não queria envolver ninguém neste jogo de violência."

Jeff: "..."
E mal ele revela aquele seu porquê tão pouco elaborado...
...a primeira lágrima...
...
...
...cai.
Damian: "..."
Aquela gota tão inevitável que ele já tinha sentido. Aquela que apenas estava à espera do momento para cair. Decidiu que este era o momento.
O momento de espírito mais baixo. Um momento raro onde um pai poderia deixar de ser invencível à frente do seu filho. Isso Damian nunca quis, mas...em momentos como este...é imparável.
A vontade de desabafar é implacável.
Jeff: "..."
Damian: "Eu nunca quis magoar ninguém."
Jeff: "..."
Damian: "O que eu quero e sempre quis foi sobreviver o máximo possível neste duro e cruel mundo. Sempre me limitei a proteger os meus. Aqueles que amo...eles são a razão de eu estar aqui vivo. Quer eles sejam os meus pais, a Maria e agora...tu, Jeff. O que eu quero é proteger-vos."
Continua com a bochecha direita molhada por aquela lágrima. Devido a este momento onde reventa de vez e perde o controlo. Pois o controlo que teve já tinha sido perdido há muito.
Assim sendo ele continua. Enquanto o seu filho escuta tudo aparentemente desgostando do que ouvia. Mordendo o lábio de raiva.
Sem conseguir tolerar aquelas palavras ele permanece à escuta. A ouvir a explicação do seu pai que vai sendo envolvido pouco a pouco pela própria dor e culpa.
Damian: "Desta vez...ao mentir-vos...eu também vos queria proteger...como sempre quis."
Revela começando a soltar cada emoção que teve lá guardada. Emoções que se traduzem em mais lágrimas por vir. Na tristeza na sua voz ou no quão trémulas estão as suas mãos. 
No quão inseguro, nervoso e triste está. 
Jeff: "..."
Damian: "Eu não queria que soubessem a verdade. Não queria que soubessem que a minha mulher morreu graças a um bando de criminosos. Uma gangue a quem devíamos dinheiro e que era liderada por um amigo meu. Alguém que eu acreditava e considerava próximo. Ele que traiu a minha confiança e eu ainda assim deixei-me levar pelas palavras dela."
Jeff: "..."
Damian: "Porque eu nunca quis isto. Eu nunca queria me envolver com este tipo de pessoas. Mas a Maria...ela queria o melhor da família. Sabia que estávamos mal financeiramente e decidiu correr os riscos pela família...por ti, Jeff."
Diz, com as lágrimas a escorrer pelo seu rosto de uma vez. Sem pararem.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Mas estas palavras sentidas não surtem efeito para a criança. Esta que ouve tudo e ao invés de compreender o lado de Damian, apenas se irrita.
E essa raiva, a fúria que agora sente deve-se ao facto de discordar com as suas palavras. Pois acredita no que ele diz, é só que irrita-se ao imaginar que o seu pai ocultou tudo por essa razão.
Por uma razão tão idiota. "Proteger os outros"...que estúpido. Ainda por cima por dinheiro. Segundo o que ouviu tudo foi por dinheiro. Dinheiro que não justifica nem um pouco os riscos. 
Uma recompensa que não justifica os riscos.

A vida da sua mãe que não veleu uns meros trocos.

Ainda por cima trocos esses que não viu a serem bem gastos.

Ainda por cima era de uma quantia de dinheiro tão elevada que não foi vem usada.

Uma quantia de dinheiro que custou a vida da sua mãe.

E o seu pai nada fez para a parar...

