JF-25 "O Fogo"

Apelido dado: O Fogo.
Idade: ----
Aparência: Pode ser descrito como uma estátua de pedra com forma humanoide. Ainda assim, a estrutura da figura retratada na estátua é a de uma criatura parecida a um demónio com chifres na sua cabeça, várias protuberâncias pontiagudas parecidas com espinhos a permearem os seus braços e coxas e quatro dedos nos seus pés. Nos seus dedos rochosos, encontra-se uma corrente aparentemente colada à palma da sua mão direita cerrada em si. Para além disso, tecidos vermelhos envolvem os seus olhos e os seus genitais, o primeiro servindo de venda e o último servindo de malha à volta da sua cintura. A sua figura como um todo encontra-se hirta com a boca semi-aberta, exibindo os seus dentes que mais parecem serras e de pés assentes sobre uma placa sólida de rocha da mesma qualidade que o resto do corpo.
Altura: 2 metros e 43 centímetros.
Regime alimentar: ----
Contenção: Efetuada.
Cela de contenção: Preso num compartimento cúbico revestido por fibra carbono em todas as suas faces da superfície exceto numa face constituída por vidro à prova de bala que permite a observação de quem se encontra no exterior. Nesta mesma face, encontra-se uma porta móvel de metal que poderá ser aberta uma vez inserido o código especial e um cartão de identificação de utente no painel localizado na área da maçaneta.
Vítimas passadas: ----
Habilidades: Nenhuma habilidade fora do comum.
Fraquezas: Qualquer tipo de dano físico capaz de danificar substâncias rochosas (por muito que, neste caso específico, tal não seja aconselhado).
Classe:
Set aproximou-se sorrateiramente do homem de costas viradas para si e, encostando-lhe a pistola à nuca, perguntou:
Set: "É assim que te planeias juntar ao grupo do Zeke Ekez?"
O homem tremeu duas vezes. A primeira mal sentiu o toque da arma junto da sua pele. A segunda quando ouviu a voz da pessoa com o dedo no gatilho.
Tremeria uma terceira vez, caso não tivesse reconhecido de quem se tratava.
Yaib: "Foda-se, Set! Para de agir feito um idiota!"
Set baixou a arma, rindo-se enquanto o seu colega tornava de modo a encará-lo com uma cara completamente agacaçada, diga-se de passagem.
Set: "Tem calma, eu tinha a mão bem longe do gatilho. Era só uma piada."
Acrescentou, no meio de uma onda de risos, pondo a sua Glock 19X metálica e translúcida na secção das suas costas, enfiada entre as suas calças de ganga e os seus boxers.
Yaib: "Isso não importa! Se não morria com uma bala nos cornos morria com um ataque cardíaco seu idiota! E não me venhas com essa desculpa do 'só uma piada'! Como se isso fosse me salvar a vida! Na verdade, deixa-me que te diga que vi muitas piadas tão senão mais pesadas que esta e deixa-me dizer-te: nenhuma, nenhuma alguma, mas nenhuma mesmo acabou com uma vida salva! Havia sempre uma vítima!"
A cara do homem branco tornava-se vermelha ao ponto de parecer um tomate. O que, para ser sincero, deixava as coisas ainda mais engraçadas. Até porque Yaib era um homem alto, magro, mas com um aspeto capaz de assustar alguém apenas com a sua altura. O contraste deixava tudo ainda melhor quando somado aos insultos estapafúrdios que ele ainda lhe atirava à cara.
Porém, para ser justo, para além do choque do susto, o clima em que se encontrava não deve ter ajudado. Este beco escuro, sujo, com ratos a vaguear por debaixo dos seus pés é suficiente para deixar qualquer um desconfortável. Até um criminoso que praticamente vive nas sombras não é capaz de se acostumar a estes ambientes pouco convidativos e bastante fechados com uma saída e uma entrada em duas pontas opostas daquele retângulo estreito.
Yaib: "Abécula! Desgraçado! Asno! Idiota! Filho da..."
Bem, é uma questão de tempo até ele perder o fólego. Uma questão de tempo até deixar de haver piada. Uma questão de tempo até irem diretos ao ponto.
Yaib: "Terrível! Ruim! Cabr-"
Set: "Ei, já foste falar com o Quill?"
Os lábios de Yaib cerrram-se numa linha.
Set: "Ele está aí?"
Yaib: "Ah, não, sim, ele está. Está aí, aí algures. Mas até me surpreendo em quereres vê-lo. Para dizer a verdade, surpreende-me que qualquer pessoa na história do mundo queira ver aquele pretensioso de duas patas."
Respondeu, recompondo-se da rajada de fúria de que vinha. Ele voltava a si mesmo, uma vez com a brincadeira de Set posta à parte.
Set: "Foste falar com ele?"
Yaib: "Er, sim, sim. Fui e agradeci-lhe, por acaso."
Afirmou, inclinando a cabeça como um cão à espera da sua recompensa após ter se comportado bem. Mesmo com assuntos sérios, Yaib não conseguia pôr os seus sentimentalismos de parte.
Set acenou afirmativamente com a cabeça, agradecendo aquela criatura na sua busca incessante por aprovação.
A criatura lá continuou:
Set: "Ok e mais alguma coisa?"
Yaib: "Disse-lhe que estavas atrasado, mas que estavas a caminho. A tratar de assuntos importantes. Que por falar neles..."
Set: "Estão tratados. Fiz uma transferência ao Hugo ou pelo menos à conta que o Hugo me pediu para transferir. Sinceramente também não entendi muito bem. Aqueles franceses tinham um sotaque mesmo forte."
Yaib: "Insulta-os à vontade, mas, no fim do dia, são eles uma das Cinco Grandes Famílias. Estão BEM melhores do que nós e continuarão a estar, mesmo se isto correr bem."
Set resfolgou.
Set: "Logo, não podíamos ter pedido armas a um grupo melhor mesmo se quiséssemos."
Ele passou por Yaib, passando-lhe a mão pelo ombro no caminho. Quando ia já adiante, disse-lhe sem tirar os olhos da saída do beco adiante.
Set: "Está mais do que na hora de ir dar uma palavrinha ao estúpudo do Quill também, por muito que me custe admitir. Assegura-te que os nossos homens estão preparados. Isso também te inclui a ti. Não te quero voltar a ver a ser surpreendido ou sem uma arma em prontidão. Tens de ter sempre uma arma à mão. E nada de facas, que mais do que sabes que detesto!"
Set saiu do estreito corredor que o restringiam a si e ao seu vice-capitão. Uns segundos antes disso ainda chegou a ouvir algumas últimas reclamações de Yaib:
Yaib: "Ora seu..."
Fora daquele espaço francamente claustrofóbico, Set deu de caras com a noite limpa no céu. Claro, estava de noite. Naquele beco, os prédios estavam tão juntos que mal dava para ver o céu e aperceber-se desse facto.
A rua estava vazia. Na estrada, restavam apenas marcas de pneus deixadas no alcatrão. Nada de barulhos, nada de algazarras. Como deve ser. Quando se praticam atividades ilegais como a que vão realizar, o ideal é agir nas sombras.
Set tinha a sorte de saber onde os outros estariam. Isto se eles estivessem a seguir o plano.
O capitão virou-se para a fachada do prédio à sua direita. Uma loja de massagens com pôsteres e cartazes a apelar aos cidadãos para votarem no próximo fim-de-semana. Iriam eleger o próximo mayor de Nova Iorque. Interessante. Só agora é que Set se apercebeu que vive ali, contudo não sabe nada relativamente ao clima político da zona.
Set aproveitou a reflexão para se pôr apresentável.
Nem gastou tempo a contemplar a sua figura. A certificar-se que a franja do seu cabelo loiro não lhe obstruía os olhos. Ou que a sua camisa branca não contrastava muito com a sua pele naturalmente escura. Não, isso já tinha visto. Ele apenas deu um jeitinho no cabelo, no colarinho e cruzou a estrada sem olhar para os lados.
Aquela era uma área comercial com edifícios e lojas aos montes. O facto de estarem fechadas tornava aquela zona deserta à noite, uma vez que coincidia com a altura em que todos sabiam que os estabelecimentos comerciais estavam fechados. Assim sendo não tinham nada para ir fazer. Nada para os atrair até ali.
E isso tornava-o o melhor local para um assalto.
Depois de sair de um beco, entrou noutro beco. Este que estava do outro lado da rua.
A entrada era escura. Faziam os seus pelos do braço se levantarem. Quase que faziam Set sacar do raio da pistola novamente com tamanha apreensão. No entanto, confiando nos conselhos de Yaib e, acima de tudo, na sua experiência, ele seguiu de ombros erguidos. E em pouco tempo os seus olhos habituaram-se à escuridão. Ou era isso o que queria acreditar para aumentar a sua gloriosidade, pois, na verdade, as luzes das lanternas dos seus subordinados é que estavam a fazer todo o trabalho.
Set parou diante deles, observando-os a carregar as armas. A trocar as balas uns com os outros enquanto sentados naquele chão em que nem queria imaginar aquilo pelo qual tinha passado. Acha que o preservativo usado do lado do caixote do lixo onde um dos seus se encontra encostado a iluminar o cenário para todos com uma lanterna na mão é suficiente.
Alguns saudaram-no à medida que o iam avistando. Pouco a pouco a dúzia de pessoas naquele estreito corredor já tinham avistado o seu líder com toda a devida cortesia que merecia sem prejudicar o trabalho que levavam a cabo dligentemente. Tal incluía a preparação do armamento e, claro, a estrela de tudo: a tira de espigão.
Set: "Vejo que está tudo encaminhado!"
Falou, dirigindo-se a todos os presentes. A maioria levantou a cabeça, parando as suas funções que vinham a executar com a afinco apenas por alguns momentos. Também não parecia que ouvir o líder deles fosse terrível, já que encaravam-no de sorriso na cara e com os risos quase a escaparem-lhes da boca.
Set: "Continuem assim! Se fiz bem as contas faltam uns 5 minutos para o camião chegar."
Voz de um subordinado: "Na verdade, faltam 4."
Set apontou o dedo na direção da pessoa que falou de ânimo leve. Uma mulher de boné que se encontrava a manejar a tira juntamente com mais um pessoal a ajudar.
Set: "Boa! E é por isso que preciso de vocês! Porque cada um me ajuda e preenche as lacunas que me faltam."
Ele girou o braço em torno de si, apontando o dedo a todos os seus subordinados naquele beco.
Set: "Ouviram? Cada um de vocês vai me ajudar a roubar este camião! E, com sorte..."
Baixou o dedo e levou ambas as mãos à cintura.
Set: "Se tudo correr bem vamos subir de patamar. Vamos ter um novo começo! Um começo que vai trazer melhorias e previlégios a mim e a todos vocês, assim que passarmos a trabalhar sob uma das Cinco Grandes Famílias!"
Os seus subordinados entreolharam-se. Os seus olhares estavam satisfeitos. Corpo e mente em prontidão. Famintos para que esta espera acabasse, que este assalto começasse, que esta nova vida prometida chegasse.
E ela estava por vir. Tinham é de garantir que este assalto ficava bem feito.
Set: "Vamos fazer a nossa parte e assim garantimos que eles nos aceitam! Será é preciso mostrar o mínimo de falhas possível, quer agora quer no futuro quer para sempre!"
Voz em tom de troça: "Exato, tapar as nossas lacunas!"
Alguns se riram do comentário. Um clima pesado e leve ao mesmo tempo a polimerizar-se. A pressão estava sobre eles, contudo isso não significava que não podiam aliviar a tensão.
Set: "Sim, é isso, Alto."
Disse, a virar-se para o homem que tinha feito o comentário cómico, aquele sentado no chão repleto de garrafas de plástico a contar as balas que tinha na câmara do revólver.
Set: "Vamos tapar os nossos buracos. Todos eles! Porque existem idiotas que devem ter mais do que do que dois!"
Todos se riram. Até Alto. Pois deviam saber que melhor do que ter um líder sério, era ter um líder sério que sabia quando devia juntar-se aos seus subordinados na brincadeira.
Set: "Muito bem. Vamos lá aproveitar o tempo, pessoal!"
Muitos aplaudiram. Alguns ainda gritaram de entusiasmo. De uma forma ou de outra o veredito era claro e indicava dedicação ao momento por vir. Para que tudo corresse de acordo com o plano.
Set aproximou-se do grupo da mulher com o boné. Aqueles que trabalhavam de joelhos no material mais importante.
Set: "Tudo em ordem aqui?"
Mulher com o boné: "Sim. A espiga é de boa qualidade. Nota-se que não é antiga."
Comentou, sem levantar a cabeça da peça comprida que era gerida por diversos subordinados que inspecionavam secções diferentes.
Set: "Se bem me recordo, tu és a...Vegh?"
A mulher do boné anuiu com a cabeça.
Vegh: "Já tínhamos feito uns testes com ela em alguns veículos. Portou-se muito bem. E não se preocupe. Foi em zonas desertas. E tivemos especial cuidado de...bem, 'tratar' das pessoas que se encontravam dentro dos carros."
Set: "Digam-me só que não os mataram. Já sabem o que eu penso disso."
Vegh: "Não te preocupes. Não matámos ninguém. Sabemos as regras: se não for necessário, não é para matar."
Set: "Não queremos atrair atenção desnecessária. Já para não falar de como nos pode destruir. Acredito que queiras o sucesso. Toda a gente quer. Agora, não será por isso que deixaremos de ser humanos. Matar qualquer um e todos porque sim é imperdoável."
Vegh: "Anotado, capitão."
Retorquiu repleta de sinceridade e arrependimento.
Um pouco arriscado da parte deles. Set tinha especificamente avisado para não tomarem mais riscos agora que estavam a concorrer para trabalhar para uma família criminosa tão grande como a do Zeke Ekez. Mas essa reprimenda fica para uma próxima.
Vegh: "Os franceses têm sempre o melhor armamento, como sempre."
Set: "Por isso é que é sempre o mais caro. Só vendem do bom e do melhor. Acho que isso te explica também porque é que não podemos estar sempre a recorrer a eles para comprar o nosso arsenal. Ainda há bocado estive a fechar o negócio desta tira e quase me doía o coração a ver a quantidade de dinheiro que aqueles vampiros nos chuparam por isto."
Vegh: "Foi assim que se tornaram uma das Cinco Grandes Famílias. A criarem uma boa relação com o consumidor."
Disse, a inspencionar um dos picos de metal, aproximando a sua cara. Pontiagudo. Agonizante só de olhar.
Set estremeceu e virou a cara para longe daquela visão.
O que valeu é que a abstração o pôs de volta aos trilhos.
Set: "Ouve, viste o Quill por aí?"
Perguntou sem a encarar. Ao invés disso, focava-se num grupo de três homens a verificarem as armas uns dos outros.
Vegh: "Não, mas se vires o Yaib e se ele já se tiver certificado que a rua está vazia, pede-lhe que venha até aqui. Ele tem uma boa mira, então também deve conseguir perceber se estes parafusos estão atarrachados. Já para não falar que vamos precisar de ajuda a carregar isto."
Set: "Ouviste, Cerril? O teu vice-capitão está no beco do outro lado da rua. Vai buscá-lo, por favor."
Disse, referindo-se a um dos homens que viu estar a ajudar Vegh com a tira. Embora estivesse de olhos postos naqueles três homens, gostaria de ver a forma como ele devia ter saltado com a surpreendente menção do seu nome e a corrida frenética que se deve ter seguido até ao local indicado. O som dos passos certamente indicava que esse tinha sido o caso.
Set: "Pronto, então do Quill não se sabe nada. Não me digam que esse gajo decidiu imitar uma galinha e desistir ao último segundo-"
Quill: "Estou aqui, Set."
Aquela voz era inconfundível. Set tornou diante da sua origem, atrás de si, e...gostava que ele tivesse esperado uns minutos antes de ter chegado.
Set: "Quill. Olha, quem diria, mesmo quando estava à tua procura."
Disse, a forçar um sorriso e muito entusiasmo.
Quill: "Sim, eu percebi. Consegui ouvir a última parte do que falavas com a tua subordinada."
Falou, a disparar um olhar afiado para a mulher de joelhos além das costas de Set. Mesmo com óculos, aquele tipo conseguia ter uns olhos castanhos francamente ameaçadores. E tudo isto quando, na verdade, não era para ser ameaçador, já que Set tem a sorte de o ter do seu lado...não por muito.
Certamente curioso tendo em conta o aspeto profissional que ele fazia transparecer. Quer através do seu terno preto e gravata azul-escura, par de óculos com uma graduação que parecia estapafurdiamente cara, relógio de pulso prata e sapatos reluzentes. Quer também pelos quatro homens que se encontravam nas suas costas com os seus fatos e gravatas.