Damian: "..."
Jeff: "A sério...como é que podes dizer isto de forma tão sentida. Dás a entender que falas todas estas parvoíces como se fossem verdade."
Insurge-se agressivamente num ato inesperado, quando já nem ele aguentava para si mesmo a sua própria opinião.
Damian: "..."
Jeff: "Tu próprio disseste que estavas lá. Então porque é que não fizeste nada?"
Pergunta indignado e quase a chorar de tanta raiva por imaginar o quão melhor poderia ter sido a sua vida se ao menos o seu pai tivesse tomado iniciativa. 
Damian: "J-Jeff, não...eu tentei."
Responde inusitadamente. Tenta defender-se sem pensar muito, mas não parecia muito convincente. As emoções daquele momento também não ajudavam e via-se a ser intimidado pelo seu filho.
Neste momento onde nada lhe vinha à cabeça senão tristeza.
Jeff: "Não te atrevas a dizer que tentaste. Se isso fosse verdade eu não estaria neste preciso momento sofrer. Não precisaria de ter levado com o pesadelo que foi o dia de ontem. O meu pai não estaria também a sofrer. Assim protegias todos de uma maneira mais efetiva. Sem precisar de te preocupares em andar a contar mentiras aos teus amigos e familiares por teres medo que eles se metam nesta espécie de jogo que é muito mais ilegal e criminoso do que parece. Também te estarias a fazer um grande favor, sabias?"
Damian: "..."
Jeff: "Mas quer dizer...a quantas pessoas é que mentiste? A quantos amigos teus é que mentiste a dizer que a mãe morreu por uma bala perdida? Sê sincero pela primeira vez e diz-me isso! Diz-me a quem mentiste, a quantas pessoas mentiste!"
Damian: "..."
Nunca se imaginou a ter de chegar aqui. Nunca pensou que estaria a ser pressionado pela própria criança que ajudou a educar. 
Nunca teria imaginado que a situação estivesse tão má.
Jeff: "..."
Damian: "..."
O seu filho aguarda em silêncio uma resposta à pergunta que fez. Essa pergunta que pressiona bem nos defeitos do seu pai. Os defeitos dos quais sempre esteve ciente, mas que nunca quis corrigir.
E porquê isso? Não foi por se ter esquecido. Não foi por não ter tempo para o fazer. Foi porque se recusou a fazê-lo. Porque...
...tinha um apego aos seus ideiais...
...estes que vieram do seu passado...
...graças às suas experiências passadas...
...da experiência em que viu um morto perante os seus olhos...
...do dia da morte da sua mulher.
O dia. A morte. O momento.
...
...
...
Que simplesmente não consegue esquecer.
Jeff: "..."
Damian: "Filho, eu...sinto que isso não importa agora."
Jeff: "Não importa agora?!"
Retorque sem acreditar no que ouvia. Na mesma voz nervosa e rosto molhado, o seu pai elabora:
Damian: "Tu ouviste-me, eu disse que isso não importa."
Jeff: "E não importa porquê? Estamos a falar sobre a mãe. Sobre a tua mulher e as mentiras que me contaste e as mesmas que provavelmente contaste aos outros."
Damian: "C-Claro, m-mas existem coisas mais importantes."
Jeff: "Importantes como? Hoje é o aniversário me morte da Maria. Não deveria ela ser prioridade?"
Damian: "E é, só que...existem outros assuntos com os quais quero falar contigo. E...outras coisas que eu sinto que não te posso contar."
Jeff: "Oh, finalmente admites. Com que então sempre me tens andado a esconder coisas. Não, não só isso. Escondeste-me a verdade sobre o que aconteceu há um ano atrás e ainda me escondes mais coisas."
Damian: "Ora tu...a sério, podemos parar com isto e ir direto ao que importa?"
Jeff: "Mas é claro. Só preciso que SEJAS HONESTO!"
Damian: "Hunf. Porra...tens mesmo de ser assim tão chato?!"
Jeff: "Eu não quero saber se estou a ser chato ou não. O que quero é que o meu pai me olhe nos olhos e diga tudo!"
Damian: "Pois o teu pai não quer nada disso agora! Ele quer falar contigo sobre outros assuntos tais como os teus pesadelos! Ou se calhar existe um nome melhor que tu próprio deste: A CRIATURA!!!"
Jeff: "ENTÃO PARA DE EVITAR O INEVITÁVEL E ABRE-TE!!!"
Damian: "E COMO É QUE QUERES FAZER ISSO SEU HIPÓCRITA!!! NÃO VÊS QUE TAMBÉM ME ANDAS A ESCONDER COISAS?!"
Jeff: "E EU JÁ DISSE QUE NÃO QUERO SABER!!! POR ISSO DEIXA-TE DE MERDAS E DIZ-ME OS TEUS SEGREDOS PARA ASSIM TERES UMA MÍSERA OPORTUNIDADE DE OUVIRES OS MEUS!"
Damian: "PARA QUÊ?! PARA DEPOIS TE MAGOAR MAIS?! ESTÁ DOÍDO?! TENS GOSTADO ASSIM TANTO DESTE ÚLTIMO ANO PARA QUERER TANTA DOR E SOFRIMEN-"
Jeff: "MAS TU PODES PARAR DE TE COLAR AO PASSADO, POR FAVOR?!?!?!?!"
Damian: "..."
...
...
...
Jeff: "PORRA! FOCA-TE NO AGORA, PAI! FOCA-TE NO PRESENTE!!!"
...
...
...
Damian: "..."
Jeff: "Por acaso estou a pedir demasiado?"
Pergunta ao seu pai baixando a sua voz. E lentamente voltando a si. Sem permitir que o momento o leve. Percebendo que, embora lhe tenha dito a verdade, é capaz de o ter ferido.
É capaz de ter exagerado.
Mas não se arrepende do que diz. Não só não se arrepende como mantém-se de olhos acerrados e rosto carregado de raiva. Sabendo que disse a verdade. Mas que isso nem é o que mais importa.
Especialmente no dia de hoje...tem muitas...mas muitas mais preocupações. Preocupa-se consigo mesmo. Com o seu destino, mas...também se preocupa com o seu pai.
Ele preocupa-se com o seu pai, mas coloca a sua mensagem acima. Por muito que sinta dó de ver o seu pai daquela forma. É só que...não tem tempo para estas coisas. Para vê-lo assim.
Cansado. Pupilas dilatadas. Rosto surpreendido e decepcionado. Decepcionado consigo próprio. Por reconhecer esse próprio erro.
Esse erro que sempre soube que existia. Um que nunca ninguém lhe tinha apontado assim tão diretamente. Um que veio ao de cima de uma vez por todas. 
Graças aos atos do seu filho. Que no calor do momento disse todas as verdades saírem. Muitas que ele guardava por anos. Esta deve ter sido uma delas.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Voltando ao tom de voz típico, Jeff respira fundo. Não está ofegante. Nem o seu pai está. Pelos vistos as outras discussões que teve ao longo do dia ajudaram-no a habituar-se a estes esforços.
Damian: "..."
No entanto, não é por agora consegir falar que o fará. Pois ele não se sente nesse direito. Não possui coragem para tal. Só para ficar a apanhar a reprimenda. Pelo próprio filho que agora está farto.
Sem...
...coragem...
...envergonhado...
...para dizer...
...
...nada.
Damian: "..."
Jeff: "Sabes, eu já não quero saber de mais nada. O que soube ontem talvez tenha mesmo sido suficiente."
Fala numa voz farta e ciente de outras tarefas em mãos. Como se tivesse conseguido pensar mais claramente. E pegando nas palavras daquela rápida discussão...lembrou-se...
...do que teria de enfrentar.
Jeff: "Eu...também tenho as minhas coisas para fazer." 
Informa num tom ambíguo.
Ele levanta-se do sofá e vira as costas ao seu pai. Àquele sofá. Àquela discussão. Àquela tão desgastante discussão. Finalmente vai acabar.
Damian: "..."
Logo ele vai até às escadas. Deixando Damian, o seu pai, sentado no sofá. Com a caixa das alianças no seu colo. Quebrado pelas coisas que ouviu.
Derrotado pelas verdades que ele também já sabia.
Damian: "..."
Perdeu. Perdeu esta discussão para o seu filho. Para uma criança. E não foi por falta de esforço para vencer este debate insignificante.
Foi por não conseguir reconhecer os próprios erros.
Foi por teimosia.
Por ignorância.
Por se recusar a aceitar a realidade.
...
Damian: "..."
Jeff: "..."
Demorou tanto tempo a reconhecer isso. Teria de ser alguém a dizer-lhe na cara. E esse momento só foi hoje. Talvez no dia mais importante da sua vida.
Damian: "..."
Jeff: "..."
Agora junto às escadas, Jeff prepara-se para ir enfrentar os seus problemas de uma vez por todas. Ignorando o seu pai e os segredos que ele bem sabe que esconde.
Todos esses segredos. Elementos pessoais da vida do seu pai que ele ignora para se focar naquilo que é seu. 
Para não ter de se preocupar mais com outros problemas.
Para a sua mente não se massacrar mais com problemas do género.
Problemas que possivelmente remontam para aquele dia.
Tudo pela sua sobrevivência.
Pela vitória desta luta.

Para não fortalecer...
...
...o monstro...
...

O Vírus Noturno.


Mas...
...antes que pusesse pôr o primeiro pé no degrau...
...antes que deixasse o seu pai com os seus problemas...
...antes que entrasse no seu mundo para correr o risco de nunca mais voltar...
...quer deixar o seu pai a saber de algo:
Jeff: "Juro que não te vou chatear mais. Vou deixar-te finalmente em paz para refletires, que tu bem precisas, mas, antes disso, só te quero deixar a saber disto."
Diz, encarando os degraus que levam ao combate e vendo o seu pai reflexivo no sofá pelo canto do olho.
Então, deixando o seu último conselho, últimas frases, últimas palavras sob a lua brilhante de hoje...
...Jeff também reconhece o próprio erro capaz de levar à sua própria derrota: 

Jeff:
"Eu sei que estou a ser hipócrita ao dizer-te isto, porém isso não me importa desde que fiques a saber isto."

Damian: "..."
O adulto vira-se em surpresa e olha para o seu filho à boca das escadas.