Um deles em particular parecia ser demasiado grande e largo para andar com um fato daqueles. O tecido devia estar a sofrer sem respirar nos músculos daquele brutamontes. É uma dedicação de admirar.
Set já tinha notado nisto, mas vê-los aqui ao pé permitiu-o confirmar a sua suspeita: os subordinados do Zeke devem ter um código de vestimenta qualquer.
Sinceramente, como Yaib diria: "puta de estranhos".
Quill: "Sendo assim, explica-me."
Set foi extraído de volta à conversa após a sua francamente desnecessária sessão íntima de admiração das vestimentas caras do homem diante de si.
Set: "Bem, eu queria vir falar contigo. Só isso. Nada a mais. Nada de muito mais, entendes?"
Quill: "Não entendo. Podes elaborar?"
Oh, "elaborar". Vejam-no a ele e às suas palavras caras. O que lhe vale é que está a ajudar. Claro, o facto de ele parecer todo ouvidos também serve o seu papel.
Set: "Ok. Eu posso. Era só para vos vir agradecer. É como eu disse: 'nada de muito mais'."
Esclareceu, a finalizar com um riso dissimulado que não penetrava nem um centímetro no humores de ferro dos homens engravatados.
Quill ignorou aquela tentiva fracassada de piada e respondeu, atencioso:
Quill: "Entendido. Nós também agradecemos que nos tenhas acolhido. Especialmente que tenhas aceite a nossa sugestão e, com ela, o nosso auxílio."
Set: "Exato. E agradecemos mesmo. Acreditem, porque com esta conversa já conjugámos o verbo agradecer por volta de umas três vezes. Se isto fossem três balas, alguém já estaria morto."
De novo, um silêncio constrangedor.
Set: "Enfim, er, presumo que tenham falado com o meu braço direito, o Yaib."
Quill: "Correto."
Set: "Ele disse-vos alguma coisa?"
Quill: "Não muito. Disse-nos que íamos fazer um assalto. Isso já sabíamos, aliás até o sabíamos antes dele. Em suma, ficámos na mesma."
Que idiota! O que é que lhe deu na cabeça para dizer às pessoas que lhes propuseram um assalto que iam realizar um assalto? Ainda por cima ao Quill, o gajo mais competente do lado deles e o que devia saber mais sobre assaltar um camião de transporte de um museu!
Set: "Er, sim, é capaz de ter feito isso. E eu peço-lhe desculpa. Isto nunca aconteceu nos nossos outros assaltos."
Quill: "Acredito. E mesmo por isso lhe peço que corrija os erros dele. Pergunto-lhe: qual é o nosso papel aqui?
Set: "Bem, er, têm de seguir o que os nossos homens fazem."
Quill: "O que é que os vossos homens fazem?"
Set: "Está a perguntar quanto ao plano?"
Quill: "Acho que pode ser interpretado dessa forma."
Set: "Tudo depende da nossa chave-mestra."
Set abanou a cabeça para o grupo de pessoas com as mãos na tira de espigão. Vegh, Cerril que tinha voltado e até o Yaib. Até o seu vice-capitão estava a pôr as mãos às obras nos últimos minutos.
Set: "Vai ser com aquilo que vamos parar o camião. Como? Quer dizer, acho que o próprio Quill deve saber até mais do que eu como é que este tipo de assaltos funcionam."
Assim, conseguiu retirar um sorriso de Quill. Não um riso. Um sorriso. Um sorriso com um valor de um riso.
Quill: "Parece-me bem. E depois?"
Set: "Depois vamos abrir o veículo. Para a nossa sorte, temos balas e todas as aparelhagens necessárias. A segurança não deve ser muita, segundo as pesquisas que fiz na internet, que é estúpido eu sei."
Quill: "Nem tanto. Também foi assim que comecei."
Set: "Por isso, confirma que é improvável este camião estar bem guardado em termos de pessoal armado. Pelo que li, isso só acontece com peças raríssimas de grande valor monetário e histórico. E em casos onde os museus tenham o dinheiro para contratar segurança treinada. Duvido que esse seja o caso com o 'Cloisters'."
Desta conseguiu sacar um milagroso riso a Quill.
Afinal a sua autoestima prevalece.
Quill: "Ok. Nada mau. Deixe-me que diga que o seu planeamento, por muito amador que ainda seja, consegue ser melhor que os que alguns dos nossos associados fazem. Impressionante."
Set: "Oh, não me faça agradecer outra vez."
Replicou, a brincar. Quill parecia estar a partilhar as mesmas frequências cerebrais que ele naquele momento, uma vez que riu-se novamente.
No fim, sempre ganhou. Conseguiu vencer dele um sorriso, uns risos e a sua confiança depois de um início atribulado, cortesia de Yaib. Agora estava tudo encaminhado.
Contudo, deixando de parte as piadas, é preciso reconhecer que essa sua segurança não se deve apenas a si:
Set: "Mas a sério. Muito obrigado por nos ajudarem. Nós é que estamos gratos. Não só por terem recebido a nossa proposta para nos juntarmos ao vosso grupo. Como também por tu te teres disponibilizado para nos ajudar e aconselhar e nos teres dado esta dica, nos teres informado relativamente a esta oportunidade de ouro que reside dentro daquele camião."
Set pousou a sua mão no ombro do homem de fato e gravata. Retirou o seu sorriso e, com franqueza, respondeu do fundo do coração:
Set: "Se há alguém a quem temos de agradecer pela tua generosidade és tu, Quill. Por muito que não nos conheçamos e, no fundo, ainda sejas um estranho, a tua disponibilidade em ajudar-nos é de louvar. Digna de agradecimentos. De todos."
Quill não recusou a bajulação. Deu-lhe umas palmadinhas nas costas da mão se Set que se encontrava sobre o seu ombro, retorquindo:
Quill: "O objetivo do Zeke sempre foi reunir as melhores pessoas. E ter essas melhores pessoas a trabalharem para ele, a cultivarem o seu império criminoso. Ele sabe que não pode estar em todo o lado ao mesmo tempo e é aí que pessoas como eu entram. Através dos nossos assaltos e guerras espalhamos o nome dele nas ruas. E em breve, correndo tudo bem como acredito que irá correr contigo como cabecilha, farás parte do nosso bando. Serás como eu. Saberás o previlégio que é pertencer a este grupo. E eu poderei finalmente trabalhar contigo. Também seria uma honra, admito. Ouvi muito sobre ti e sobre como consegues fazer tudo com tão pouco e sempre com uma postura relaxada. Gostava de ouvir como conseguiste te destacar a fazer uso do que tinhas em mãos."
Set deixou escapar umas gargalhadas.
Set: "Claro, claro. Nessa altura, agradecerei o teu apoio também."
Quill: "Estou a ajudar-te agora e ainda nem entraste no grupo. Tens mais do que provas suficientes para afirmar que ajudo tudo e todos."
Ele ajeitou os óculos.
Quill: "Confia em mim: toda a competição é bem-vinda."
Set riu-se perante o comentário.
Quill: "Se me permites, deixas-me apenas perguntar uma coisa?"
Set: "Ok. Parece-me justo como estamos a trabalhar juntos."
Por momentos, Quill pareceu mais sério...se isso é possível. A sua cara relaxou. O seu rosto perdeu a pouca emoção que continha. Ele perguntou:
Quill: "Ouvi dizer que tentas não matar ninguém sem uma boa razão e, tudo bem, é a tua decisão. Pessoalmente, respeito e irei seguir essa tua regra neste trabalho em equipa. A minha questão é porque é que um homem com uma máxima desse género decidiu experimentar um assalto pelo que me parece ser a primeira vez dele, ciente do que isso implica?"
Set sorriu. Na verdade, simulou um.
Set: "Ora essa, acho que existe uma primeira vez para tudo."
Quill: "Não nego. Porém, para alguém como tu...é, no mínimo, surpreendente."
Set: "Não percebo."
Quill: "Olha, Set, eu já estou nestas andanças há muito. Nesse sentido, dificilmente encontrarias um melhor parceiro para te guiar neste tipo de trabalho. Ainda assim, não sei se sabes que essa tua filosofia é ligeiramente incompatível com este trabalho."
Set: "Porque?"
Quill: "Normalmente assaltos acabam em mortes. Quer queiras ou não."
Set: "Desde que elas venham com um bom propósito por detrás, não me irei opôr."
Quill: "Será um assalto um bom motivo?"
Set ficou sem palavras.
Quill prosseguiu.
Quill: "Sim, acidentes acontecem. Sim, as situações desenrolam-se de formas que nunxa sequer imaginaríamos, mas, no final de contas, tudo o que fazemos é em nome da missão. Em nome do tesouro que estamos a tentar obter."
Set: "E-Eu..."
Quill: "Não pretendo pôr-te desconfortável. Estou é genuinamente curioso. A sério."
Set superou o gaguejar e respondeu:
Set: "Eu acho que os dois podem ser conciliados. Podemos encontrar o sucesso ao roubar o tesouro e podemos não ter de nos transformar em monstros ao matar sem propósito."
Quill rematou com um olhar estranho.
De julgamento.
Set: "Que foi?"
Quill: "Nem por isso. Deste é uma resposta com a qual não concordo muito. Adoraria explicar-te porquê, mas creio que a experiência fará um trabalho melhor."
Set fingiu não achar nada daquilo confuso e riu-se outra vez.
Quill: "Tudo tem um preço. Tudo tem um valor. Não é possível ter tudo ao mesmo tempo só porque queremos. Muitas das vezes, temos de sacrificar um para ter outro. Ou de arriscar contradizermo-nos para fazer o que for preciso. No momento, não pensamos no que somos, apenas no que fazemos e és capaz de te assustar com o quanto isso pode ser diferente do que o que tu pensas que és."
Set franziu a sobrancelha.
Depois passou a mão pela cara.
Expirou para cima da palma.
Quill: "Deixa para lá. Acho que és inteligente para perceber isso. Vamos ao que interessa."
Set esboçou um sorriso.
Set: "É isso, vamos ao que importa."
O sorriso de Set alargou-se. Desta vez...genuíno.
Set: "Tudo bem por mim. Desde que não usem facas ou armas pontiagudas, claro. Nem sabem a agonia que sinto ao ver os espinhos na tira que rebentará os pneus, mas ao menos reconheço que esse é um mal que vem por bem."
Quill: "Farei para que eu e os meus homens tenhamos isso em mente para agora e para o futuro."
O homem retirou-se. Atrás de si seguiram os seus subordinados e um gigante como um manto atado ao dono. Senhor e objeto a seguirem de encontro aos homens de Set a caminho de se irem inteirar da função a executar por parte deles.
A melhor parte desta interação foi que acabou. Caramba, tinha se esquecido do inferno que é aturar Quill. Já lhe doía a cara de tanto forçar um sorriso perante as frases elitistas daquele homem com ar de snobe em todo o seu odor delicadamente perfumado. Oh, por favor...
Quill deveria ser um teste divino para o fazer evitar o inferno. É que entre matar Quill e deixar uma criança morrer, Set não hesitaria em meter uma bala nos cornos daquele desgraçado de óculos e fatos caros. Entre ser comido por tubarões e ver Quill por mais um segundo que fosse, atirar-se-ia de corpo inteiro ao poço com o máximo de tubarões possíveis sem pensar duas vezes. Sabem que mais? Tubarões é pouco, em retrospetiva. Atirem também umas piranhas. Enguias elétricas. Tudo. Tudo menos ver Quill mais uma vez.
Ah, e já disse que não gosta de Quill?
Set ficou sozinho. Mas foi por pouco. Yaib foi importuná-lo no seu único momento longe da confusão das preparações finais e de Quill.
Yaib: "Set. Estive a ver com a Vegh e ela disse que afinal não precisava da minha ajuda. Já agora, sempre falaste com o Quill, não é?"
Falou o homem a abrandar à sua frente depois de vir a correr de trás de si. Se ele tivesse seguido as suas ordens, devia estar a ajudar a Vegh com o material em mãos.
É bom que tenha ajudado desta, pois, segundo o santo Quill, hoje ele estava mais virado para o contrário.
Set: "Tu..."
Disse a apontar o dedo ao seu vice-capitão de maneira acusatória como uma professora a repreender o aluno.
Yaib franziu as sobrancelhas no início. O problema é que viu que Set conseguia ver além desta sua tentativa podre de atuação com os seus olhos semicerrados. Então, ele cedeu.
Yaib: "Pronto, eu peço desculpa pelo que fiz com o Quill."
Confessou, a revirar os olhos. Sem conseguir encarar o seu amigo de tanta vergonha.
Yaib: "Eu peço desculpa, ok? Mas em minha defesa, esqueci-me do que querias que eu lhe dissesse."
Set: "Caramba, Yaib. Agora arrependo-me de não te ter metido uma bala nas costas."
Disse, levando a mão à cara.
Yaib: "Se serve de alguma coisa, prometo que não se volta a repetir."
Set: "E se tudo correr bem nem terás outra oportunidade de repetires."
Voz de Cerril: "Estou a vê-lo a chegar!"
Chegou a hora. Era melhor pôr-se a postos.
Set pôs de parte aquela inconveniência chamada Yaib. Abanou a cabeça em completa negação e dirigiu-se para junto dos seus subordinados que se levantavam e começavam a meter-se a postos. Nada disto sem antes deixar uma palavrinha ao seu vice-capitão, como dita a tradição:
Set: "Anda. Vem é certificar-te que isto corre bem, senão prometo-te que te meto balas nas costas, pernas e uma na cabeça para aí ter a certeza que não me causas mais problemas."
Yaib deve ter concordado e seguido esta ordem. Pelo menos os sons de passos bem distintos dos ténis do indivíduo davam sinal de que estava disposto a segui-lo.
E segui-lo ele seguiu até à boca do beco onde o capitão parou, tendo vista para a viatura em rota na estrada do lado deles.
Veículo branco. Largo como todas as locomotivas pesadas de transporte. De aspeto barato e ao mesmo tempo impenetrável. Estava um pouco distante. Distante e perto o bastante para avistar a estampa do museu posta nos lados do veículo. Garantia a todos que era um veículo de transporte pertencente ao museu "Cloister's".
Sem dúvida.
O alvo perfeito.
A caverna de ouro.
Chegou a hora.
Set: "Ok! Às vossas posições!"
Ordenou, abrindo espaço na entrada do beco ao recuar para trás.
Vegh, Cerril e outros cujos nomes lhe escapavam aglomeraram-se ali mesmo, perto da saída, com a tira de espiga erguida no ar devido aos esforços de todos eles. Muitas das pessoas armadas ficaram atrás dos especialistas da ferramenta de ouro tal como Set e Yaib. No entanto, a maioria do pessoal armado, incluindo o grupo de Quill, foi a correr a abrigar-se no beco do outro lado da rua enquanto o condutor estava distante e não os conseguiria avistar ou identificar sem questionar a veracidade da sua visão a uma altura tão tardia da noite.
O barulho do motor do camião sobressaía em especial naquela noite silenciosa. Mesmo estando nas últimas carreiras da fila, as mais distantes da saída, Set conseguia adivinhar a proximidade do camião relativamente a eles. Por exemplo, agora o barulho do motor tinha aumentado.
Significava que o camião estava a aproximar-se rapidamente.
Set tirou a arma da zona das calças em que a mantinha. Lerdo como sempre, Yaib permanecia de mãos vazias. Bastou uma facada do ombro de Set no estômago do vice-capitão para o fazer sacar a sua Desert Eagle do bolso.
O ruído da borracha no alcatrão da estrada atingia o seu ápice.
O motor nunca esteve tão alto.
Os subordinados do seu lado já estavam de arma em mão. Todas elas armas de fogo como por exigência do próprio Set. Até além da escuridão do beco do outro lado, conseguia discernir a silhueta de um homem e outra de uma mulher, mas ambos a empunhar armas de fogo. Ninguém fugia à regra.
O alvo aproximava-se.
Tinham uma única oportunidade.
Set: "Vê se não és tão explícito com as tuas intenções, Yaib."
Sussurrou mesmo com o barulho das rodas e do motor num crescendo exponencial. É verdade que é dos piores momentos para falar disto com Yaib, no entanto tinham uns segundos a queimar. E verdade seja dita, quem iria fazer o trabalho seriam Vegh e os especialistas com a tira.
Yaib: "Ainda estás a pensar no que disse ao Quill e ao grupinho dele."
Disse, condescendente, a falar baixo o suficiente de modo a que os homens à sua frente não os ouvissem.
Set: "O que ficaste por dizer, no caso."
Yaib: "De que é que interessa? Vamos pôr-lhes uma bala nos cornos daqui a pouco."
Eles estavam atrás de qualquer homem naquele beco. Conseguiam ver como os músculos das pessoas a segurar a espiga flexionavam e relaxavam à espera do momento certo.
Set: "Pode até ser verdade, meu caro. E sei que odeias o Quill tanto como todos os nossos homens e tanto como eu, que, por sua vez, é uma quantidade de ódio imensurável por aquele homem maldito. A questão é que não podes dar a entender isso. Tens de mostrar-lhes um espetáculo para nem duvidarem da navalha debaixo da tua manga."
Yaib: "Devias era agradecer-me. Ao não ter dito nada deixei-os à tona, eles ficaram à nossa mercê."
Set: "À nossa mercê e com razões para suspeitarem de nós. Devias ter feito o que te pedi. Nem devia ter precisado de ir limpar as tuas porcarias."
Cuspiu, voz a cortar por entre o ruído próximo. Próximo mesmo.
Quem segurava na tira deu um passo atrás a tentar ganhar impulso.
Yaib: "Deixa isso. O que está feito está feito. Esta é a parte mais importante, de qualquer modo."
Set pôs as duas mãos na pistola, erguendo-a ao alto em prontidão.
Set: "Verificaste que a rua está vazia, não é?"
Yaib: "Dediquei tempo a mais precisamente para me certificar disso."
Set: "E?"
Yaib: "Vazio. Tanto de cidadãos como de polícias e especialmente de convidados indesejados enviados por cortesia do Quill e do resto do grupo do Zeke."
Yaib também levantou a arma. O seu dedo a postos no gatilho do canhão de mão.
Yaib: "Estes cabeças ocas esquecem-se que podemos não ter feitos assaltos desta escala, mas conhecemos estas ruas com a palma das nossas mãos. Pode ser território deles. E é. Mas também é o berço do nosso grupo. Onde começámos e prosperámos."
Set: "Senão não teríamos chegado aqui."
Yaib sorriu.
Yaib: "Nem teríamos esta oportunidade de roubar uma carga enquanto tratamos da competição."
Set inspirou e expirou de olhos fechados.
Assim que voltou a ver Yaib, rematou:
Set: "Que não seja agora que os nossos instintos falhem."
Os subordinados de mão na tira balançaram para trás.
O camião parecia que ia assaltar os sentidos de todos os presentes, invadindo as suas essências até os preencherem em plenitude.
Vegh e os outros balançaram para a frente, projetando a linha de espinhos para a frente.
Set: "Lembra-te disto para aqui e para todo o sempre: nada de matar sem um bom propósito e, acima de tudo,.."
Antes de tudo, Set ainda conseguiu finalizar debaixo da sua respiração:
Set: "Dá-lhes um espetáculo e eles nem verão a navalha."
A tira de espiga caiu em cima do alcatrão com pouca cerimónia ou som.
Pois o barulho esteve presente no momento seguinte.
Set: "..."
O camião passou como um flash de imagens diante do bando no beco de Set. Uma impressão de branco apareceu e desapareceu. A princípio, ele seguiria em frente.
E seguiu.
Tanto que nem se deu ao trabalho de olhar para o chão para desacelerar antes de ter pisado com os pneus em cima das estacas de metal eretas na estrada.
Seguiram-se sequências agonizantes com sons que apenas poderiam ser descritos como o equivalente a um garfo a raspar as suas pontas metálicas num prato. Set e o bando não conseguiam ver nada a partir daquela estreita abertura, porém o que ouviam pintava um retrato desagradável ao ponto de os fazer louvar o facto de serem incapazes de observar o descarrilar da viatura.
Borracha raspava no solo rochoso. Travões tentavam impedir o agravar do despiste. Sinfonias de desespero vindas de uma máquina fora do controlo, com um condutor a perder o controlo da sua posse.
Eventualmente, chegou ao fim.
Silêncio caiu sobre todos. Sem que as ondas sonoras indicassem que o percurso do veículo de pneus furados tinha acabado com um embate direto num edifício ou poste.
O camião tinha parado.
O assalto tinha começado.
Nada de voltar atrás agora.
Agora.
Agora.
Agora!
Set: "Agora! Vão!"
Subordinados trocaram olhares entre si de início ainda tocados pelo choque do acidente. Contudo, com Yaib a correr para fora do beco e a tomar iniciativa, todos seguiram. Inclusive Set.
O capitão da gangue saiu disparado numa corrida para a esquerda em cima do passeio, passando pela tira com pedaços de borracha cravados nos assustadores espinhos pontiagudos. Uma marca de trabalho bem feito ainda mais representado pelo cenário do fundo.
Lá residia, imobilizado, o camião. Com marcas de pneus na estrada. O veículo com uma das rodas em cima do passeio. Numa posição torta. Pelos vistos, o condutor ainda fez muito para não bater de frente com algum obstáculo. Foi o que lhe valeu. Se é que sobreviveu àquela derrapagem descontrolada.
Da sua direita, uma rede de pessoas também corria rumo ao mesmo local. Quill e os seus homens misturados com os subordinados do próprio Set corriam desalinhadamente, invocados pelo grito de Set. Também não podia esperar que eles se encaixassem bem na formação pré-definida do seu grupo, mas isso era longe das suas maiores preocupações-
Voz masculina: "Ah! Que raio?"
Set tornou para o camião outra vez no meio da corrida e parou tal como as pessoas que seguiram com ele pararam, tal como o grupo da direita parou por completo.
Da porta da carrinha, saiu um homem desamparado. As suas pernas mal suportavam o peso do seu corpo após a força que devem ter aplicado nos travões. O seu cabelo estava despenteado, o seu colete cinza regular a escapar-lhe dos braços, o súor na sua testa a incadear a luz dos postes e sem um pingo de noção no que se tinha metido.
Set: "O senhor fique parado!"
O homem até então focado em manter o equilíbrio em pé finalmente se virou para a multidão armada ao seu pé. Naquele instante de realização parecia que a sua cara estava vazia, resultado de uma caldo de emoções negativas que se materializaram na forma de...nada.
Set: "Levante os seus braços e não faça nada!"
Set apontou a sua Glock 19X para o condutor do camião. Vários fizeram o mesmo.
O homem seguiu as ordens aceitando a sua derrota, aceitando que não passava de um coelho na mira de dezenas de canhões.
Set acenou para Yaib com a cabeça. Em resposta, Yaib aproximou-se do condutor sempre com a arma em posíção de disparo.
Yaib: "Com licença."
O vice-capitão manteve a Desert Eagle apontada para o peito do responsável pelo transporte da carga enquanto apalpava os seus bolsos. Em seguida, enfiou os dedos nas suas meias. Depois, pediu que ele se descalçasse. Verificou os sapatos. A seguir...isto ia demorar.
Set virou a cabeça. Quill estava de pistola erguida tal como estavam os homens de fato do seu grupo. Armados e inabaláveis...isso é o que veriam.
Aliás, literalmente todos os subordinados de Set estavam armados. Até Vegh e os responsáveis pela espiga ainda no chão tinham algumas armas de fogo pequenas a serem empunhadas, seguindo o conselho do capitão: é preciso ter sempre uma arma à mão.
Ao mesmo tempo que Yaib investigava a veste do condutor, Set olhou de relance pparaos telhados dos edifícios. Nada. Vazio. Como Yaib afirmara.
Ele olhou pelo canto do olho para Alto. O seu homem estava com uma sub-metralhadora em mãos, uma Sa vz. 23. Coincidiu que ele estava a olhar para ele também. Set sabia o que ele perguntava. Alto sabia a resposta.
Set: "Quem está à direita faça o favor de seguir as ordens do Alto!"
Proclamou, a apontar para o homem em questão com uma mão que libertou temporariamente da posse da arma.
O subordinado acenou afirmativamente com a cabeça.
Alto: "Pessoal, sigam-me. Vamos ocupar um dos lados do veículo. Este fica sob o cargo do grupo com o Set e o Yaib."
Do meio de tantas pessoas, o homem asiático destacou-se. Ele foi a correr para um lado do camião que Set não conseguia ver. E os outros que estavam com ele no beco como o grupo de Quill com aquele brutamontes seguiram, embora estes últimos tenham demonstrado uma certa relutância inicial que deve ter permanecido por todo o caminho. Ainda assim, seguiram até ao lado fora do seu campo de visão. Tudo bem. Não era preciso. Daqui a pouco lá iria ter.
Não é como se estivesse com pressa de ver o Quill.
Mas relembra-se do essencial da missão e confessa que era bom que eles não hesitassem quando a altura chegasse.
Yaib: "Ok. Está limpo, meu senhor."
Disse após examinar a o último bolso da veste que agora dava ao homem para voltar a vestir.
Set tornou a observar o assaltante e o assaltado.
Yaib: "Venha só comigo. Preciso de o apresentar a alguém."
Estava o condutor com um braço metido na manga da veste e outro fora que o vice-capitão encostou o seu canhão de mão às suas costas e o empurrou de encontro a Set. Via-se a frustração do homem na forma como o seu corpo queria rejeitar aquele tratamento animalesco, porém a arma relembrava-o da sua impotência. Por isso, ele cedeu.
Condutor: "V-V-Vo-Você..."
Começou o homem suado, gaguejando, a meter o segundo braço nas mangas. Ele nem conseguia encarar Set ou olhá-lo nos olhos.
Condutor: "Diga-me...diga-me o que quer de mim."
Set permaneceu em silêncio. De arma baixa, segurando-a junto à sua cintura.
Condutor: "L-Levem o que quiserem. Só...só...só não me façam mal, eu-"
Set: "Yaib."
Interrompeu-o num tom frio e direto ao assunto. Prova disso foi a rapidez com que o Yaib, de cano da arma pressionado contra as costas do homem desnorteado, mostrou a carteira que tinha confiscado durante a sua inspeção minuciosa. O vice-capitão navegava os conteúdos da carteira com os dedos da mão livre com que a segurava.
Yaib: "Pots Manning. Tem 39 anos."
Ele enunciava o que via em voz alta ao seu capitão. O condutor ouvia tudo de cabeça baixa, como um condenado a escutar os crimes de que é acusado.
Yaib continuou à medida que ia descobrindo novas informações:
Yaib: "Como deves ter visto, ele é condutor de transportes, trabalhando especificamente em museus. Tens o 'Cloister's'. E trabalhou para outros museus daqui de Nova Iorque como o 'Metropolitan Museum of Art'. Sempre com a mesma função."
Ele estendeu a carteira na direção de Set.
Yaib: "Consegues ver que ele tem aí uns quantos cartões de staff de cada um dos museus em que trabalhou. Eu é que não vou enumerá-los."
O capitão pegou na carteira e passou ele mesmo a dar uma vista de olhos no que continha. Demorou pouco a perceber que nada lá havia que Yaib já não tivesse dito.
Yaib: "Para além disso, acho importante notar que ele é solteiro e aparenta estar a passar por problemas financeiros depois de presumivelmente ter falhado a alguns compromissos importantes. O que explica a carta de explicação de baixa. Muito mal justificada, por sinal."
Set: "Então estamos diante de um procrastinador."
Disse, a entregar a carteira de volta a Yaib.
O condutor continuava de cabeça baixa.
Set: "Quem diria que num dos poucos dias em que vinhas trabalhar seria logo o dia em que o teu transporte seria assaltado. Pensando melhor, talvez tivesse sido uma boa ideia ter ficado em casa hoje, estou certo?"
O homem não falava. O homem não o olhava. O homem nem devia estar a pensar bem. As suas mãos tremiam. A sua roupa estava molhada com o seu súor a alagar-se pelas vestimentas.
Tudo bem. Ele é que sabe. Set gosta sempre de ter uma oportunidade a todos antes de tomar medidas mais severas. Normalmente eles não costumam colaborar à primeira.
Em contrapartida, à segunda colaboram sempre.
Set: "Não dizes nada? Deixa. Não é que eu queira muita coisa."
Comentou, a meter a pistola contra a testa do homem e a levantar a sua cabeça forçosamente para cima com o cano da arma. O condutor quase saltou envolto em temor.
Agora que o homem não poderia evitar Set, este disparou-lhe um olhar perfurante sob o seu rosto desfeito.
Set: "Mas, se estás aqui simplesmente a viver, não me parece que vás ser de muito valor."
"Viver". Aquela palavra deve ter despertado um gatilho escondido no condutor conhecido como Pots Manning. Já que ele começou a metralhar palavras como nunca.
Pots: "Ok, ok, ok, ok, ok, ok! Eu ajudo! Faço o que quiserem! Tudo! Deixem-me viver!"
É satisfatório. Set não pode mentir. Ver Pots a falar e a tropeçar nas palavras após a sua resistência inicial fá-lo sentir bem. Basta para imprimir um sorriso no capitão.
Set: "Disponibilidade para ajudar. Adoro vê-lo. Isto é o que falta em muitos. Se eles estivessem mais dispostos, não teriam de suportar com o que viria."
Os olhos de Pots pareceram brilhar com uma recém-adquirida esperança...
Set: "Pena que não queira muito, no teu caso."
...que não passava de uma químera.
O rosto do homem desfez-se de novo.
Set pressionou ainda mais a arma na testa de Pots, aproximou os seus lábios da orelha do condutor e sussurrou-lhe:
Set: "Responde-me só a isto: foste abordado pelo Zeke, o Quill ou qualquer outra pessoa de aspeto duvidoso nestes últimos tempos?"
A sobracelha farfalhuda de Pots franziu.
Set: "Ou talvez tenhas estado do lado deles desde o início. Desde há muito. Talvez tenhas até estado a fazer um trabalho para eles naquele dia em que faltaste ao teu trabalho lá no 'Metropolitan Museum of Art'. Quem sabe. Eu não. E é por essa razão que preciso que sejas tu a responder-me."
Soprou-lhe ao ouvido, em seguida afastando a sua cara para que ele também pudesse colecionar os seus pensamentos. Assim ele poderia dizer-lhe a verdade, sendo que Set tinha propositadamente plantado uma semente que despoletaria uma reação propositadamente desesperada, desengonçada, desenfrada, súbita...mas também verdadeira.
Pots: "M-Mas eu-"
Set: "Mais baixo. Como eu fiz."
Cortou-o, sussurrando.
Pots engoliu em seco.
Set afastou a sua pistola da cabeça do homem, deixando-o aproximar a sua boca trémula do ouvido do líder e dizer no tom pretendido:
Pots: "E-Eu não sei do que é que estás a falar."
Set: "..."
Set recuou.
Observou a figura subduzida do condutor mantido sob controlo por Yaib, atrás dele.
A maneira como coçava as suas unhas. Como tinha os pés alinhados um ao lado do outro. Como mordia o lábio. Como já nem o olhava. Tal como antes.
O capitão pensou.
Não muito tempo depois, ele foi para junto de Yaib, ignorando Pots. Ele falou lentamente, sussurrando agora no ouvido do seu braço direito o seu veredito:
Set: "Não está a mentir. Ele não tem nada a ver com isto. Sabes o que isso significa: podes tratar este nosso 'chamado à ação' sem dó nem piedade. É seguir como planeado e com tudo."
Yaib acenou afirmativamente com a cabeça.
Set tornou para trás. Um monte de subordinados seus observavam o curto interrogatório. Caramba, esteve tão focado em tirar informação àquele tipo que se esqueceu que tinha soldados à espera de ordens. Porém, não poderia correr o risco de ter de mudar o plano.
Set: "Nada aqui! Vamos seguir!"
Disse, a enviar uma piscadela de olhos a todos os seus subordinados.
Eles sabem o que significa: é seguir com o plano previamente combinado.
Todos ali eram homens seus. Fez questão de enviar o grupo com o Quill para longe por causa disso. Para ter um espaço mais descontraído onde possa extrair informação a um possível ajudante do inimigo e para ter uma equipa de reserva, caso Quill ponha alguns planos misteriosos em ação. A segunda opção ainda está em cima da mesa. Boa. Outra razão para despachar-se.
Set seguiu a contornar o camião. Yaib escoltava o condutor com empurrões e a ameaça de uma bala nas costas como motivações suficientes a fazer o refém assentir. Vegh, Cerril e os restantes iam em conjunto atrás do capitão. Mas todos estavam a ir de encontro à outra metade do grupo.
Prestes a executar a última e mais importante parte do plano.
Quill: "...promete mesmo que é normal demorarem?"
Alto: "Eles são perfecionistas. Gostam que o trabalho fique bem feito."
Quill: "Confude-me é saber que estão dezenas de homens apenas a observá-los."
Quill já estava a suspeitar a demora deles. Devia estar entediado. Até tinha guardado a sua pistola. Sim, Set tem de pôr o seu ódio de parte e admitir que ele e Yaib demoraram muito mais do que o esperado. Mesmo assim, conseguiram o que queriam e agora tinham a certeza de como seguir. Para além disso, ao que parecia, Alto conseguiu empatar o grupo de Quill como combinado.