Jeff: "Cada vez que olho para ti vejo-te...perdido. Como se estivesses entre dois mundos e um deles está fora do teu comando. Mas...embora eu não tenha a certeza sobre a natureza desse mundo que dizes ser tão violento...também não consigo parar de pensar que a tua posição não te ajuda."

A criança vira a cabeça e olha na cara do pai uma última vez. Revelando um rosto vulnerável e prestes a ser inundado de lágrimas devido às experiências relembradas e à pressão do que aí vem.

O pai arregala os olhos. Apercebendo-se de outro erro que fez. Arrependendo-se de ter negligenciado as emoções do seu filho.

Arrependendo-se de ter negligenciado as emoções dos outros.

Arrependendo-se do seu egoísmo.

Damian: "..."

Jeff: "Pai...é que tu estás claramente preso ao passado. Da mesma forma que eu estou, não, mais. E eu já vi que estás a tentar deixar isso para trás. Queres deixar isso para trás, senão não me dirias que fazes tudo por mim, que tens a mente focada no presente."

Damian: "..."

Jeff: "Porém..."

Damian: "..."
 

Jeff: "...já se passou um ano."

Damian: "..."



Jeff: "Por muito que me custe acreditar, a mãe foi-se. E isso até alguém como eu que se prende ao passado mais do que tu consegue ver. Afinal, por muito que sinta falta dela, por muito que eu não consiga viver sem ela, por muito que não consiga tirar aquele dia da minha cabeça...reconheço que não há forma de voltar atrás.


Damian: "..."



Jeff: "Superar o passado. É isso o que peço a mim mesmo. É isso o que não consigo fazer graças à minha mentalidade tão pouco desenvolvida. Mas talvez seja algo que tu consigas fazer, pai."



Damian: "..." 





Jeff: "Tu és a única pessoa que conheço capaz de carregar o peso do que aconteceu sem que isso te consuma. És o único que eu sei com todas as certezas do meu coração..."







Jeff: "...que não me vai decepcionar."






O miúdo para de encarar o rosto tocado do seu pai que começa a secar.








Ele assenta o pé no degrau e segue o caminho para a frente. Segue adiante sem se preocupar em ter de deixar o seu pai só com os seus pensamentos.









Vai em direção ao seu quarto.












A arena desta batalha.












Enquanto murmura para si mesmo de forma muito baixa e determinada:

















Jeff: "Não me decepciones, pai."

















Jeff: "Porque eu vou fazer de tudo para te deixar orgulhoso."