Set: "Tem calma, Quill. Já chegámos. Desculpa a demora. O Yaib atrasou-se um pouco com a inspeção."
Disse a chegar ao amontoado de pessoas aglomeradas num dos lados do camião onde o símbolo do museu era exposto orgulhosamente na parede da secção da carga atrelada à viatura. Ele ganhou uns quantos olhares com o seu anúncio de chegada.
Quill: "Set. O que é que averiguaram?"
Questionou-o logo em seguida à sua chegada. Este gajo consegue ser impressionante. Não consegue ter uma pergunta respondida que mete rapidamente outra em cima da mesa.
Yaib: "Que ele não está armado nem será uma ameaça. Não é, meu caro?"
Informou, enquanto obrigava o refém a parar ali junto de Set e de Quill que tinham acabado de ficar frente a frente.
Pots apenas estremeceu.
Set: "Vocês viram alguma coisa?"
Quill: "Ninguém do meu grupo reportou algum ocorrido."
Alto: "Nem outra pessoa qualquer."
Disse o homem a alguns metros de distância dos dois líderes.
Set: "Boa. Significa que podemos prosseguir sem medo. Especialmemte agora que conseguimos pôr na trela um especialista neste tipo de veículo."
Quill: "Certo. Se me permites perguntar Set, só não percebi porque é que foi necessário que alguns capangas teus ficassem ali do teu lado a aparentemente apenas observar-te a ti e ao teu colega a trabalhar."
Perguntou novamente, mas com o seu típico tom solene e profissional.
Set ajeitou o colarinho e ergueu o peito numa confiança dissimulada que deveria despitar qualquer suspeita.
Set: "Nunca sabemos se a ameaça não atacará quando estamos distraídos. Concordo contigo que é peculiar. Os meus homens também o acham, certo?"
Cruzou olhares com os seus subordinados. Passou-lhes o testemunho. Quanto à deixa...eles conhecem-na.
Cerril: "Oh. Sim. Sempre achei."
Vegh: "Inegável. Mas não podemos fazer nada."
Alto: "É isso. Este é o nosso grupo. Metódico. Perfecionista. E até ouso dizer lento."
Yaib: "Foda-se. Tudo bem falar. A sério, adoro a liberdade de expressão, mas...porra. Gostam de me dar na cabeça, hã?"
Set: "Acho que tens provas aqui."
Quill ajeitou os óculos. Caralho, mas é que Set tinha a certeza que aquele gajo estava a arranjar todas as razões para duvidar dele. Quase ouvia a cabeça dele a reclamar: "porra, vou ter de ficar a trabalhar com eles daqui em diante?".
As desculpas foram improvisadas. De certeza. Ainda assim, saíram de modo natural com alguma picardia amigável à mistura para acrescentar naturalidade às críticas. O húmor nunca fez mal a ninguém, pelo contrário torna tudo leve e credível.
Set instruiu-os assim. Que a comédia desvia atenções. Que transforma o tudo em nada.
E nada há para achar no nada...certo?
Quill tirou uma arma do bolso do seu fato. Set arregalou os olhos a princípio, todavia relaxou ao reparar que o homem não levantou a sua Glock 36. Apenas a manteve quieta colada à cintura.
Quill: "Ok. Vamos despachar-nos. Também nunca sabemos quando teremos o azar de nos encalhar com uma patrulha da polícia."
Set: "G-Gosto da atitude."
Disse a fingir normalidade depois do susto inicial. Para dizer a verdade, tinha se esquecido do detalhe que Quill tinha guardado a sua arma com a sua demora na revista do condutor.
Set: "Enfim. É como o Quill disse: vamos despachar-nos. Temos muito a levar e cada vez menos tempo."
Ordenou, erguendo a sua pistola bem no alto a fim de clarificar o caminho a seguir. Os seus pés e postura indicavam-no. Alguns dos seus homens chegaram a adiantar-se. O destino era sabido por todos, familiarizados ou não com Set, pertencentes ao seu grupo ou não:
A seguir seguia-se o assalto propriamente dito.
Mas para o grupo de Set ttratava-se de muito mais o que um assalto.
Tratava-se de um massacre pela mão aliada.
Set nunca foi muito bom na escola. Lembra-se de coisas vagamente. Porém, para ter escolhido esta vida, é porque não conseguiu arranjar meios de sobreviver com recurso aos métodos legais que todos seguem.
Apesar de tudo, além de todas esses infortúnios e série de condições que se reuniram para chegar aqui, houve um conceito que nunca lhe abandonou a cabeça.
O da relatividade do tempo.
É impressionante como o tempo nos pode enganar. Como um minuto pode parecer uma hora. Uma hora um minuto. Semanas que parecem dias. Dias que parecem durar anos. Anos em décadas. De décadas para segundos. De minutos para horas, dias, semanas, meses, anos, décadas e séculos.
Nesta curta caminhada até à parte de trás do camião que se resumia ao contorno da parede onde se encontrava, neste breve caminho que dura menos de 7 segundos, Set jurou sentir que se passaram anos.
Anos. Anos a tentar tranquilizar os seus ânimos. Anos a tentar fazer com que a sua pega na pistola permanecesse firme através de todo o processo. Anos a rever o maldito plano na sua cabeça. Anos com a cara idiótica de Quill na sua cabeça, pendurada como uma pintura.
Anos.
Anos de trabalho reduzidos a um momento.
Em que cada falha, cada falha pode levar ao fim.
Nesta noite em si, foram muitas a preocupações que teve. Foram muitos os momentos em que teve de mandar ordens com especial cuidado para não deixar as suas verdadeiras intenções escapar. Já se chegou a esquecer das vezes em que teve de deixar essas suas intenções escaparem de modo a não deixar que os desejos vencessem a versão de si que ele deixava transparecer.
Contudo, nenhum momento foi tão importante, difícil de executar ou tenso como o que está prestes a fazer.
Set: "É aqui, pessoal. A boca da gruta com o tesouro."
Disse a brincar ao parar diante das traseiras do camião numa tentativa de fazer essas preocupações desaparecerem. Não foi necessário ter ido até aí. A visão da parte de trás do veículo bastava.
Uma porta com mecanismos metálicos a trancarem-na repousava diante de si.
Vegh, Alto, Cerril, Quill e o seu grupo chegaram nos segundos seguintes. Ironicamente ou não, na altura de maior pressão, os últimos elementos a chegar foram Yaib e Pots.
Os elementos indispensáveis.
Set: "Muito bem, façam caminho para os nossos protagonistas."
Set deu 13 passos para trás. Deu por si do lado de Quill. O homem de fato e gravata estava de braços cruzados, mantendo uma pega firme na pistola. Os dentes de Set uniam-se num misto de raiva com ansiedade. Nisto, segurou a sua própria pistola com mais força. Todo o seu corpo aparentava estar a ter uma reação alérgica àquele homem.
Este sim era o alvo a abater.
Yaib: "Mexe-te!"
Yaib deixou-se imobilizar ao pé de colegas seus. Ele continuava a apontar para a cabeça de Pots. A sua autoridade mantinha-se tanto através das palavras como das suas posses. Portanto, o homem ameaçado deixava-se levar pela vontade daqueles acima dele.
Pots caminhava no espaço vazio entre o círculo de criminosos e a porta de trás do camião. Em passos lentos, ele traçou o caminho de cabeça baixa, de olhos postos no chão, sem vontade de se insugir ou ir contra as dezenas de homens ali.
Dezenas deles.
No entanto, havia uma grande discrepância nos números que ele não sabia: a de que o número de subordinados leais a Set superavam em muito as dos homens de Quill.
Eram os 20 e poucos homens de Set contra os 4 de Quill.
Faltava cerrar a vitória.
Yaib: "Anda! Não temos a noite toda!"
Pots manteve o passo lento. Todavia não precisava de o ter acelerado de qualquer maneira. Um segundo depois e já tinha alcançado a porta.
Yaib: "Vá! Abre isso!"
O coração de Set é que acelerou no meio disto. Impressionante como está há anos neste negócio a fazer atos cada vez piores e nunca traiu alguém antes. Sente-se...nervoso? Não. Está ansioso.
Os seus homens rodeavam Pots que mexia na aparelhagem demasiado complexa para a compreensão do cérebro do capitão. Mais do que Pots, rodeavam Quill e os homens atrás dele. O seu rival estava cercado. À mercê deles.
Pots manejava nas fivelas metálicas que cerravam a abertura.
E Yaib mantinha a mira nele.
Ameaçadoramente.
A flertar com o gatilho, fazendo uso do seu dedo indicador.
Set mantinha a sua pistola bem firme na mão.
Fazia a anotação mental de como agir.
Dos procedimentos combinados com todos os seus subordinados que...
...também estavam de armas de fora, mas não se preocupavam em vigiar a rua para identificar ameaças externas.
Eles estavam era atentos às pessoas no seu círculo de influências de forma bem discarada.
Quill e os seus capangas estavam tão concentrados na abertura da porta e no que lá dentro estava que nem se aperceberam disso.
Para eles, era mais importante ver os seus espólios do que ver quem os acompanhava.
Por essa razão é que quando Pots abriu a porta traseira do camião, mal lhes tinha cruzado na cabeça o pensamento de que tinham sido traídos.
Yaib: "Obrigado pelo teu trabalho, Pots."
Yaib premiu o gatilho.
A bala saiu com uma explosão de pólvora.
O som do disparo ecoou por tudo e todos num raio de 800 metros.
Mas limitou-se a percorrer 19 metros até explodir a cabeça de Pots em pedaços de carne, miolo, ossos do seu crânio e banhos de sangue que caíram para o chão como uma chuva vermelha grotesca ao mesmo tempo que o corpo decapitado, o seu habitáculo original.
Este era o sinal.
Set: "NÃO PENSEM EM MEXER UM DEDO!!!"
Berrou Set do fundo dos seus pulmões a finalmente espetar o cano da sua Glock no pescoço macio de Quill.
Vegh, Cerril, Alto e todos os seus restantes capangas apontaram as suas armas aos montes na direção dos míseros subordinados de Quill, efetivamente cercando-os.
Quill e os seus homens paralisaram no lugar antes que Yaib também apontasse o seu canhão de mão com um leve fio de fumo branco a escorrer para o alto para o já vencido grupo.
Os seus oponentes é que demoraram a chegar a essa conclusão. No começo, limitaram-se a contemplar a quantidade surreal de armas apontadas nas suas direções. Na forma como cada um dos soldados de Set apontava para um dos 4 soldados de Quill. Como Quill era o único a ter apenas uma pessoa a ameaçá-lo com o perigo de uma arma.
Como, na verdade, ninguém escapava ao cerco de Set.
Como todos tinham sido traídos.
Como teriam de se comportar se quisessem ter uma chance de sobreviver ao encontro.
Todos deixaram as armas caírem no chão. Quill, os seus 3 capangas de fato e gravata e o homem enorme. Largaram-nas em simultâneo, produzindo um som que era música aos ouvidos de Set, pois sabia que significava a rendição do grupo de Quill.
Yaib: "A situação está torta para vocês, não está?"
Como sempre, o vice-capitão conseguia manter os ânimos em cima. Desta vez, Set até o consegue compreender e permitir.
Yaib cumpriu o seu papel.
Realizou o combinado. Matar o condutor. Usar o disparo e a morte dele como sinalizador para assinalar a altura em que deviam mudar as suas posturas.
Calhou que o tiro não só matou Pots. Destruiu-o completamente. O resultado de um tiro destinado propositadamente a acertar num ponto extremamente específico que desmontaria toda a arquitetura da cabeça do indivíduo, da mesma maneira que uma torre de jenga pode ser abatida com a remoção de uma peça.
Apenas Yaib poderia ter realizado um disparo daqueles.
Apenas ele poderia ter feito esta viragem de domínio do ambiente.
Apenas a ele Set concede permissão para debochar da situação.
Primeiro, porque fez o trabalho e bem feito.
Segundo, porque os têm na mira e, como tal, não poderão retorquir, muito menos Quill, que infelizmente não poderá usar a sua lábia erudita para o fazer.
Terceiro, porque também Set sente a satisfação de meter Quill no lugar onde merece: morto como Pots.
Resultado: têm tudo o que precisam em mãos.
Falta fazer uso dos instrumentos.
Quill expirou pesadamente.
Set permeneceu com a arma encostada ao pescoço dele, a sentir a artéria debaixo do cano da pistola a pulsar.
Quill: "Estava mesmo a ver que isto ia acontecer."
Disse, sério, inabalado, de alguma forma ainda mais sisudo e profissional. Nem parecia que tinha sido derrotado.
Quill: "É claro que nos iam trair. Não nos disseram o plano até ao último minuto, separaram-nos das zonas onde discutiriam informação comprometedora para a operação, devem ter chegado a ocultar-nos informação inclusive. Era óbvio."
Algo na maneira como falava transparecia uma certa tranquilidade no seu estado de espírito. Estranho. Contudo, não havia dúvida. Ele e os seus homens estavam sem opção de fuga ou de retaliação. Tinham perdido. E ele ainda tinha a lata de dizer aquilo...
Set: "Não me digas isso agora. Por favor, tu foste enganado. Se foi assim tão óbvio, então porque é que coincidentemente não fizeste nada para o prevenir? Hã?"
Quando pensava que não podia mais odiá-lo, Quill vem e surpreende-o de novo. Por isso é que não se conteve e deixou que toda a sua raiva por aquele homem o dominasse. Sabia que ele não ia durar muito, de qualquer modo.
Quill ignorou o comentário de Set, optando por perguntar-lhe com um laive de genuína curiosidade na sua voz:
Quill: "Posso apenas saber porquê aqui e agora?"
Set cuspiu para o chão de maneira a livrar-se da saliva em excesso resultante do récem-formado nó na sua garganta moldado a raiva.
Set: "Poupa-me."
Quill: "Pedi uma resposta. Não uma reação."
Set: "Pedes muito para alguém com uma bala à distância de um dedo de penetrar nas tuas clrdas vocais."
Quill: "Talvez mereça. Talvez deste modo não te peça mais nada."
Set pressionou a ponta da pistola no tecido elástico a revestir o seu pescoço. Era tentador. Muito. Mas...
Quill: "Mas não o vais fazer. Tu precisas de mim, caso contrário já nos terias matado."
Hum, quem diria? Até um relógio partido acerta as horas pelo menos uma vez num mesmo dia.
Set: "Vocês sabem porque é que estamos a fazer isto."
Afirmou a deixar aliviar alguma pressão do pescoço do capitão dos quatro homens.
Quill: "Acharam que, ao convidarmo-vos para este assalto vos íamos trair. Quer dizer, uma proposta vinda do grupo a que se querem juntar, ainda por cima uma proposta boa demais para ser verdade a vir de alguém experiente e com influência no grupo. Só podia correr mal para vocês. Então decidiram antecipar-se, não é? E aposto que saberiam que um assalto seria um cenário perfeito para encenar um acidente. Poderiam matar-nos e mentir que tinha sido uma patrulha da polícia. Ou que um terceiro grupo teve a mesma ideia e coincidiu que um grupo morreu, só não tinha sido o vosso. Poderiam fazer o que quisessem connosco, sair com os conteúdos do camião e juntarem-se ao nosso grupo aproveitando-se da glória do assalto e da consequente necessidade que o Zeke teria por preencher a lacuna que a morte do nosso grupo causaria. Apenas teriam a ganhar. E confesso que estão no caminho para tal."
Não, pensando melhor e levando em consideração a fala de Quill, um relógio quebrado acerta duas vezes a hora no mesmo dia. No entanto, três ou quatro, cinco, seis, sete? Nunca. Se não estivesse a aproveitar tanto do momento, até questionaria a conceção que sempre teve de Quill.
Set: "Ok. Mas, só por curiosidade, quando é que estavam a planear trair-nos? Porque, foda-se meu, está demorado."
Comentou a gozar com a situação do homem já mal posicionado. Digam o que quiserem, porém se for para gozar com Quill, nunca se cansará.
O homem de óculos é que se recusa a dar-lhe a satisfação de o ver zangado com as suas provocações.
Quill simplesmente pausou.
E voltou, dizendo:
Quill: "Pode se dizer que ainda íamos demorar."
Set não conteve uma gargalhada sincera e exagerada como o produto da êxtase gradual que se juntava no seu corpo por ter a pessoa que mais detesta no mundo com a vida na sua mão direita.
Set: "Caramba, Quill. Tu és capaz de ser o maior fala barato da história deste planeta. O maior arrogante. O maior burro. O maior criminoso a alguma vez ter chegado tão longe com a menor quantidade de talentos possível."