Iza: "..."
Já chega de olhar para a lâmina. Deve estar mais do que na hora da invasão. A invasão que marcou há dois dias atrás na presença de todos.
Olhando para a casa ele é constantemente relembrado do que vai fazer. Com a faca na mão ele continua pensando na sua decisão.
O que vai acontecer sob a luz desta lua cheia sem igual. Nem ele sabe. Nem os seus subordinado devem saber. Mas o seu pai...ele saberia.
Infelizmemte está morto. Iza é que terá de decidir. Este homem inexperiente com um peso enorme aos seus ombros. O peso de matar quem ama. O peso de matar os seus amigos.
E desta vez terá de matar a última pessoa que o verdadeiramente conhecia.
O seu último amigo.
Damian.
Iza: "..."
Ner: "Estamos a postos, capitão."
Mas ao que parece terá de deixar-se destes pensamentos. Se ouviu bem aquela voz pertence ao vice-capitão. Ele está por perto. E se os seus instintos também estiverem certos, então ele não está sozinho.
A lua marca a hora. Já estava à espera deles. Por isso é que não fica estupefacto. limitando a comportar-se de forma natural. Assim também esconde as questões que tem quanto ao futuro.
Iza: "Ner. Bom saber que chegaram a horas."
Diz muito covincentemente de forma normal ao mesmo tempo que se vira para trás. E, mal o faz, vê precisamente o que esperava.
Ner: "Já devias saber que nunca nos atrasamos para invasões. Ainda por cima quando estamos sedentos por uma depois de 2 anos."
E lá estavam. Logo o que esperava Ner. Jamis. Jop. Wedge. Todos os seus subordinado ali reunidos. Todos eles armados para a batalha. No meio do beco que estava a uns passos de se tornar escuro como o breu.
Os seus subordinados estavam todos ali encaixados num espaço pouco amplo. Estavam amontoados, uns atrás dos outros para ali enfiados deixando um homem destacar-se à frente no meio do escuro: o vice-capitão 
O que vale são as suas vozes e os postes de luz que se encontram ao longe e que, ainda assim, ajudam na iluminação. Isso é o que permite a Iza ter a certeza que aqueles 15 homens são os seus soldados para esta batalha...para esta noite.
Ner: "Penso que já tivemos tempo mais do que suficiente para nos prepararmos como deves ter notados pelo armamento."
Comenta para deixar claro a preparação dele e dos seus homens. Isso e para ao mesmo tempo se gabar da marreta que trouxe e que tanto adora.
Realmente. O comentário não é nem um pouco descabido. Porque CADA elemento estava armado. Cada um com a sua arma diferenciada e que combinava com a pessoa que é e o seu estilo de luta favorito.
Ner tinha a sua marreta. Essa que já se tinha tornado imagem de marca dele de tanto que a usava em combate. Em tempos mais prosperidade ele até era bem temido, mas isso era antes.
Jop continua com a mania dos punhais. Pessoalmente teria escolhido outra coisa, mas o Jop é que sabe. Parece é que não aprendeu nada. Depois quando perder não venha reclamar. 
Jamis leva um machete surpreendentemente. Uma escolha pouco habitual que não vê há muito. É claro que nâo está neste mundo há muito, mas está há suficiente para saber que ele carrega uma arma pouco utilizada. Não é mau, apenas curioso.
E Wedge com...a clássica faca. Arma que carregava sempre, sendo incapaz de esconder a sua admiração por Iza. Algo que...ele nunca compreendeu. Nem agora consegue compreender.
É uma característica...
...bem esquisita dele.
Uma que...
...
...intriga Iza...
...que agora se questiona a si próprio...
...e as suas capacidades...
...
...
...e por isso não consegue entender...
...
...como é que alguém o pode admirar?
Ele que para além de um assassino...
...ladrão... 
...também é...
...um fracasso para todos.
Ner: "E então, Iza?"
Iza: "..."
Surpreendido pela voz do seu companheiro ele não se deixa levar pelos pensamentos outra vez. Mantém-se focado na realidade e responde o que eles querem ouvir:
Iza: "Sim, parece-me que estão prontos."
Fala instintivamente para os deixar contentes enquanto tenta se focar na realidade cruel que terá de enfrentar.
Ner: "Excelente. Assim sendo acho que já podemos ir fazendo os últimos retoques às armas e averiguar o cenário. Tu sabes, apenas para garantir que não vão haver surpresas."
Diz entusiasticamente e sem insurgências ou discórdia vinda dos outros. Como se esta fosse a primeira vez em que todos estivessem determinados a seguir o líder, a seguir Iza...
Algo que ele até estranha...tendo em conta o que Ner lhe tinha dito ontem...
Iza: "..." 
Ner: "Por isso...a não ser que tenhas algo a dizer, acho que vamos adiantando trabalho."
Sugere estando a ver que o capitão anda muito calado. Parecendo até que estivesse a pensar em coisas terríveis. Talvez até seja aquilo que esteve a falar consigo.
É compreensível. O próprio Ner já esteve no seu lugar. Gareth também. É simplesmente algo que terá de aceitar. E por isso não é bom julgá-lo ou pressioná-lo.
Iza: "Se tenho algo a dizer..."
Murmura para si mesmo ao tentar processar tudo. Ao tentar processar uma simples pergunta que invade a sua cabeça em meado a tantos pensamentos suícidas e...depressivos.
Iza: "Bem...acho que não tenho nada a acrescentar. Apenas vos desejo um bom trabalho. E que nos encontremos na zona da entrada às 20 horas. Tal como planeado."
Ner: "Ok. Parece-me bem. E vocês rapazes?" 
Jamis: "Sim, entendido."
Wedge: "Sem problemas."
Jop: "Acho que não está mau."
Furter: "Bem."
Os restantes: "Entendido."
E como se fosse para confundir ainda mais Iza, ninguém se insurge. Ninguém se recusa a seguir as suas ordens, por muito que tenham sido horríveis. Mas...todos aceitam-nas. 
Dando a entender que estavam dispostos a segui-lo.
Talvez não até à morte...porém...acreditavam nele.
Ner: "Certo. Já que ninguém tem objeções, vamos andando rapazes! Mãos à obra!"
Todos os criminosos: "ENTENDIDO, VICE-CAPITÃO!"
Respondem em uníssono fromando quqse um grito de tão potente que eram todas as suas vozes juntas.
E desta forma, naquele beco sujo e tão escuro, naquela noite de lua cheia, todos aqueles seus subordinados, sem raiva aparente, se dispersam e vão fazer as suas tarefas.
Não importava a arma que levavam. Faca. Punhais. Pistola. Até machete. Todos se foram dali. Desordeiramente, mas sem se esmagarem. Foram todos para fora do beco. Todos seguiram a dua palavra.
Porque ninguém, mas é que ninguém lá ficou. Pouco a pouco. Pessoa a pessoa. Criminoso a criminoso, incluindo Ner. Eles todos saíram dali e foram para a rua.
Examinar o cenário. Ver se não correm riscos ao fazerem uma operação deste género nesta altura do dia onde todos já devem estar em casa a jantar. Todos menos eles que estão na rua para completar a tarefa deles. Para fazer esta invasão.
Na verdade...eu disse que todos tinham saído do beco.
O idiota do Jop saiu com as bandagens que fizeram Iza arrepender-se de ter levado aquela discussão demasiado longe.