O capitão limpou as lágrimas no canto dos olhos resultantes das suas risadas fortes.
Set: "Podes ter tido sorte em chegar até aqui. Mas asseguro-te que toda a sorte chega ao fim."
Set aproximou a sua cara do rosto sério de Quill. A fábrica de insultos hunana com a Glock teve o prazer de baixar o sorriso e de desatar o nó da raiva na dua garganta para conseguir rematar, sem escrúpulos:
Set: "Essa foi uma lição que aprendi a mal. Tu, por outro lado, nem vais ter tempo de a processar."
Deixando de lado a êxtase do seu feito, ele foca-se em terminar o trabalho. É verdade que só teria a vida de Quill nas suas mãos nesta vez, mas tem de se lembrar no que mais importa.
Set: "Já que estás com vontade de falar, porque não gastar as tuas palavras numa boa causa e nos indicas onde está a caixa com a estátua. Cerril, Phyl. Têm permissão de ir abrir a porta da carrinha. O nosso guia precisa de uma referência visual."
Cuidadosamente, os dois homens selecionados deixam de mirar em cada um dos capangas engravatados que mantinham debaixo de olho. Juntos, saem da manda de colegas seus com as atenções e gatilhos postos nos 4 membros do grupo encurralado de Quill.
Quill: "Penso que a minha ajuda será um pouco desnecessária aqui. Se querem que eu diga a verdade, apenas precisam de olhar para a forma da encomenda e, acima de tudo, para o nome na caixa."
Set: "Não digo que não, mas-"
Quill: "Receias que exista alguma tecnicalidade que desconheças neste tipo de situações. És novo a estas andanças, por isso imagino que até os cantos sombrios do armazém atrelado ao camião te assustem."
Neste ponto, Set simplesmente calou-se. Recusava-se a dar corda a Quill fosse pela razão que fosse. E agora que ele não parava de dizer coisas...estranhas em discursos longos e intermináveis...que diziam a verdade que tentava esconder nas suas artimanhas.
Cerril e Phyl separaram-se ao alcançar os restos incongruentes do corpo do condutor. Um foi para um lado e outro para o oposto. Ambos a ter um igual cuidado em passar pela poça de sangue com pepitas de carne humana sem a pisar.
Chegados os dois à porta, eles abriram a sua respetiva metade da porta das traseiras do camião num esforço coordinado e moroso.
Set: "Sabes que mais? Chega de comentários misteriosos. Tu vais dizer aos meus dois homens o que devem procurar e onde! Diz-lhes! Agora!"
Gritou a deixar a sua fúria controlá-lo. Só mais uma vez. Só para fazer a sua autoridade ser sentida neste momento crucial em que a porta estava em vias de ser aberta.
Quill continuou o mesmo apesar de tudo.
Por pouco, uma vez que se viu obrigado a cooperar.
Quill: "Ok. Eu falo. No entanto, confesso que não vejo urgência para tal, dado que têm apenas dois pedaços de carga tão diferentes à disposição."
Disse num tom monocórdico ao mesmo tempo que as portas se abriram por completo.
Abrindo a vista para um espaço comprido que se estendia por alguns metros de profundidade. Com espaço para arrecadar por volta de 30 ou 40 caixas gordas.
Mas que só transportava duas caixas de madeira.
Uma grande.
Outra pequena.
Que anticlimático.
Uns quantos subordinados de Set devem ter começado a comentar a ironia da situação, pois um burburinho começou de um segundo para o outro. A Set parece-lhe má ideia eles estarem a baixar a guarda por um detalhe minúsculo. Não desmente que vieram cá com o objetivo de saquear os conteúdos do camião, mas vinham mais por um dos conteúdos do camião do que propriamente pelo resto.
E a julgar pelo tamanho das caixas, a carga que procuravam estava presente.
Quill: "Tenho de admitir que também estava à espera de mais. Deve ter havido algum ocorrido que os obrigou a diminuir o número de caixas que levavam ou-"
Set: "Indicações! Agora!"
Tornou a voltar ao mesmo ponto, realçando a proximidade de um tiro em caso de desobediência. O tempo era pouco. As patrulhas deviam ser muitas.
Quill: "É escusado dizer, mas procurem na caixa grande."
Set: "Cerril e Phyl, ouviram? Procurem na caixa grande!"
Ordenados pelo capitão, os dois subiram para dentro do compartimento retangular e comprido. Eles andaram por alguns segundos, já que ambos os caixotes estavam concentrados no fundo. Provavelmente um resultado da travagem atribulada vinda do despiste.
Ao longe, Set conseguia vê-los envoltos em manchas de sombras ligeiras. Dava para perceber que estavam a olhar para o recipiente retângular da altura deles.
Set: "O que é que veem?"
Cerril: "Er, bem, é exatamente o que parece."
Respondeu do fundo com algum eco à mistura.
Set: "Claro, é uma caixa idiota. Pergunto é se há algo distinto nela."
Houve uma longa pausa. As silhuetas dos homens mexeram-se em busca de uma etiqueta ou de um traço que identificasse a obra.
Quill: "Se tudo estiver certo, deve estar escrito algures na caixa o nome da peça."
Set: "Que é?"
Quill: " 'O Demónio'."
Set: "Há algum lugar em que esteja escrito o 'O Demónio'?"
Perguntou a dirigir-se aos seus subordinados.
Instantaneamente um deles respondeu de volta:
Cerril: "Sim. Está escrito em letras vermelhas e tudo."
Set: "Ótimo. Agora tragam-me isso de volta. Rápido. Temos de evacuar depressa antes que alguém chegue."
Cerril e Phyl mobilizaram-se segundo as melhores posições com a finalidade de levantar a caixa.
Yaib: "Não queres ao menos ver o que está dentro da outra caixa?"
Inquiriu a voz do seu braço direito vinda de trás de si, enquanto este mantinha um dos capangas na linha com a sua Desert Eagle. A curiosidade dele era genuína. Tinha as suas razões para estar. Fizeram isto tudo pelo que o camião levava. Seria sensato averiguar isso apesar da pessa, levando em consideração que seria somente uma caixa.
Set: "Antes de levantarem a estátua, Cerril ou Phyl, não importa, um de vocês faça o favor de ir ver o que a outra caixa tem!"
Como pedido, um deles, Phyl, deixou a caixa maior e foi de encontro à caixa menor. Teve de se agachar para poder dar-lhe uma boa vista de olhos.
Phyl: "Diz 'Campainha Divina'."
Set olhou para Quill à procura de uma opinião do especialista.
Quill: "Tenho ideia de não ser valiosa."
Set concentrou-se de volta na inspeção de Phyl.
Ele retirou os pedaços de fita-cola que revestiam o topo da pequena caixa e separou a tampa do resto da estrutura. Phyl afundou a mão na caixa e tirou de lá um...sino.
Set: "Perdão, Phyl os meus olhos podem estar a enganar-me com a distância, mas..."
Phyl: "É um sino. Dourado. E um bem interessante, por sinal."
Confirmou do fundo do atrelado.
Um sino. Um sino de ouro limpo com uma campainha intacta a aparecer por baixo. Nada de valor. Quill devia partilhar do pensamento de Set pois ele nem piou. Nem ninguém do seu grupo.
Exceto Yaib.
Yaib: "Oh, interessante. É pequeno, prático de levar. Podemos trazê-lo."
Set: "Cerril e Phyl, levem apenas a estátua!"
Yaib: "O quê?"
Phyl: "Tens a certeza? Pode ser boa decoração. Também é apenas um sino."
Set: "Tu ouviste-me! É para deixar para lá!"
Repetiu a ordem com mais ênfase.
Intimidado, Phyl virou as costas a Set e pelos vistos fechou a tampa a seguir a voltar a colocar o sino onde ele devia estar.
Yup, não ia arriscar a vida por um sino para agradar Yaib. Um supérfluo sino. Ainda por cima quando só uma pessoa se importa com ele. Ok, pensando bem, até são duas...o Phyl também estava interessado e um pouco relutante em deixar o raio do sino, vá se lá saber porquê...
O seu vice-capitão deve perceber que insistir em hora de stress seria pouco recomendável, por isso é capaz de ter engolido o seu orgulho e mantido o choro para si.
Cerril e Phyl puseram-se em posição de erguer a caixa grande.
Boa.
Sendo assim, poderiam preparar a sua evacuação.
Set: "Ok, pessoal! Podemos evacuar!"
Disse, a virar o olhar na direção da manada de subordinados seus com as vidas do grupo de Quill pelo fio de um gatilho.
Set: "Vamos fazer como planeado e-"
Cerril: "O que foi isto?"
Um som metálico veio de dentro do transporte da carrinha onde Cerril e Phyl começaram a mover a caixa.
Um som estridente.
Um som de algo a cair.
Set girou em torno de si.
Observou a comoção atrás de si. Phyl e Cerril tinham pousado a estátua, confusos com o barulho e a leve sensação de que algo tinha caído no chão. Eles olhavam todo o espaço, em redor de si mesmos e do outro.
Antes que eles pudessem notar, Set discerniu ao fundo, fundo, fundo do atrelado um clipe.
Não.
É que aquilo...
Em cima...
Era...
Set: "CERRIL, PHYL SAÍAM DAÍ!"
Os dois nem o ouviam com a realização que tiveram a levantar a cabeça.
A mesma realização que Set teve antes deles.
Cerril: "Merda!"
Phyl: "Foge!"
Phyl e Cerril explodiram numa corrida dirigida ao exterior da viatura, empurrando a caixa sem quererem e deixando-a à beira da queda. A correr para fora do atrelado. Para longe do camião.
Set levou a ação deles como exemplo.
Baixou a arma.
E correu para trás como faziam os seus dois homens.
Correu por entre os seus próprios capangas confusos isento de um local específico em mente como refúgio.
Correu com a sua vida em risco.
Correu a gritar:
Set: "FUJAM! É UMA GRANADA!"
A isto seguiram-se comentários incrédulos que evoluíram para gritos e de gritos para sprints.
Dois estranhos berros de dor ajacentes aos principais de pavor.
E muitos, muitos sapatos a baterem no alcatrão com cada passo.
Dezenas de criminosos a deixarem as pessoas que mantinham de reféns sem hesitação.
Certos a deixarem cair as suas armas de fogo com a pressa e choque do aviso.
Afinal, eles sabiam que a vida deles era mais importante do que a missão.
Eles não queriam estar perto da explosão da granada que Set viu no teto e as reações de Phyl e Cerril confirmaram ser uma granada.
Uma granada no teto de um camião.
Com uma explosão que poderia concretizar uma reação em cadeia com o camião como um todo da qual restaria nada.
Perante isso a estátua era insignificante.
A morte de Quill seria insignificante.
Quill...
De alguma forma, não sabe como não sabe porquê, mas, no meio da gritaria e no som dos passos desenfreados, jura ter ouvido uma voz.
Solene.
Séria.
Calma.
Lenta.
Isenta de mentira.
A voz de Quill:
Quill: "Matem-nos agora. Deixamos a análise dos danos para depois."
Em meado à confusão, distinguiu-se o ruído de armas a rasparem no chão presumivelmente com a sua recolha, o clique distinto dos pentes e dos carregadores a serem inseridos.
E é claro...os disparos.
Dezenas.
Vários.
Demasiados.
Disparos.
Grunhidos de dor.
Disparos.
Berros guturais.
Disparos.
Sangue a pingar para o chão.
Disparos.
Pessoas a cair violentamente.
Disparos.
Pessoas a gritar pela sua vida assim que as balas mordiam a sua carne e perfuravam no seu ser.
Disparos.
Morriam.
Set tinha a certeza que os seus subordinados estavam a morrer.
Disparos.
Aos poucos.
Disparos.
Um a um.
Como um coelho num campo de caça.
Mas ele não parava.
Mas ele não olhava para trás.
Mas ele não parava para processar o que estava a acontecer, o que os seus ouvidos sentiam, o que estava a assaltar, o que o invadia, o que Quill estava a fazer, este massacre...
Set corria e corria.
E só parou quando viu um beco na parede, se esgueirou e encostou-se à parede em meado à chacina que, por muito que não conseguisse ver, era sentida.
Ele agachou-se acompanhado de um suspiro pesado. Pôs as suas mãos nos joelhos como suporte. Subitamente nada parecia o que tinha sido. Caramba, desde quando é que ficou surdo? As suas pernas doíam.
Ao que parece, o efeito da adrenalina passou. A adrenalina consegue mascarar a dor enquanto atua. O problema surge quando o efeito passa. Quando a onde de dor muscular o atinge como...como...como uma bala.
Da mesma maneira, regressou o som. De uma vez só sentiu tudo. Os tiros. Os gritos. Mais uma vez ele conseguia experienciar através da sua audição a dor das pessoas que confiavam em si. E era...digno de o urgir a vomitar ali e agora. A cacofonia de ruídos indistinguíveis com as suas preces indistinguíveis é que se renderizaram como tamanha preocupação ao ponto de o fazer incapaz de pensar e de sentir outra coisa senão...as vozes em sofrimento...os tiros...a carne humana a ser rasgada com pedaços de chumbo e metal...o massacre das pessoas que jurarar proteger...
...o massacre de mais do que os seus subordinados...
...o massacre dos seus amigos.
Ele continuava com a pistola na mão. Raios partam. Correu o equivalente ao que corre em uma semana em menos de um minuto, ouviu os seus amigos a morrerem, presenciou a chacina do seu grupo, sentiu a derrota à flor, essa prova máxima do seu fracasso como líder e a pistola nunca deixou a sua mão. Pelo contrário, segurava nela firmemente. Como a única coisa que sobrasse no universo. Como uma relíquia.
Sim, uma relíquia.
A pistola era uma relíquia do passado.
Que esteve lá nos pontos mais altos e nos mais baixos.
Como agora.
Curioso.
Não estava à espera que com a perda da adrenalina também ficasse a par da merda que vai dentro de si.
Nem de sentir as lágrimas a escorrerem-lhe na bochecha.
As lágrimas que devem ter estado o tiroteio inteiro a acompanhá-lo.
Set levantou a cabeça com as maçãs do rosto molhadas. As suas pernas tremiam. Tremia de medo. E com nervosismo. De morrer. De falhar completamente. Se bem que essa é garantida.
Quer dizer, os vislumbres providenciados pela fresta da entrada do beco garantiam isso.
Uma pessoa a cair no chão sem vida com um tiro nas costas.
Um homem familiar coxo com uma bala nas costas a fazer de tudo para sobreviver com o que lhe sobra.
Alguém a rastejar com uma perna arrancada pelas rajadas de disparos dos monstruosos homens do Quill.
Alto a fugir e a disparar de volta contra os seus opressores.
Tudo para de seguida ser inundado por uma chuva de balas que o derrubou.
Até Alto perecia.
E como Alto outros caíam.
Todos morriam.
Todos morreriam um dia, mais cedo ou mais tarde.
Ninguém esperava é que esse dia fosse hoje.
Hoje.
Quando tinham tudo para dar certo.
Nada disto deveria ter acontecido.
Aconteceu porque...
Porque...
Porque Set falhou em perceber.
Esqueceu-se que, ao ficar a olhar os outros de baixo, eles poderiam contra-atacar vindo de cima.
A granada estava no teto.
Não explodiu.
Misteriosamente nenhuma explosão se seguiu após à queda do pin, e disso Set tem a certeza mesmo com a orgia de sons que o esfaquearam de um instante para o outro.
Não importa.
Foi a deixa deles.
Foi o que fez Set e o seu grupo virar as costas ao claro inimigo.
Forneceu-lhe o tempo necessário para os matar de forma cobarde.
Com balas nas costas.
Quill: "Não os deixem escapar! Matem todos! Separem-se se for necessário!"
A voz imponente de Quill penetrava nos ouvidos de Set como agulhas. Surgia alta. Perfurante como as balas das armas que se recusavam a parar de vir.
Ele era a prova do seu falhanço.
E a sua voz relembrava-o disso.
Mesmo sem o escutar a dizer, quase que conseguia imaginar o seu rosto isento de empatia a dizer-lhe:
"Desiste."
"Não há nada a fazer."
"Acabou."
"Tu falhaste."
Set sentiu a pistola com uma vivacidade nunca antes experienciada. Com os seus dedos e palma da mão a sentirem a superfície porosa da pega, o seu dedo indicador em contacto com o gatilho suave. Que escorregava sobre o seu dedo. Que cantava uma melodia encantadora de um final rápido. Que o seduzia.
Ele levantou a pistola.
Então, o corpo de uma mulher desabou precisamente na boca do beco acompanhada de um estouro num lugar distante.
Uma mulher.
E o seu boné que caiu uns metros à frente ao mesmo tempo que ela.
Vegh.
Ela tinha a sua cara virada para dentro do espaço intersticial entre os dois edifícios.
Por isso é que Set a conseguia identificar...
Com um corte na sobrancelha. O lábio rebentado. Manchas de sangue no tecido das calças que cobriam a sua perna esquerda atingida com uma bala. E a parte da sua cara que tocava no chão totalmente rasgada. Aquilo não foi só uma simples queda. Foi uma queda seguida de um ligeiro deslize que estraçalhou a sua bochecha direita.
Mas ela estava viva.
Os seus olhos estavam cheios de lágrimas.
Mas ela respirava.
Com grande dificuldade.
Mas falava.
Vegh: "S-S-Set..."
Set: "..."
Dizia a sussurrar por entre o sangue que vertia da sua boca e as rochas do passeio que se puseram entre os seus dentes com o curto trajeto em que o seu corpo foi esfregado contra o rígido solo de pedras.
Por alguma razão, Set conseguiu filtrá-la enquanto rodeado por o equivalente à explosão de centenas de fogos de artifício.
Set: "..."
Vegh: "Set..."
Set: "..."
Vegh: "Por favor..."
Set: "..."
Ela piscou os olhos com grande dificuldade, vertendo mais lágrimas do que as que já desciam a molhar a calçada.
Vegh: "P-Por favor...salva-me."
Set: "..."
O lábio de Set tremeu, comovido.
Prestes a falar.
Set: "Vegh. Eu-"
Vegh soltou um grunhido de dor.
Set demorou, mas viu que alguém pisava a perna dela.
Alguém enorme. De fato e gravata. Com uma pistola cujo nome Set não se importava naquele momento. Afinal, tinha analisado-o o suficiente para saber que ele era um dos homens de Quill. Ali para concluir o seu trabalho.
Era o brutamontes do grupo.
Este passou o pé da perna diretamente para a cabeça de Vegh. Ele pousou a sola do sapato com força na orelha exposta da mulher e pressionou-o, ganhando uns gritos assustadores dela que começava a sentir as pequenas pedrinhas do chão a cravarem-se na sua pele, nas suas feridas expostas e cortes profundos no rosto.
Por fim, ele mirou a arma na cabeça dela e, sem hesitar, disparou.
Os berros cessaram mal as duas balas projetadas perfuraram o olho esquerdo que a mulher tinha longe do duro chão e no fundo do seu crânio.
Causando a cegueira da mesma com a infiltração da bala de ferro no meio do glóbulo ocular dela.
Provocando a derradeira perdição dela através de um buraco escavado na cabeça dela pela bala que percorreu até ao cérebro.
A última sendo o tiro decisivo.
Certeiro.
O fatal.
Mais nada ali depois daquele tiro.
A missão do gigante foi cumprida com sucesso.
E Vegh morreu de forma pouco cerimoniosa ou gloriosa.
O tratamento que o seu cadavér recebeu post-mortem ecoou essa falta de respeito.
O grandalhão simplesmente deixou-a quando viu que a tarefa tinha sido cumprida.
Menos uma pessoa.
Precisava de encontrar os que escaparam.
E quem diria que não precisaria de procurar muito.
Quem diria que tudo o que precisaria de fazer seria virar a sua cabeça oval para o lado.
Brutamontes: "Quem diria..."
Murmurou para si, a colar os seus glóbulos oculares na figura escondida na fraca escuridão da entrada daquele corredor situado entre dois edifícios.
Brutamontes: "O capitão está aqui escondido enquanto os seus homens morrem. Enquanto eles caem um a um consumidos pelo chumbo das balas, tu escondes-te como um cobarde."
Disse a cuspir cada insulto.
Set pôs as duas mãos concentradas em manter a Glock sob controlo.
Brutamontes: "Não te vou simplesmente matar. O Quill gostaria de te ver. Credo, acho que o Zeke também."
Set respirou fundo. A segurar a pistola em baixo, ele desapegou-se da parede. Moveu-se de modo a encarar o inimigo frente a frente.
Brutamontes: "Sabes que mais? Tu vens comigo. Mas só se te portares bem."
O homem engravatado deu um pas-
Set deu dois tiros num saque rápido.
Um na mão do brutamontes, fazendo-o soltar a sub-metralhadora.
Um no seu peito, desiquilibrando-o.
No fim, o homem andou para trás, deu com o calcanhar no ombro encalhado do cadavér de Vegh e caiu de costas do passeio em cheio para a estrada com um estalar de ossos.
O corpo dele a misturar-se com as dezenas de corpos das pessoas que ele ajudou a matar.
Por sua vez, Set expeliu a tensão do momento com um suspiro.
Aliviado por ter conseguido concretizar o seu ataque ambicioso e por saber que não teria atraído nenhuma atenção indesejada com o barulho dos seus disparos, que não teriam passado de apenas mais alguns num mar de outros.
O capitão levantou a cabeça juntamente com a sua pistola.
Deu uma última olhada no corpo da sua colega.
Percebeu o porquê de ter agido como agiu ao ver o rosto boquiaberto de Vegh com uma bala alojada na íris do olho dela e outra metida algures dentro do buraco em cima da sua orelha.
Sim, ele está encurralado.
Sim, esta é uma batalha perdida.
Sim, vai morrer como morreram e ainda morrerão muitos outros.
No entanto, não vai morrer com o remorso de que poderia ter feito mais.
Se vai morrer, que seja a matar Quill.
Set saiu do beco e virou a cabeça para a direita.
Reparou mais uma vez nos corpos.
Corpos espalhados nas posições mais variadas, alguns com membros a menos, alguns com armas nas mãos, alguns sem as mãos.
O sangue de cada um contribuía para perfazer a pintura daquele quadro macabro pintado de vermelho sobre uma base escura. Quer estivessem esquartejados em cima do passeio, como Vegh, quer no meio da estrada, como Alto e o seu corpo atolado de balas, todos definiam a derrota de uma pequena parte de Set. Em conjunto, delineavam a derrota do todo.
Acontece que o grupo não ia morrer enquanto Set estivesse vivo.
Então, ele virou a cabeça para a esquerda.
Saltou-lhe logo à vista como a rua estava vazia. Cheia de corpos estendidos...decerto. Mas quanto a pessoas vivas, quanto aos homens de Quill, nada. Realmente. O capitão deles tinha ordenado que se separassem e exterminassem os subordinados de Set.
Relembrar-se disso causava um aumento exponencial da sua determinação em matar o alvo que ele próprio tinha esperado a sua vida inteira para punir.
A tira de espigão apresentava-se estendida no chão ao pé de uma mulher morta sem uma perna. A espiga. Nem deu por ela com a sua corrida desenfreada. Ainda assim, a julgar pelos seus espinhos manchados de sangue, subordinados seus devem ter se espetado na confusão da corrida.
Além da tira, sepultado, estava o camião com as portas traseiras do atrelado abertas. Lá dentro residiam a exata dupla de caixas que tinha visto. A mais valiosa. A outra inútil.
E dois estranhos pedaços escuros encontravam-se...deitados no chão do atrelado. Dois...corpo carbonizados? Phyl e Cerril? Como? Não, não poderia. A sua visão podia estar a pregar-lhe uma partida. Prefere deixar essa questão de lado, por ora.
Volta a focar-se nas duas caixas ao invés dos dois conglomerados negros com forma humanoide.
E em quem se encontrava de costas para aquela mina de dinheiro: Quill.
Pois aquele sacana estava a olhar para Set de olhos arregalados.
Num olhar que entoa a dúvida de como é que o capitão daquela duas dezenas de homens não morreu como a maioria do seu grupo.
A resposta era óbvia: foi tudo por pura teimosia.
Set via o alvo.
O alvo via-o.
Quill não fazia nada.
Perante isso, Set apenas interpretava uma oferta generosa que podia entregar-lhe a vida do líder como bem quer.
O líder da gangue ia encurtar a distância entre si próprio e a personificação de tudo o que odeia.
Isto foi antes de o seu ombro ser alvejado.
Set levou uma das mãos com que segurava à pistola ao local. Reparou como o sangue espirrava e manchava os seus dedos. Mas não foi atingido. Apenas teve a sua roupa e pele da região rasgadas. O tiro passou de raspão.
Ele olhou para trás e-
Brutamontes: "Esquece a oferta! Morre!"
Balas seguiram em rajadas. O autor: o brutamontes de costas estiraçadas na estrada.
Set agachou-se e meteu-se a correr pelo passeio para o mais longe dali possível. O passeio estav livre de corpos, no geral. Reconhecia que não era mais rápido que uma bala. Sabia que o melhor a fazer era rezar para que não fosse atingido. Disparar de volta atrasá-lo-ia. Aumentava a chance de morrer como Alto.
Ainda bem que assim o fez. Senão não teria sobrevivido o suficiente para avistar outro beco e lá entrar após um salto desajeitado.
Set rebolou para dentro do espaço claustrofóbico a segundos de ser comido pelas amálgamas de chumbo que saíam da sub-metralhadora do brutamontes. Não pode. Ele tem a certeza de ter acertado na mão dele. A arma caiu no processo.
A não ser que...
É claro. Está em combate com um assassino de uma gangue criminosa. É claro que ele teria uma arma suplente. Calhava que era a arma que Quill estava segurar nos minutos antes de ser traído. Aspeto curioso esse.
Tão curioso como o facto daquele membro menor do grupo inimigo conseguir cumprir a ordem que nenhum dos próprios homens de Set conseguiu ou teria conseguido seguir: o de manter uma arma sempre por perto.
Falando nisso, ele não lhe acertou um único tiro. Pode ter sido sorte? Pode. Pode ter sido azar dele? Pode. No entanto, a maneira como ele tranquilamente matou Vegh disse tudo o que Set precisava de saber. Aquele homem era experiente com a arma. Familiarizado e amigo da morte.
Tudo desde que a arma estivesse na sua mão direita.
Infelizmente, um certo alguém instalou uma bala em cheio nela.
O destro terá de se contentar com a sua mão mais fraca.
E de ficar com a tarefa de o matar com uma bala no peito.
Por sinal, como é que ele ainda consegue ter energia para o tentar assassinar? Como é que ele ainda sequer está vivo? Terá assim tanto músculo debaixo daquele fato que uma bala fica ali bloqueada como um inseto numa engrenagem?
Dito isto...porque é que Set correu para este beco?
Ele levantou-se a seguir à sua entrada atribulada que lhe custou um mau jeito nos tornozelos e apercebeu-se que nem conseguia estender o braço para o lado de tão próxima que estava a parede. Sentia-se ensanduíchado entre aqueles dois prédios. Em retrospetiva, talvez tenha feito a melhor escolha possível no calor do momento. O beco onde estava encontrava-se mesmo junto do grandalhão. Foi lá que o alvejou afinal de contas.
Ok, isso não importa agora.
O homem de terno deve estar a levantar-se neste momento. Ou a recuperar-se. De uma forma ou de outra, tem alguns segundos para arranjar uma estratégia. Algo para despistar o guarda-costas e chegar ao chefe.
Set girou em todas as direções e curto espaço à disposição. Para além das paredes de tijolo desleixadamente pintadas e das sopas de líquidos debaixo dos seus sapatos desportivos não havia muito. Exceto se ignorasse o caixote do lixo.
Colorido de verde, a cor do vómito. Retangular. Alto e esguio. Avantajado de rodinhas na sua parte inferior. Uma das quais estava partida, mas não podia reclamar do que estava quase perfeito.
O capitão traído puxou o caixote pela tampa, um notável raio de dor no seu ombro com a carne exposta e uns pedaços de pele em falta acompanharam. Ele fingiu não se sentir importunado pelas dores musculares nos tornozelos e saiu do beco.
Ele enfiou-se atrás do caixote quando as paredes deixaram de o limitar. Mesmo a tempo de evitar os disparos que começaram a vir. Tiro atrás de tiro. Bala atrás de bala. Todos desembocavam no caixote de plástico atrás do qual Set se escondia.
O brutamontes aparentava ter se levantado. No mínimo, ele tinha recuperado as energias, já que ele não parava de atirar. Porra, caprichou ao recarregar a arma.
Set conseguia segurar o forte efetivamente. Ali parado. Rodeado de cadavéres dos seus colegas, amigos de trabalho. Agarrado à tampa do caixote pelas unhas das mãos. Tremendo com cada tiro. Cada furo que ele sabia que estava a ser instalado com cada bala.
Os buracos começaram por serem exclusivos da parte da frente.
Agora começavam a surgir atrás. As balas trespassavam a parede de plástico e os conteúdos nojentos que o compartimento interior escondia para chegar ao outro lado. E Set sentia os fios de ar a passarem-lhe de rasante.
O forte não ia aguentar muito tempo.
Tal como o brutamontes não poderia ficar a encher o caixote de tiros para sempre.
Subitamente, sentiu-se um silêncio local. Só se faziam ouvir barulhos distantes de tiros. Nada deles na proximidade, contudo.
Agora.
Set puxou o caixote para a frente. Agachado, ele foi avançando metro a metro de encontro ao capanga de fato e gravata. Apressado, passando por cima de mãos e pernas de ex-colegas.
Quill: "Tem calma com ele. Vê se o trazes até mim vivo."
Gritou ao longe, fazendo-se ouvir em meado aos ocasionais tiros que soavam à distância.
Brutamontes: "Entendido, chefe."
Teve coragem de levantar a cabeça da barreira esburacada, a tempo de perceber a sua proximidade com o homem em pé a recarregar o pente da arma rodeado de cadavéres esquartejados e de uma cama de balas de pólvora seca, de mão ferida em cima do buraco esquartejante no seu peito.
O grandalhão terminou o trabalho e apontou a sua sub-metralhadora para a frente.
Mirada à cabeça exposta de um dos últimos membros da gangue criminosa exterminada.
Set percebeu que aquele era a altura perfeita para empurrar o caixote na direção do oponente.
Depois de o fazer, moveu-se para o lado.
Apontou a sua Glock para o gigante.
Antes de conseguir disparar, arregalou os olhos ao ver que o brutamontes não só conseguiu segurar o caixote para o impedir de o atingir, como também o balançava agora como um bastão improvisada.
Set deitou-se no chão, deixando o pedaço largo de plástico passar-lhe por cima ao mesmo tempo que o assassino grunhia com o esforço que puxava a ferida no seu peito ao limite.
No processo, líquidos e sacos de conteúdo duvidoso voaram pela tampa.
Nenhum foi para cima de Set. Ficaram a centímetros dele.
Rapidamente, o homem largo voltou a manejar o caixote. Ergueu no ar e largou com tudo para cima de Set que saltou para trás, para cima de um cadavér de um dos seus subordinados. Pedaços de plástico esvoaçaram como consequência do impacto da arma improvisada já bastante danificada no duro alcatrão. Até a tampa e toda a secção inferior voaram. Era seguro afirmar que não seria possível executar outro golpe daqueles com praticamente metade do caixote fora de comissão.
Set pousou suavemente em cima de um amontoado de sacos pequenos que tinham vazado com o ataque anterior.
Numa rapidez semelhante à que o inimigo demonstrou na última investida, Set disparou freneticamente no grandalhão. Para o azar do capitão, a destreza de luta deste subordinado forneceu-lhe o bom senso de proteger a sua cara e corpo, no instante após perceber que o seu ataque falhara, a aproveitar o caixote como escudo num movimento parecido com o do inimigo. Desta forma, as balas destinadas ao seu torso foram empatadas pela superfície desgastada do que sobrou do caixote.
O problema é que, ao contrário de uma sub-metralhadora como a do homem enorme, a munição de uma pistola gasta-se rápido.
Set estalou a língua assim que os cliques da pistola, indicadores da ausência de balas, soaram.
Por outro lado, o brutamontes largou a carcaça verde furada de plástico e desatou numa corrida que encurtou o espaço entre ele e o sobrevivente do massacre.
O homem menor deixou-se assustar pela visão de um gigante a ir de encontro a si como um touro com chifres ataca a presa. Tanto que reagiu por instinto. E não se orgulhou muito do que fez a seguir.
Todavia, no minuto em que deu por si a pegar num saco do lixo das suas proximidades e a arremessá-lo, era tarde demais.
A sacola escura explodiu em cima do humano enfurecido numa chuva temporária de latas de metal, restos de comida indistinguíveis e líquidos pegajosos. A pessoa atingida reclamava e bradava com os olhos fechados numa tentativa de impedir a infiltração dos conteúdos na sua retina.
Ele levou as mãos à cara. Esfregou e esfregou as suas bochechas e pálpebras vezes sem conta. Tudo sem um indício de sucesso aparente em vista.
O que significava que este estaria distraído por algum tempo.
O que também significava, acima de tudo, que Set poderia concentrar-se em matar Quill.