Ner saiu de marreta na mão. Orgulhosamente e satisfeito por este dia ter chegado e pelo seu amigo, embora pareça triste, estar disposto a não voltar atrás com a sua palavra.
Jamis com aquela machete. Arma essa que provavelmente recebeu do Furter. Esse que tem uns contactos muito estranhos.
Por falar no Furter, viu-o a saie com uma pistola na mão. Ele e outros que tinham cuidado para não pressionar no gatilho.
Depois havia os das facas. Que as mantinham nos bolsos para não esfaquearem acidentalmente alguém ao sair dali. E...nesse grupo dos que levavam facas havia...
...
Wedge.
Wedge: "Hmm. Senhor capitão, posso falar consigo?"
É claro. Já devia estar à espera disto. Ficou tão ocupado a estranhar o porquê de todos seguirem as suas ordens, o porquê de estar neste lugar agora...que se esqueceu de prestar atenção ao que o rodeia.
Wedge: "Prometo não gastar muito do seu tempo. A sério, só uns minutos para discutir algo consigo."
Sendo novamente retirado dos seus questionamentos ele olha para o rapaz que timidamente segura numa faca. Dá-lhe um olhar mais calmo e acolhedor antes sequer de falar:
Iza: "Ah, claro. Não tem problema algum."
Wedge: "Boa. Então eu vou logo direto ao assunto."
Responde nervoso pela reação que o líder que tanto admira poderá ter à sua pergunta. Não quer que ele o leve a mal. Apenas está preocupado. É só isso.
Wedge: "Ok."
Fala em voz alta sem se aperceber. Quase que como um suspiro. Uma palavra que saiu para se mentalizar do que ia fazer. Uma palavra que nem se apercebeu que disse e que alertou Iza para a natureza da conversa.
Wedge: "Capitão, antes de mais quero pedir-lhe que não leve a mal o que lhe vou perguntar. Não é e nunca foi a minha intenção de todo."
Iza: "Huh, ok..."
Diz, estranhando toda aquela formalidade mesmo para alguém que o idolatra.
Wedge: "Tenho reparado que hoje tem andado diferente. Não que isso seja mal, só diferente. Na verdade, até acho que tem andado melhor. E, pelos vistos, não sou só eu. O Jamis também acha. O mesmo com o Ner e o Furter e o Guytr e o Aquio e o-"
Iza: "Certo. Podes apenas acelerar um pouco, por favor?"
Pede-lhe muito formalmente vendo que a narraçãp está a demorar muito. De novo, nada contra ele. O problema é que tem outras coisas que fazer e em que pensar. E talvez também não esteja habituado a ter alguém que o idolatra.
Porém o pedido não saiu rude. Wedge interpretou como um sinal de que estava a demorar muito. Erro seu. Preocupou-se demasiado em não fazer o capitão odiá-lo que se esqueceu de passar a mensagem.
Engolindo as próprias palavras ele rapidamente formula um resposta que seja mais direta ao ponto. O soldado fecha a boca por um bocado e pensa nos riscos que pode estar a correr, antes de lhe contar.
E...bem...levando pela natureza de como ele fala...o risco não pode ser muito. O Iza chegou a ser bem educado mesmo quando o interrompeu. Isso mostra o seu respeito mais do que tudo. Isso mostra que...não deve ter nada a temer.
Iza: "..."
É. Não vale a pena ter medo. Nada de mal lhe pode acontecer. Estas especulações são só problemas criados pela sua cabeça. São coisas que deve ignorar para sequer sair daqui. Por isso ele deixa de ter medo. E abre a boca para falar com o líder.
Para contar o que o preocupa.
Wedge: "Chefe...eu...olhando para si...desde que aqui cheguei...não pude deixar de reparar na sua postura e cara."
Iza: "O quê? Estou assim com tão mau ar?"
Pergunta numa tentativa de húmor que não funciona. Pela forma como olha para a cara de Wedge percebe isso e volta a estar sério, com esta realização que nada o pode salvar disto.
Wedge: "Nem eu sei como explicar exatamente. É como se um instinto meu me dissesse que algo está bem e...sendo que eu me preocupo consigo...sinto-me no direito de lhe perguntar:"
Ele fica de olhar mais acerrado e segura com mais força na faca.
Wedge: "Passa-se algo de mal consigo?"
Iza: "..."
Disto é que não estava à espera.
Sabia que de lá viri algo a sério. Deste género. A surpresa veio ao saber que seria algo tão pessoal. Vindo de alguém que parecia tão...tonto.
Mas agora percebe que apenas o esteve a menosprezar durante este tempo todo.
Iza: "..."
Wedge: "Huh, se for demasiado pessoal não precisa de responder."
Retorquiu ao ver aquela cara estranha do seu líder e sentindo o silêncio cortante.
Iza: "..."
Wedge: "É Isto também é só uma suspeita. Posso estar aqui a criar teorias mirabulantes para nada."
Iza: "..."
Wedge: "Pois é. Eu é que posso estar maluco."
Iza: "..."
Wedge: "Posso ser só eu. Só eu a ser um idiota. Só isso."
Iza: "..."
Wedge: "Sim. Uma idiotice minha."
Iza: "..."
Wedge: "..."
Iza: "..."
Wedge: "Capitão, acho melhor deixar para lá-"
Iza: "Não. Não tem nada de mal. Não precisas de te preocupar. Está tudo bem."
Responde o capitão depois de um silêncio de cortar à faca. Tranquiliza o seu subordinado numa voz que não transparece muita confiança. Que dá a entender que não está nada bem.
O silêncio já tinha deixado isso claro. Deixou claro a sua incerteza quanto ao que dizer. O como não esperava algo do género. Inclusive como ele não esperava que alguém estivesse tão preocupado consigo.
Mas...embora isto tenha claramente sido dito para calar o seu subordinado, para o deixar mais calmo e a sua voz diga precisamente o contrário...Wedge...acredita.
Wedge: "Oh. Boa. Que bom. É que já tinha começado a ficar preocupado. Mas ainda bem que não era nada demais."
Diz aliviado não conseguindo segurar a felicidade que solta de forma constrangedora por receio nãosee julgado. No entanto, essas suas preocupações chegam a desaparecer em momentos como estes.
Iza: "Pois. Ainda bem."
Fala da boca fora. Sem acreditar no que diz. Mais para não deixar Wedge pendurado sem resposta porque o seu líder estava demasiado ocupado a ter uma crise existencial.
Demasiado ocupado a perguntar-se a si próprio o porquê.
O porquê de ter de matar o seu amigo.
O porquê de ter aceite a proposta do seu pai.
O porquê de sequer estar a seguir o passado, mas...
...
...acima de tudo, agora que está perante Wedge...
...
o porquê de alguém conseguir admirá-lo.
Ou sequer como algo desse género pode acontecer.
...
Como é que algo assim tâo inconcebível pode tee acontecido.
...
Iza: "Ei, Wedge. Também tenho uma pergunta para ti."
Ele é logo direto ao ponto. Talez tenha sido demasiado agressivo, todavia, sempre conseguiu ser claro.
Wedge estranha a súbita mudança de tom. Ficou tão sério do nada. Como se algo na cabeça de Iza tivesse acontecido e Wedge apenas foi o catalisador. 
Wedge: "P-Pergunta? Ok..."
Diz sem entender o que ele pretende. Não entendendo o que aconteveu para ele ter ficado melancólico como agora.
E Wedge nem percebeu que tinha dado permissão para Iza lhe fazer a pergunta. 
Sem hesitar.
Sem medo.
Apenas com esta confusão na sua cabeça. 
O capitão pergunta ao seu subordinado:

Iza: "Porque é que te preocupas comigo, Wedge?"

Wedge: "..."
O rapaz de faca tem logo a resposta na ponta de língua. Queria era gritar-lhe por ele não saber logo o porquê. Contudo contém-se para não bater no líder e pessoa que idolatra.
Wedge: "O porquê..."
Murmura numa tentativa de se acalmar. De gelara a cabeça para tocar mais nos seus sentimentos. Esses que o guiarão a uma boa resposta. A resposta mais genuína e acertada.
Iza permanece a olhar para ele. Também se encontrando de facana mão. Esperando que o próprio soldado lhe dê a resposta. Lhe dê motivação para fazer a escolha que o seu pai queria. 
Para...
...matar...
...um amigo seu.
Só isso que quer. É isso o que pretende com esta pergunta tão súbita enquanto os outros trabalham para garantir o sucesso da missão. Ele apenas quer motivação para seguir em frente depois de tudo o que fez. 
Quer ter a certeza que faz a decisão certa capaz de satisfazer o seu pai e a si.
Mas...isso fica cada vez mais improvável.
E Iza cada vez mais incerto quanto à sua capacidade para selecionar uma das opções.
...
E o seu futuro...
...cada...
...vez...
...mais...
...incerto.
Iza: "..."
Wedge: "Eu...nem sempre fui assim. Ando com o Jamis há algum tempo, por isso pode perguntar-lhe e ele também lhe dirá que, há uns meses atrás, não passávamos de uns desempregados. Dois amigos desde a época das aulas com um rumo quase igual na vida. Dois idiotas que cometeram os mesmo erros."
O rapaz que segura na faca com força começa a contar a história depois de ter achado este o momento certo.
Wedge: "Eramos ninguém. Não tínhamos nada. Não queríamos nada. Nós eramos...nada. Só pessoas cuja ambição tinha desaparecido. Dois falhados que nunca tiveram as melhores notas na escolas. Pessoas que não se esforçaram por preguiça e que andavam agora a sofrer as consequências por isso."
A faca é segurada com ainda mais força só por Wedge ser relembrado daqueles tempos difíceis. Num destes poucos momentos onde ele deixa as suas emoções vencerem. 
Wedge: "O resultado dos nossos desleixos foi uma vida terrível. Onde até os nossos pais se arrependeram de nos ter como filhos. Dormíamos nas casas deles, mas nada fizemos para merecer lá estar. E se fores uma criança isso não tem mal algum. Porém nós já tínhamos mais do que 18 anos. Devíamos ter cabecinha. E...não tivemos inteligência, tenho de admitir. Tornámo-nos adultos forçados a apanhar lixo para nos cuidarmos, pois os nosos próprios pais já se recusavam a dar-nos dinheiro."
Iza encosta-se à parede suja onde ficou a refletir. Isso enquanto continua a ouvir a história que o passa a intrigar e espera ter a resposta. Wedge repara neste ato e vê como um reforço para continuar:
Wedge: "Logo, nós passámos a encontrar-nos às 22 horas para ir ter de apanhar lixo pelos bairros a fora. Acabávamos o trabalho bem de madrugada e passávamos a manhã e parte da tarde a dormir para recuperar as energias para o próximo turno. Eram dias deprimentes. Dias onde apenas tínhamos umas poucas horas para aproveitar antes de voltar ao trabalho. Era uma carga horária que mais parecia uma escola e como disse, isso era algo que odiávamos por dar muito trabalho. Mas ainda assim...nós esforçávamo-nos. Queríamos tentar ser alguém melhor paranos redimirmos pelo mau caminho que tomámos. No entanto...por muito que tentássemos...não parecia que estávamos a progredir com aqueles trocos miseráveis. Quase como se, por muito que nós quiséssemos...o mundo não queria."
Ele pausa um pocuo tendo chegado a este ponto. Para por instantes antes de chegar a este ponto de virada da história. Um ato que querendo ou não fez Iza ouvir com mais cuidado o que estava por vir.
Então, Wedge retoma a narração:
Wedge: "Queríamos procurar uma vida nova. queríamos ganhar dinheiro à grande. Já não queríamos apenas deixar os nossos pais orgulhosos. Nós já só queríamos...poder. Poder monetário para liderarmos as nossas próprias vidas sem precisarmos de depender dos nossos pais que, embora não se conhecessem, tinham comportamentos tão semelhantes. Ambos nos pressionaram a levar esta vida indiretamente. Mas...gosto de acreditar que foi o destino que nos fez encontrar o Ner naquela noite."
Iza: "..."
Wedge: "Estávamos a esvaziar os caixotes do lixo de um certo bairro para o camião. Eu conduzia. O Jamis tratava dos caixotes. Sempre foi assim. Mesmo quando passávamos em bairros perigosos que não era o caso daquele. Pois aquele bairro era supostamente o mais seguro. Nunca ouvíamos relatos de assaltos. Na realidade, ninguém saía de casa mal a lua se punha no céu escuro da noite. E nós sentíamo-nos sempre tranquilos ali. Fazíamos o trabalho sem precisar de nos preocupar em proteger as nossas próprias vidas. Sempre que passávamos por ali ficávamos neste estado de espírito calmo por saber que nada de mal iria acontecer e, naquela noite, não era diferente. Bem...não era diferente a princípio."
Iza: "Estou a ver..."
Comenta sem sequer acabar a frase, demonstrando a sua total cativação pela história contada. Tudo para entender o psicológico daquele rapaz e perceber o porquê da obsessão dele consigo.
Já Wedge apenas fica feliz por ver que o líder ainda não adormeceu. Especialmente porque esta é a melhor parte e está prestes a chegar ao ponto. Iza não se vai arrepender...
Wedge: "E lá estávamos nós a esvaziar cada caixote."
Continua, sentindo-se mais calmo e relaxado.
Wedge: "Pouco a pouco. Caixote a caixote. Íamos cada vez mais nos aproximando do fim do bairro. Íamos cada vez mais nos aproximando do próximo bairro e consequentemente do fim do nosso percurso e turno. Tudo corria bem. Tudo estava excelente. Ninguém nas ruas. Apenas nós os dois a esvaziar aquelas caixas verde vómito das ruas. Mas...este clima não durou muito. Foi quase na saída daquele bairro para o próximo que vimos algo que considerávamos impossível dadas as circunstâncias e o que era considerado comum ali àquelas horas da noite: uma pessoa. Com meio pé no passeio e outro na estrada que parecia estar a pensar em algo. E ele era alto e encorpado. Tipo, muito musculado. Parecia um fisiculturista. Vestia-se com uma regata e andava com uma cara...meio amarga. Como se ele se tivesse despedido de um amigo que conhecia há muito. De um amigo que o deixou para ir para novos horizontes. Acho que sabes de quem falo."
Iza: "Sim, isso parece-me típico do Ner."
Wedge: "Agora que olho para trás vejo claramente as características dele, mas, na altura ele era um estranho qualquer. Um muito assustador para estar perdido nos seus próprios pensamentos. Mas eu e o Jamis tínhamos de fazer alguma coisa. Quer dizer, não me leves a mal, estávamos borrados, contudo o tipo estava ali quase a pedir para ser atropelado. Tínhamos de fazer algo senão ele ainda se ia magoar. Para além disso, ele nem tinha cara de mau. No máximo, seria um daqueles idiotas do ginásio que é arrogante. Na minha opinião e na opinião do Jamis, naquele momento, aquele gajo não nos parecia grande ameaça. Por isso decidimos parar o camião. O Jamis saiu da parte de trás. Eu saí do lugar do condutor e nós os dois fomos ter com ele. Chacoalhámo-lo todo, porque ele parecia demasiado afundado nas suas fantasias e acordámo-lo."
Iza: "..."
Wedge: "O Jamis deu-lhe uns avisos e disse que ele não deveria estar assim na rua para não se magoar. O homem acenou quase que para nos calarmos e pediu desculpas muito pacificamente. O Jamis ainda lhe disse mais uns avisos, chegando a parecer um daqueles professores chatos. Eram todas coisas muito genéricas, mas, de tudo isso, houve algo de importância que ele disse que fez o estranho arregalar os olhos e mudou o rumo das nossas vidas. Ele disse-lhe precisamente o seguinte: 'tem mais cuidado que aqui nós estamos a dar o nosso melhor para ganhar o pouco que nos dão'."
Iza: "..."
Wedge: "E penso que isso foi o suficiente para ele perceber que nós os dois estávamso na miséria. No lixo. E que faríamos de tudo para ganhar dinheiro suficiente para vivermos a vida que queríamos. E...isso era verdade. E...também foi o que ele precisava para entender que tinha ali encontrado uns bons candidatos para o seu grupo. Uns bons recrutas para a sua gangue. Foi o suficiente para ele nos ter feito o convite."
Quanto ao resto...
...é história.
Nem ele precisa de explicar mais para entender aonde isto vai dar. Wedge até se cala percebendo que conseguiu chegar aonde queria. Percebendo que disse o suficiente para Iza chegar à conclusão.
E ele apostou bem. O líder compreendeu bem o que aí vinha. Que para chegar até este preciso momento no tempo eles aceitaram a proposta. Jamis e Wedge. Juntos decidiram entrar neste mundo por uma vida melhor. 
Por uma vida melhor...
Sim, foi uma boa história. Não há que negar. Tudo o que ouviu era novidade. Costuma escutar pouco o que os outros têm a dizer. No entanto...embora tenha gostado e tenha sido um bom momento...houve algo que não ficou esclarecido...
Iza: "Certo, mas de que forma é que isso responde à minha pergunta?"
Pergunta apesar de a narração de Wedge ter sido intrigante e a história ter sido cativante. A pergunta ainda estava por responder. Ou isso era o que pensava...
O rapaz de faca olha para baixo por uns segundos. Preparando para se abrir para a pessoa que se admira. Dizendo algo que não diz a ninguém. Abrindo-se para ele de uma forma que não fez a ninguém. Para quando chegar a hora não gaguejar:
Wedge: "O que eu quero deixar claro é que esse convite do vice-capitão...se eu e o Jamis não estivéssemos naquele local...àquela hora do dia...se nos tivéssemos atrasado para o trabalho por um minuto que fosse...eu muito provavelmente não estaria aqui. Eu nunca o teria conhecido."
Diz ao mesmo tempo que levanta a sua cabeça para olhar para Iza de forma muito sentida. Esperando que ele entenda os seus sentimentos.
Wedge: "Eu talvez nunca tivesse encontrado um novo modo de vida. Talvez ainda estaria a viver co. a minha mãe e pai ao invés deste bando de foragidos. Talvez eu e o Jamis ainda continuássemos a trabalhar durante a noite a esvaziar os mesmos caixotes de sempre. Talvez eu ainda fosse um rapaz vazio e sem propósito, pois, ao menos, nessa realidade, eu não te teria encontrado. Eu nunca teria percebido o significado de seguir em frente apesar do mau caminho que escolhemos. Porque é isso o que tu fazes, Iza. É isso que aprendi ccontigo. Quer através do que ouvi vindo dos outros, do teu triste passado que eu lamento muito, ou através das tuas ações."
Iza: "..."
Wedge: "Já que...e espero não estar a dizer grande revelação...mas nem toda a gente o amou. Pelo que ouvi, um tal de Quill chegou a sair da gangue. Ele que é apenas um de muitos, infelizmente. No entanto, apesar disto tudo, apesar da oposição que teve desde que matou a sua amiga...o Iza sempre fez de tudo para seguir em frente. E nunca, mas NUNCA desistiu. Fez sempre o melhor com o que tinha. Manteve-se atento aos arredores e agora...parece que esse esforço está a compensar. Afinal, de momento, quase todos estão dispostos a segui-lo, a ouvirem as suas ordens para concluir esta invasão que francamente não deve ser muito perigosa. É claro que ainda guardam um certo rancor e não se esqueceram dos atos com que não concordaram. Porém, hoje, ao ver o seu novo comportamento, esta nova faísca sua, um novo modo de liderança que apareceu de súbito, ficaram com esperança. Eles...por momentos viram o seu antigo líder ali. Dentro de si, capitão. Da mesma forma que eu vi em si uma razão para continuar a caminhar em direção ao futuro."
Iza: "..."
...
Uau.
Iza nem sabe o que dizer.
É capaz de ser a primeira vez que ouve uma confissão assim do género. Muito sentida. Genuína. Vinda diretamente do coração de alguém que o admira.
Mas...não foi só uma confissão. Foi também uma forma de lhe abrir os olhos. De o fazer perceber que os seus subordinados estão dispostos a segui-lo. Graças aos atos de hoje. Aos atos estranhos de hoje.
Isso foi algo que nunca teria notado. Se não fosse por ele. Se não fosse por Wedge. Ele é a única pessoa a quem tem de agradecer. Por este momento e...
...
...por lhe ter dado a resposta que precisava.