Pena que ele se encontrava fora da carrinha com as caixas e as duas formas escuras, à distância com a sua própria sub-metralhadora na mão. Não a que usava há momentos atrás. Confirmava a sua suspeita de que a que o homem musculado usava era a do seu capitão.
Mas de que é que isso importava?
Quill tinha uma arma em mãos.
E queria pô-la a uso.
A mirá-la...para Set.
A sério?
Porque é que ele não vai para o cara-
Quill: "Rappart, ataca!"
Brutamontes: "Ah! Seu desgraçado!"
Aproveitando a distração do capitão, o brutamontes acertou com uma cacetada na cabeça do mesmo. Set cedeu à força do golpe, girando por volta de 180 graus. Ironicamente ficando cara a cara com o agressor.
Rappart. É esse o nome dele? Ele ainda está molhado. Sujo. A cheirar mal do seu fato de aparência outrora cuidada. A sub-metralhadora permanecia na mão esquerda dele, pois a sua direita estava com um oceano de sangue em torno de um buraco onde reside uma bala cravada na sua palma.
Set levou a mão à testa. Passou os dedos mais ao lado, traçando a região do impacto. De lá, saiu com os dedos ensanguentados. Bem como a coronha da sub-metralhadora estava. Oh, com que então era permitido recorrer ao combate de curto alcance. Bom saber.
Permite-o jogar no mesmo plano sem se sentir mal.
Rappart: "Tu ouviste o que o capitão disse. Ele quere-te vivo. Por isso, o melhor é cooperar."
Disse, plantado no solo da estrada a abanar a mão direita alvejada.
Set: "Oh, sem dúvida. Por isso é que vocês me tentaram matar como mataram os meus subordinados. Por isso é que tu me enviaste montanhas de tiro depois de dizeres que me querias vivo."
Rappart: "Deste-me um tiro na mão e no peito, seu filho da mãe! Não surpreende que tenha perdido a cabeça!"
Insurgiu-se a levantar a voz.
Rappart: "E não é que sejas muito necessário! Se te conseguíssemos capturar vivo ficaríamos felizes! Se não te conseguíssemos capturar vivo, a vida seguiria normalmente! Então não ajas de modo altivo!"
Rappart esfregou a mão envolta em sangue nas suas calças escuras enquanto arrefeceu os seus ânimos.
Set: "E qual é que é o interesse? Mostrar que me derrotaram? Sou famosinho, não sou famoso. Já para não falar que se queriam um troféu da vossa vitória poderiam levar a minha cabeça numa estaca."
Rappart: "De novo, não és necessário. És apenas um bónus. E como calhou não teres sido acertado no tiroteio..."
Quill: "Rappart, de que é que estás à espera!"
Rappart: "...prefiro ser eu quem te leva vivo e recebe a promoção!"
Rappart largou a arma e atirou-se para cima de Set, a sua mão intacta aberta como uma garra prestes a abocanhar o pescoço do sobrevivente da chacina.
Para evitar um estrago maior, Set posicionou o braço que suplantava a sua pega na pistola entre o gigante e o seu objetivo. O brutamontes ficou a segurar-lhe o membro errado. A seguir, ele deu um soco na cabeça de Rappart com a sua mão esquerda e...
Rappart: "..."
...nada.
O seu punho ficou afundado na bochecha dele. Como um veículo a bater numa parede de tijolo.
Se bem que, Set lembrou-se que fez o golpe errado.
Set: "Oh, desculpa, não acertei no lugar certo."
Ele espetou o polegar da mesma mão no buraco do peito do assassino. Rappart gritou de dor, livrando-se de gastar esforços a segurar no braço de Set no processo. Abrindo a oportunidade do capitão o finalizar com uma pancada da coronha da sua Glock sem munição na testa do adversário.
Rappart caiu no chão de novo, contorcendo-se de dor. Não demoraria muito a ele ceder e morrer. De uma forma ou de outra, a bala já se deveria encontrar próxima do coração dele. O que o capitão dos subordinados massacrados fez foi empurrá-la. Ao de leve.
Vencido o combate, Set tornou para Quill novamente.
O capitão de Rappart encontrava-se a abrir a caixa maior longe dos aglomerados pretos perto da abertura. Tinha pousado a arma de fogo que vinha a segurar. No lugar dele manejava uma...faca rançosa que abria os pedaços de fita-cola nas arestas da embalagem.
Via-se que ele já tinha dado o seu subordinado como vencedor.
Oh, inocente Quill.
Set começou a caminhar na direção do capitão arrogante cuidadosamente para não profanar os restos dos seus companheiros mortos, ofegante, na maior velocidade que conseguia.
Tirou um pente do bolso e renovou as munições da arma de fogo.
Tinha a pistola preparada para a vingança.
Sirenes soavam ao fundo.
Ambulância.
Polícia.
A rua podia estar deserta. Poderiam não ter havido testemunhas como o Yaib, talentoso e santo Yaib, lhe dissera. Isso não assegurava que o som não viajasse até aos ouvidos de pessoas preocupadas. Não impedia que outros não chegassem, especialmente com uma comoção deste tamanho.
Ele acelerou o passo, com um recém-adquirido sentido de urgência.
Ele mirou a arma enquanto preparava o seu fólego para desatar numa corrida.
A sua visão turvava com o esforço contínuo que vinha a exercer.
Precisaria de chegar mais perto dele para garantir que não falhava.
Que não desperdiçava a oportunidade enquanto ele estava distraído.
Set tinha de estar...
Próximo.
Ele parou ao sentir algo a cutucar as suas costas.
Set respirou fundo, os seus nervos gastos, resmungando:
Set: "Oh, o que é que foi agora?"
Soou o disparo.
A bala entrou nas suas costas.
Set deu de cara no alcatrão.
Set: "Gah....gh...h....."
Saliva nadava para fora da sua boca aberta devido ao choque do metal a perfurar na sua carne e osso.
Foi...acertado.
Deram-lhe...um tiro.
Os sapatos caros de Rappart apareceram no seu campo de visão. Soube que eram os dele, porque mais ninguém se atreveria a usar um calçado requintado como aquele, a não ser que fosse o Zeke ou trabalhasse para o Zeke.
De um instante para o outro, o capitão recuperou o movimento da sua língua até então paralisada.
O seu corpo voltava a despertar do choque.
Set começou também a voltar a sentir...dor.
Um choque de dor.
Ondas periódicas que o atingiam.
Traçar a sua origem permitiu-o adivinhar que foi alvejado nas costas...para ser mais preciso...a bala penetrou no seu rabo...numa das suas nádegas.
E ainda dizem que Set é debochado...
O mundo é que debocha dele.
Se isto não tivesse acontecido, teria de ser inventado.
Porém, esta é uma piada em forma de virtude.
A gordura da região, querendo ou não, aparou a bala e travou-a no seu percurso, impedindo-a de o magoar mais ou causar danos nefastos.
Gostava que Yaib tivesse visto isto: uma piada a salvar uma vida.
Rappart agachou-se.
Não ao ponto de Set o conseguir ver do tronco para cima, contudo.
Rappart: "Agora não deves chatear mais. Pelo menos não andarás mais."
Recuperou o controlo de toda a sua cara.
Dedos da mão.
Das suas mãos.
Já conseguia sentir a cara pálida de um dos corpos de um subordinado seu em que a sua mão esquerda caíra.
Já conseguia sentir a pistola que Rappart não deve ter descartado por estar com pressa e por ainda julgá-la vazia de munições.
Bom manter isso em mente.
À parte de tudo, faltavam os membros inferiores e teria o corpo inteiro à disposição.
Rappart: "Bem, o mínimo que te posso fazer é dar-te boleia."
Só mais um pouco.
Mais uns momentos para poder voltar a andar.
Para erguer-se.
Até então, deixaria a boca aberta.
A saliva a fluir.
Dedos e mãos imóveis.
Enganá-lo-ia.
Consumiria a sua ilusão de que estava paralisado da espinha para baixo.
Até porque se ele estava a disponibilizar-se a dar um bilhete de ida para junto de Quill, seria rude recusar.
Rappart: "Anda. Vamos lá."
Por muito que não sentisse as suas pernas, teve a leve impressão de que elas tinham descolado do chão. Rappart estava a agarrá-las. E o facto de sentir o seu tronco e cabeça a girar indicavam que ele estava a arrastá-lo na direção em que ia em primeiro lugar.
Como é que aquele tipo sobreviveu?
Set ponderava essas questões quando as pequenas pedras da estrada raspavam na sua bochecha colada ao chão à medida que era arrastado em curtas rajadas de força. Foi o que lhe valeu para evitar que acabasse com metade da cara queimada...como Vegh ficou.
Encalhou com alguns obstáculos. Cadavéres. Até que era bom não conseguir ver quem eram com a sua cara colada ao chão. Apenas o distrairia naquela boleia pausada.
O homem sempre precisava de descansar. Não é de estranhar. Com uma bala no peito e outra na mão, sem contar com um possível corte na sua testa devido à pancada que Set entregou com a coronha da pistola. Mesmo assim, era impressionante a sua resistência. Mais impressionante do que isso apenas o toque especial do Zeke para escolher os seus subordinados.
Cennel.
Marth.
Sec.
E, por muito que custe admitir, até Quill.
Todos mereceram a posição que têm.
Set é que não consegue perceber como é que conseguiu a sua posição de sobrevivente quando outras pessoas melhores morreram.
À medida que o percurso continuava, permanecia na mesma.
Sem resposta.
Certo.
Mas...quem disse que precisa de haver uma resposta?
Não quando foi um claro infortúnio.
Quando Rappart confirmou que não pretendiam poupar ninguém.
Quando rajadas de balas voaram para as direções mais aleatórias.
Quando qualquer um poderia ter sido acertado.
O destino de todos estava no ar.
Era como atirar uma moeda ao ar.
Calhou que Set sobreviveu a aposta.
E, se sobreviveu, era porque poderia fazer o que os outros não podiam.
Poderia vingá-los.
No fim do dia, seria isso o mais importante que levaria desta noite.
Quill: "Bom, trabalho Rappart."
Disse, ao mesmo tempo que sons de passos deixavam cliques no alcatrão mais do que seco.
Rappart: "Sem problema, capitão."
Retorquiu a parar o progresso e a girar Set pelas pernas da mesma forma que fez ao iniciar o trajeto. Ele queria virá-lo na direção de algo. Devia ser uma coisa importante para ver.
Pois é. O espinho ereto diante de si fê-lo imediatamente perceber que estava próximo da tira de espigão.
E Quill também parara ali, uma vez que, do outro lado da meia dúzia de espinhos à sua frente, estavam aqueles sapatos embirrantes.
Quill: "Assegurar-me-ei que o Zeke te recompensará, Rappart. Só preciso é que faças um último favor por mim."
Rappart: "Claro."
Quill: "Importas-te de segurar a cabeça dele sobre um dos espinhos?"
Rappart: "Sem pensar duas vezes, chefe."
O brutamontes segurou em Set pelo queixo e deixou-o suspenso com a garganta prestes a tocar numa aresta pontiaguda pela força dos seus enormes braços.
Set engoliu em seco, a sua maçã de Adão a aproximar-se a centímetros da ponta reluzente por momentos.
Quill: "Consegues falar. Eu sei que sim. Não me enganes."
Set: "Despacha lá isto. O que é que queres de mim?"
Disse com os olhos a apontar para o espinho debaixo do seu maxilar.
Quill: "Eu quero a informação que guardas."
Set: "Ui, tenho muita. Tens de ser mais específico."
Quill: "O que é que sabes sobre o Vulher?"
Set até se esqueceu que tinha um espinho debaixo da sua cabeça por breves instantes. De olhos arregalados, olhou para cima, para a cara séria de Quill.
Set: "Só podes estar a brincar? Tudo isto por esse homem?"
Quill: "Trabalhaste para ele, não trabalhaste?"
Set: "Sim, mas foi por tipo...5 MESES!"
Quill: "O suficiente para saber o essencial dele."
Set escarneceu do comentário.
Set: "Ouve, já percebi o que queres. Pretendes que eu diga tudo sobre o meu antigo chefe para saberes mais das atividades rebeldes que ele está a planear com o maluco do Reyner. Eu entendo. A sério. Deves mesmo querer fornecer algo útil ao Zeke para além de uma estatueta e de um mísero sininho, mas presta atenção no que eu vou dizer agora com todas as palavras: eu não sei nada. Saí de lá antes do representante do vosso comprador o ter abordado e de ele o ter matado, ok? Eu não estava lá quando ele se recusou a juntar à causa do vosso mecenas, não estava lá quando ele se juntou àquele rebelde que também é o Reyner e não estava lá para ver as reuniões e planos que cozinham! Eu! Não! Sei! Nada!"
Set pôde finalmente respirar.
Quill encarava-o na sua expressão impossível de ler.
Uma expressão, apesar de tudo...igual.
Nem dava a entender que as palavras lhe tinham entrado pelo ouvido.
É bom que ele melhorasse a sua audição, porque as sirenes estavam mais próximas.
Não era só mais um barulho distante que cortava na explosão dos disparos.
Após praticamente um minuto de indecisão, causando grande agonia para Set que permanecia a centímetros da morte, Quill falou:
Quill: "Estou a ver."
Set rebentou de raiva pela espera anticlimática:
Set: "Oh, a sério? 'Estou a ver'? Tanto para dizeres isso? Que mais é que te tenho de dizer? Eu não tenho nada que tu queiras! Não sei nada do Vulher e não quero ter nada com ele! Tens a minha presença neste instante como prova viva disso! Eu próprio fiz questão de sair daquele grupo! Odiava o rumo que ele estava a levar as coisas! Portanto fiz o esforço de criar o meu próprio grupo com alguns membros da gangue original que partilhavam da mesma opinião que eu e bazámos! Tens prova maior do que essa?"
Quill: "Não, não tenho. E é por essas e por outras que acredito no que dizes. Não tens nada a oferecer. Rappart, podes matá-lo."
Rappart: "É para já."
Com que então é a isto a que tudo se resume?
Podia ter dito mais cedo.
A preceder o próximo passo de Rappart, Set quebrou a façada autoimposta e, confiando no seu instinto, enfiou um pontapé no meio das pernas do brutamontes sem tirar o olhar do rosto de Quill, a grande custo de um choque de dor no seu traseiro.
Os dedos de Rappart descolaram-se do seu rosto dado o seu recuo em dor como consequência do admitidamente golpe baixo.
Set meteu-se em pé.
Estendeu a mão com a pistola para a frente.
Quill estava à sua frente.
Do outro lado da tira de espigão.
Petrificado.
À sua mercê.
De sobrancelhas arqueadas.
Afinal ele sempre é capaz de mostrar sentimentos, mesmo que seja no último momento da sua vida.
Rappart: "Nem penses!"
O grandalhão envolveu o bícep de um dos seus braços à volta do seu pescoço. Com a sua mão livre, empurrou a pistola para cima, desviando o disparo que saiu sem rumo caminho ao nada do ar noturno. O brutamontes agarrou o seu braço, continuamente mantendo a arma apontada para o cima de forma a evitar que ele acertasse em Quill.
Quill, por falar nele, estava também a dar aquela luta como garantida. Ele virou as costas ao confronto deles. Caminhou para trás. De volta às traseiras do camião. Onde agora estava a caixa grande aberta, distante das massas negras da entrada.
Revelando que a estátua que ela guardava era a estátua...de um ser humanoide...
...de um demónio, como o nome sugeria.
Set nem consegue acreditar que confiou nas descrições de todos e seguiu esta missão, cegamente a confiar no valor da peça sem sequer ter visto antes a peça.
Esta era a primeira vez.
E a última.
Rappart: "Adormece. Vai ser mais rápido assim. E menos doloroso."
As palavras de Rappart começavam a parecer sedutoras.
Semelhantes a uma melodia de embalar.
Era impossível inspirar.
O músculo dele à volta do seu pescoço assegurava-se de tal.
Sentia as pálpebras pesadas.
A pega na pistola incerta.
Set conseguiu pressionar o gatilho outra vez, no desespero de arranjar alguma coisa que distraísse Rappart por um segundo que fosse.
Nada.
Nada o tiraria daquela missão.
Nada o iria impedir.
Nada iria tirar aquele obstáculo do caminho.
Set tinha uma estratégia, mas...
...não tem a certeza se conseguirá executar a sua estratégia...
...com tão pouco tempo...
...e com tão pouca força.
Ele andou para a frente e para trás na ponta dos dedos, já que o braço que o sufocava erguia-o ligeiramente do chão.
Dificilmente, Set conseguiu virar para o lado, dando outro disparo para manter o adversário concentrado na tarefa literalmente em mãos.