Por lhe abrir os olhos para fazer ver a sua importância.

Por lhe ensinar como ele tem impactado as vidas de outros sem se aperceber.

Por tê-lo feito entender que não pode desistir agora que todos contam consigo para fazer o que deve...incluindo o seu pai.

Por agora ter uma ideia mais clara do que fezer.
 

Por lhe ter dado a motivação necessária.


Iza: "..."
Wedge: "Mas...acho que isso é só a minha visão dos acontecimentos. Não precisa de levar tudo assim tão a sério." 
Fala, envergonhado. Tendo só agora se apercebido que passou os últimos minutos a falar do quanto adora aquela pessoa diante de si.
Contudo, esta humildade sua apenas o estava a cegar. Apenas o estava a fazer não compreender como aquelas palavras foram importantes e necessárias.
Iza: "Não. Não precisas de te desculpar. Até te quero agradecer por estas palavras, Wedge."
O capitão fala parando a vergonha do soldado. 
O líder põe um sorriso no seu rosto, confundindo o subordinado por não saber a razão da felicidade. Mas, mal Iza abre a boca...tudo fica claro. O mistério transforma-se em fonte de regozijo:
Iza: "Eu admito que até precisava destas palavras. Por isso não precisas de ficar envergonhado. Alegra-te. Temos uma batalha pela frente. Não podemos perder a motivação."
Wedge suspira de alívio e felicidade. Sabendo que fez a sua parte. Sabendo que deve poupar esforços para o que ainda está por vir. Para esta invasão adiante onde todos se preparam.
Sorrindo de volta para o seu mestre ele promete guardar esta memória até o dia em que morrer. 
Antes de ir, no entanto, ele olha uma última vez para o capitão. Esboça bem o sorriso no rosto e, dando o primeiro passo, de faca na mão, para ir ter com os outros, despede-se da única forma que sabe:
Wedge: "Entendido. Prometo que vou dar o meu melhor."
E sem aviso ele vai fazer a sua parte. Junto com os seus colegas. Jamis. Jop. Ner. Todos que dão o melhor para encontrar o sucesso nesta noite. E Wedge acabou de se juntar a eles. Com a sua faca e a vontade de deixar o seu chefe orgulhoso.
...
Iza: "..."
Fica então ele sozinho. Outra vez sozinho no beco apenas com os seus sentimentos e faca na mão. Faca. Pensamentos. Uma decisão e um sorriso que agora desaparece na ausência de Wedge.
Pois agora que ele não está...
...Iza volta a estar melancólico...
...mas desta vez...
...
...desta vez tem algo que não tinha...
...algo para além de gratidão por aquele rapaz...
...
...tem uma arma muito mais poderosa do que uma faca...
...ou uma pistola...
...marreta, machete ou punhal...
...
...ele tem algo que falta a muito mas que agora conseguiu...
...
...
...
...agora ele tem a chave para a vitória...
...
...agora...
...
...
...
...ele tem determinação.

Damian apalpa o boslo do casaco uma última vez. Sente a pistola uma última vez. Uma última vez olha para a casa enquanto sentado no sofá.
Lembrando-se das memórias lá formadas. Memórias de tempos mais felizes. Quando Maria ainda estava viva. Quando ainda podia sorrir. Quando Jeff ainda podia sorrir.
Quando era mais feliz.
...
Contudo...não se pode colar ao passado.
...
Sabe disso. Sempre soube. Nunca quis admitir esse seu erro. Mascarou-o por tempos com palavras contraditórias. Fingiu ser algo que não é por muito tempo.
Tempo demais até.
...
A hora está a chegar. Não há nada que o vá ajudar agora. Nada nem ninguém. 
O seu filho está lá em cima.
A sua mulher morta. 
E o seu melhor amigo...pronto a matá-lo.
Só pode contar nele próprio para sobreviver nesta noite de lua cheia.
Nesta noite onde está a ser orbigado a fazer uma decisão.

Jeff chega ao andar de cima. 
Dá mais uns passos para a frente e chega à frente do seu quarto. Encontra-se diante da porta do quarto. A entrada para o combate da sua vida.
Jeff: "..."
Não há tempo a perder. Este momento estava a ser preparado há muito. Estava destinado a acontecer há muito. Este momento...esta noite...representa a acumulação de um ano de trauma e horror.
A sua tarefa em mãos é sobreviver. Usar o ambiente a seu favor para manter o monstro no seu lugar o máximo possível. Terá de usar tudo. Mesmo a luz que parece estar a perder o seu efeito. 
Tudo vale para a sobrevivência nesta noite de hoje. 
Desde que sobreviva...
...
...tudo conta.
E tendo em conta tudo o que sabe...
...
...toda a informação acumulada nestes anos a ter de aturar este Vírus...
...
...depois de um ano inteiro quase sem conseguir dormir...
...
...a fazer anotações no seu caderno com medo da próxima noite ser a última...
...
...há apenas uma coisa que lhe vem à cabeça...
...
...uma única estratégia...
...
...uma única forma de sobreviver à noite de hoje...
...
...e é aguentar.
...
Aguentar a noite até o sol nascer. 
Vencer a lua cheia para chegar o amanhecer. Sobreviver por horas até chegar o sol. 
Tudo só para garantir que sobreviverá para viver mais um dia...
...
Que sobreviverá para morrer noutro dia.

Iza está ciente da escolha em mãos.
Uma última.vez ele olha para a faca na sua mão. Uma última vez ele pondera para decidir se aquilo é mesmo o que quer. Se será mesmo capaz de o fazer.
Afinal, independentemente do que fará...
...
...nesta noite...
...alguém será decepcionado. 
...
Irá falhar sempre a um lado de si próprio.
...
A decisão resume-se a decidir qual desses lados será.
...
...
...  

Será Maria e Damian e o laço inquebrável que formaram ao longo desses anos?

...
...
...

Ou será Gareth e a gangue que agora começa a depositar a sua confiança em si?

...
...
...

Decepcionar Damian e Maria.

...
...
...

Ou decepcionar o seu pai e os seus subordinados.

...
...
...

Damian.
Maria.

...
...
...

Gareth.
A gangue sem nome.

...
...
...

Amigos.

...
...
...

Pai e soldados.

...
...
...
...
...
...
...

O que será?

Damian também tira a sua arma para fazer a sua decisão. Do bolso de dentro do casaco saca a pistola. A arma comprada de um vendedor com uma conexão ao mundo do sobrenatural, um mundo em que só começou a acreditar hoje. 
Ele leva a arma ao nível da sua bartiga e olha para ela. Para a pistola que quase usuou ontem num momento onde tinha superado o passado. Um mo.ento onde tinha todas as intenções para fazer o necessário para proteger o seu filho e os que amava. 
...
...
...
Mesmo que...
...para isso...
...fosse necessário até mesmo...
...
...
...
...matar.
Damian: "..."
Matar.
Será que conseguirá fazê-lo?
Conseguirá proteger o seu filho mesmo que isso signifique quebrar a promessa feita com a sua mulher em silêncio naquele dia?
Será possível agradar os dois?
...
...
...
Será possível agradar os dois...
Claro que não.
...
Gosta de acreditar nessa ilusão, mas...
...é só isso:
uma ilusão.
...
Ele nem consegue compreender o seu filho.
...
Não o consegue alcançar.
...
Está...
...sozinho.
...
E o que lhe resta...
...
...
...
...é esta pistola.
Esta decisão.
O seu mundo resume-se a isso.
À pistola e a esta decisão.

O mundo de Iza resume-se a isto.
Àquela faca e a esta decisão.

O mundo de Jeff resume-se a isto.
Ao Vírus e à sua capacidade de o enfrentar.
A capacidade sobreviver esta noite toda.
Jeff: "..."

Damian: "..."

Iza: "..."

Cada um dos três terá de se decidir agora.

Debaixo da lua cheia tão presente na vida de todos.

Este símbolo do que está por vir.

O presságio de acontecimentos marcantes.

Acontecimentos traumáticos.

Ironicamente ela terá de ser o guia deles.

O guia desta noite.

Um observador das suas decisões.

Quer sejam elas boas ou más.

Damian: "..."
Pois ele está incerto.

Iza: "..."
Ele está incerto.

Jeff: "..."
E ele...
...mais do que incerto...
...está com...
...
...medo.

...

...
 

...

Mas...a vida é assim, não é?

Incerta.

Repleta de perigos.

Um espaço onde a nossa resposta natural para esses perigos vem na forma do...
...medo.

Este sentimento tão presente nas nassas vidas.

Quer quando temos de nos confessar a quem amamos.

Quer quando descobrimos o nosso pai está à beira da morte.

Quer quando enfrentamos uma criatura do nosso passado.

Ou...

...

...quando temos de decidir entre o passado e o presente...

...vida e a morte...

continuar ou...desistir.


Por isso...mesmo tendo este sentimento tão presente na nossa vida...

Porque é que ainda sentimos medo? 

Porque é que ainda temos medo de seguir em frente?

Damian: "..."

Iza: "..."

Jeff: "..."

Inclusive nestes momentos esse tipo de sentimentos pessimistas reinam. 

Contudo...isso não é o suficiente para nos parar.

Nunca foi o suficiente para nos parar e não deve ser agora.

Não é tarde demais para parar de ter medo.

Não é tarde demais para superara o passado.

Não é tarde demais para decidir.

Nunca foi tarde demais para ser quem queremos.

Só é tarde quando olhamos para trás e vemos que a oportunidade...

...

...se foi.

...Tal como a brisa do vento...

Damian: "..."

Iza: "..."

Jeff: "..."

Por isso não há que paralisar.

Não devemos nos sentir perdidos.

Porque não os estamos.

Nunca estivemos.

E nunca estaremos por muitas pessoas que tenham morrido.

Enquanto estivermos vivos...as pessoas que se foram continuarão vivas. Entre nós. Nos nossos corações.

O caminho até lá pode ser complicado, mas...

...assim que lá chegarmos...

...

...conseguimos a paz eterna.

Damian: "..."

Iza: "..."

Jeff: "..."

...

...

...

Mas esta última parte talvez seja demais para eles.

Sei que para os humanos é difícil aceitar isso.

Mas também sei que estes três estão prestes a compreender isso nesta noite.

Da mesma forma que agora entendem que...

...por muito que a situação esteja desesperadora...

...

...

...

...

...

...

...

...eles têm de seguir em frente.

Iza: "..."

Damian: "..."

Jeff: "..."

Demorou, contudo...eles lá chegaram.

Iza chegou lá ao olhar para a faca.

Damian chegou lá ao olhar para a pistola.

E Jeff ao olhar para a porta.

...

Então, Iza volta a pôr a faca no bolso. 

Damian segura na pistola com mais força descobrindo uma nova determinação.

Jeff respira fundo antes de ir para a luta.

Todos se decidem de uma vez por todas.

Têm a resposta e ela é: 

Damian levanta-se do sofá com a pistola.

Iza dá um passo para a frente e dirige-se para os seus companheiros.

Jeff acalma-se e abre a porta para entrar na arena.

"Seguir em frente."