O capitão empurrou pela ponta do pé o seu corpo e o de Rappart.
Fê-lo girar mais um pouco sobre o seu eixo.
Virou-o ao contrário.
Inverteu o lado para onde ele e o inimigo olhavam.
Conseguiu pô-lo de costas para o camião.
E para o seu chefe.
No meio disto tudo, dos disparos e da sua resistência, conseguiu distraí-lo do facto que agora o brutamontes também estava de costas para a espiga.
Então, Set atirou-se para trás, todo o peso do seu corpo dedicada a um último lance que surpreendeu Rappart.
No final, eles caíram para cima da tira de espigão.
Set em cima do corpo de Rappart.
E Rappart...bem...em cima dos espinhos.
O capitão reflexivamente inspirou fundo sem a pressão do braço a sufocá-lo.
Levou a mão livre a sentir as marcas deixadas na parte até então restringida.
Tossia levemente, à medida que a sua visão voltava a todo o vapor juntamente com o seu sentido de tato.
A pistola.
Agarrou-a firmemente para nunca mais a largar.
Recuperado o seu norte, Set olhou para o corpo em cima do qual estava sentado.
Ou melhor, do cadavér em questão.
Pobre Rappart.
Espinhos protuberavam no seu corpo. Visíveis sob a forma de elevações e declives ao longo do seu braço estendido, peitoral, estômago e tantos outros locais. Havia algumas pontas metálicas a sair de dentro da sua perna e braços, no entanto, como estacas a mantê-lo no lugar. A roupa e o seu torso, no geral, é que eram tão grossos que os espinhos apenas se espetavam, mas nunca perfuravam de um lado ao outro. Uma vantagem, pois ilibavam Set de também ser espetado com a queda.
Por outro lado, a parte negativa é que...Rappart teve de morrer.
Set observou a cabeça dele. A parte do seu corpo que, tal como as suas pernas e braços, não era tão grossa como o seu tronco. Um espinho saía da sua testa já cortada devido ao golpe de Set com a coronha da sua arma. A sua boca encontrava-se aberta, como se ainda tivesse algo a dizer, com outro espinho metido no meio dos seus dentes. Olhos postos no céu escuro da noite. A contemplar, sem rumo, o que nunca teve a oportunidade de conseguir.
Merda, não queria matá-lo.
Odiava matar sem propósito.
Mas desta vez tinha uma razão.
Deu-lhe mais do que uma oportunidade de ele desistir.
Fez de tudo para despistá-lo.
Não pode dizer que nunca lhe deu uma chance.
O problema é que quando se defende tão veemente alguém terrível como Quill, essa pessoa desce ao nível da pessoa que protege.
E, como tal, também merece morrer.
Por isso é que Set decide não amuar com o seu assassinato a sangue frio.
Porque a morte de Rappart lembrou-o que este ato hórrido apenas terá sentido se Quill morrer.
Tal como a morte de todos os subordinados de Set apenas terão propósito se forem vingados.
É isso o que mais importa.
O agora.
E o que vem a seguir.
Set levantou-se em cima do cadavér, enérgico, ignorando o disparo de dor no seu traseiro resultante do processo. Ele substituiu o pente na pistola, desperdiçado como distração para Rappart, por um novo. O último pente no bolso. Teria de matar Quill com este ou nada feito.
O capitão foi até ao outro lado da tira de espigão, usando o corpo de Rappart como ponte.
Ele saltou para chegar à outra margem. Pousou acompanhado de uma onda dolorosa que o relembrava de todas as feridas no seu corpo.
O mau jeito no tornozelo. O ombro rasgado. O corte na cabeça. A bala metida na sua carne. As feridas psicológicas. Os corpos estendidos no chão. Os corpos atrás de si. Espalhados como lixo.
E o responsável por tudo isto estava mais preocupado a arrastar uma estátua para fora do camião do que em tomar responsabilidade pelas suas ações.
Set: "Parado, Quill!"
Chamou a atenção do homem que parou o que estava a fazer para observá-lo.
Set ergueu a sua Glock e apontou-a a Quill.
Agora não tinha nada nem ninguém entre ele e o alvo.
Nada o podia impedir.
Quill ajeitou os óculos e desceu do atrelado até ao mesmo chão que Set pisava.
A arma do sobrevivente sintonizou-se com o movimento.
Bem como o seu corpo.
Pois Set foi aproximando-se do homem de fato e gravata aos poucos.
Set: "Esta é pelos meus homens, seu desgraçado."
Proclamou de peito orgulhoso, a voz trémula de tanta raiva.
Quill permaneceu imobilizado debaixo da plataforma onde estava a estátua enquanto rajadas de luz vermelha e azul começaram a penetrar nas fachadas dos prédios ao longe.
As autoridades estavam a chegar.
Quill: "Eu sempre te admirei um pouco, Set, por muito que me custe admitir."
Disse inesperadamente.
Set sentiu-se tentado a escutá-lo.
Só mais esta vez.
Quill: "És um subordinado que, insatisfeito com o meio em que te encontravas, se revoltou e tomou as rédeas da sua própria vida. Tiveste a coragem de abandonar o teu grupo e de criar algo maior. De parte do que já fazias parte. Isso é algo que admiro muito. Reconheço como pode ser algo difícil, mas que recompensa."
Set: "O que é que queres dizer com isso?"
Perguntou a encurtar a distância entre eles gradualmente.
Quill: "Quero dizer que a fortuna favorece os corajosos. E é essa máxima que justifica a posição em que nos encontramos neste momento. O facto da Humanidade se arriscar é o que leva às vitórias. Tu pareceste partilhar essa mesma filosofia ao aceitar a minha proposta, mesmo suspeitando que eu te ia trair."
Set: "E ias trair-me. Nem venhas. Sabes isso melhor do que qualquer outro."
Quill acenou afirmativamente com a cabeça.
Quill: "É verdade. Mas também sabia que tu me ias trair."
Set: "Oh, o quê, estamos na época de confissões?"
Set terminou o percurso com a arma estendida a meros metros do alvo.
Set: "É bom que comesses a cuspi-las todas antes de eu me fartar de ti de uma vez por todas!"
Quill: "Estava apenas a constatar que também eu me dispus a arriscar."
Set: "E o quê? Tiveste sucesso e eu não? É isso o que queres? Que eu te dê umas palmadinhas nas costas? Não sei se percebeste, mas agora és tu aquele com uma bala prestes a perfurar na cabeça!"
Quill: "Ambos arriscámos, Set. Tudo por um preço que sabíamos ser justo. E o preço está atrás de mim. Está à tua frente."
A estátua realmente estava à sua frente.
A estátua antropomórfica.
Com tecido vermelho a vendar os seus olhos. com tecido vermelho a cobrir a sua genitalia.
De espinhos pontiagudos feitos da mesma pedra que compunha todo o seu corpo a protuberarem pelos seus ombros, costas das mãos, braços, rosto.
Numa mão, segurava a barriga de uma corrente. Longa corrente estática e moldada a rochas que se estendia até ao chão. Até à extremidade solta que dava azo a um gancho.
Quill: "Vês o mesmo que eu vejo, Set, não vês?"
Questionou-o, calmo e organizado.
Set: "..."
Quill: "O valor inerente à obra. Mais do que o valor artístico. O seu valor monetário. A peça necessária para chegar ao sonho. O dinheiro que ela simboliza era capaz de comprar até as pessoas mais leais. Capaz de sustentar governos. Capaz de tornar pobres em ricos. Capaz de ser o que tu precisas para chegar ao topo. Por ela, pelo que ela vale, tudo é justo. Não concordas?"
Set: "..."
Quill: "É um risco. Não nego que não seja. Mas os benefícios que pode trazer compensam tudo. Fazem com que valha a pena cada minuto em que fingimos ser inofensivos na presença de ti e do teu grupo. Fazem com que as alturas em que fingimos ser submissos à vossa vontade tenham sido insignificantes. E fazem o momento da revelação, o momento em que deixamos de nos rebaixar para mostrar o quão superiores realmente somos em comparação a vocês muito mais doce."
Set: "..."
Quill: "Perante o que a estátua representa, todas a vidas, tanto do meu lado, sob a forma do Rappart, e as incontáveis do teu lado, tornam-se...insignificantes."
Set pausou.
Deixou de tentar ameaçar e limitou-se a beber das palavras de Quill.
A cogitar o que fazer delas, o que achar delas, a sua opinião.
Quill: "É muito para ti, eu compreendo. Perdeste muito hoje. A tua oportunidade pôr as mãos no tesouro. Os teus homens. O teu grupo como um todo. A tua sanidade, aposto. Mas tivestes a sorte de não ter morrido."
O homem engravatado apontou para as duas silhuetas carbonizadas.
Quill: "Aqui os teus dois amigos não tiveram a mesma sorte. Bem como muitos dos teus subordinados que descansam atrás de ti. No chão de alcatrão. Embalados numa canção profunda."
Set: "O Cerril e o Phyl..."
Escaparam-lhe os nomes da boca.
Mas é claro. Eles eram os dois encarregues de transportar a caixa. Ficaram dentro do camião quando Set alertou relativamente ao perigo da suposta granada no camião. É verdade. Veio-se a descobrir que a granada era uma treta. Tratava-se somente de uma isca para fazer Set e o seu grupo stressarem e de Quill e os seus homens aproveitarem.
Portanto, fica a questão...
Set: "O Cerril e o Phyl. Como é que eles ficaram assim? Parecem queimados, mas..."
Quill: "Sim, a granada era uma farsa. Parte de um mecanismo. Um mecanismo que críamos para vos tornar emotivos, desesperados. Mas não vou revelar o funcionamento dele. Apenas fica a saber que, sim, a granada era seca, vazia por dentro. A queda do pin foi programada para acontecer dado um certo sinal. E uma vez que esse pin caísse, nada aconteceria. Era suposto assustar-vos. E conseguiu."
Set: "Então como é que ficaram assim?"
Ponderou, pensativo.
Quill: "Simples. Experienciaram o preço."
Set semicerrou os olhos.
Quill: "No momento em que tu e os membros do teu grupo desataram a correr para se salvaguardarem, puseram a vossa vida à frente do tesouro. À frente da estátua. Puxaram os espólios muito para baixo na vossa prateleira de prioridades. O resultado desse desrespeito é que alguém teria de pagar o preço. E quem pagou o preço desse desrespeito foram aqui os teus dois subordinados. Os outros, por outro lado, morreram por obra de pessoas com as suas prioridades bem definidas. Que puseram o ouro no topo, que mereceram este prémio. E agora vão-"
Set: "Isso é estúpido!"
Expressou de voz carregada a interromper a narração calculada de Quill. Revolta a infiltrar-se na sua lábia. Arma trémula, consumida pelo sentimento.
Set: "Isso é tudo treta! Isso são só desculpas que dizes a ti mesmo, à tua mente perversa! Falas como se as vidas deles não valessem nada! Como se por, na tua opinião, serem inferiores ao valor da estátua justificasse a sua morte! Não! Nada disso!"
Lágrimas escorreram-lhe dos olhos.
Set: "Eu conhecia-os! Conhecia os seus sonhos, aspirações, paixões! Eles eram humanos, Quill! Tal como todos os homens que mataste esta noite! Eles eram pessoas! Humanos! E, mesmo mortos, continuam a ser muito mais humanos do que tu!"
Quill meteu ambas as mão atrás das costas.
Quill: "Porquê? Porque matei? Esqueces-te de que fizeste o mesmo há bocado?"
Set: "Fiz porque não tinha escolha! Todos os que me conhecem sabem que não gosto de matar sem um propósito!"
Quill: "E a estátua é um bom propósito?"
Set: "Sabes? Até era! Era! Era até tanto sangue ser derramado por ela! Era até perceber que...sabes que mais? Nada poderia alguma vez substituir o valor de uma vida humana!"
Quill deu 7 passos em frente.
Chegou a sua cabeça ao cano da arma.
E disse.
Quill: "E vais tentar trazê-los de volta ao matar-me? Soa contraditório."
Set engoliu a própria mágoa e ergueu a cabeça.
Fez as suas mãos pararem de tremer.
Set: "Se é porque soa é porque é."
Quill: "E isto vindo de alguém que só matava com um 'bom propósito'. Diz-me, matar-me só porque eu matei amigos teus é um bom motivo?"
Set: "Sim, porque se não te matar, matas-me tu."
Quill: "Mas não é só isso, pois não?"
Set: "E porque quero. Apetece-me e...nunca, nunca, nunca estaria descansado, vivo ou morto, se não o fizesse."
Quill: "Isso significa que estás ciente de como não falas nada com nada. Estás a contradizer-te. A ir contra os teus princípios conscientemente. Interessante. Nunca pensei vir a aprender algo contigo. Quanto mais ter a minha prova cabal de que os sentimentos humanos não valem mesmo nada. E mais uma prova de como nunca erro com as minhas previsões relativamente ao comportamento dos outros."
Quill perdeu a cor nos olhos.
Quill: "Vá. Mata-me."
Set limpou as lágrimas com a manga da camisa do seu braço esquerdo.
Set: "Há uns minutos que andas a falar de modo estranho, Quill. Faz-me perguntar que parte de ti é que também não será uma façada. Apenas mais uma máscara enganadora. Nisso, pergunto-me: o que é que sobra em ti que é verdadeiro? Mais do que isso: existe alguma humanidade em ti?"
Quill permaneceu em silêncio, frio e inabalável.
Set: "Acho que é uma resposta que nem tu deves ter. Deixando-me sozinho com uma vitória."
Set pressionou a pistola à testa.
Aconchegou o dedo no gatilho.
Quill: "Aí é que te enganas."
Set chegou um pé à frente, determinado.
Quill: "Ficaste tão fascinado com o espetáculo que nem viste a navalha."
De trás das costas de Quill, saiu o braço com a faca. A faca com que desempacotava a caixa a conter a estátua.
Merda, deixou-se levar pelas suas falinhas mansas.
Set apressou-se para fazer o seu corpo reagir, fazer algo além da parede da surpresa que se impunha sobre ele e a defesa da sua vida.
Mas apenas premiu o gatilho quando a faca foi afundada no seu olho direito e já estava em período de queda.
Set: "Gah!"
Quando atingiu o solo, sentiu-se...perdido.
O seu norte tinha desaparecido.
Estava tonto.
A perder sangue feito um louco.
Uma metade de si estava morta.
Nem sabia onde estava.
Não se lembrava de muito.
Sabia o que estava a fazer.
Sabia o que queria.
Sabia que estava...à beira da morte.
Com a polícia no seu encalço.
Do dele e...do de Quill.
Quill.
Quill.
Quill.
Quill.
Quill.
Quill.
Quill.
Quill...
Espetou com uma faca no seu olho.
Ele ia escapar.
Não.
Isso não.
Tudo menos isso.
Set via a escuridão.
Estava com um olho perfeitamente normal e via...preto.
A noite.
Limpa noite.
Aonde todos regressam.
Aonde todos morrem.
Era lá que ele ia acabar.
Não antes de levar Quill consigo.
Set mantinha a pistola na mão.
Ele recusava-se a largá-la.
Ela recusava-se a largá-lo.
Ele sentia-a.
Ela sentia-o.
Ele sabia o que queria.
Ela anuia.
A dor na sua cabeça começava a surgir.
Os nervos pulsavam freneticamente.
O seu cérebro avisava-o das consequências.
Set ouvia tudo, sentia tudo, degustava tudo, cheirava tudo, via tudo.
Portanto também sabia que este seria o seu último esforço.
Set tentou levantar a cabeça e rapidamente deixou-a cair de novo.
Não só estava a suportar o peso dela, como também levantava a faca espetada no seu olho.
Isso era impossível.
Era já impossível agir sem ter plena noção do que fazia.
Agora agir com noção de que estava debilitado na cabeça era cem vezes pior.
Ainda assim, havia o resto do seu corpo por usar.
Set assentou o cotovelo no chão, deixando as rochinhas e pedrinhas trincarem a sua pele, quase como se fosse afundar todo o seu braço até ao centro da Terra.
Ele fez o mesmo com o outro cotovelo.
As duas partes de si empenhadas num esforço hercúleo, unido, coordenado...bem sucedido.
Pelo seu único olho funcional verificou que Quill estava em cima do camião. A pôr as mãos na estátua. A empurrá-la. Antes que seja apanhado a fazê-lo.
Antes que alguém o mate.
Set ergueu a mão com a arma.
A tremer.
A conciliar a dor com a precisão necessária para disparar.
Mesmo tendo o alvo distraído, não podia levar nada por dado.
Como tal, inspirou e expirou suavemente.
O mais suave que podia com uma faca no olho direito.
O seu olho direitor.
Estava em desvantagem.
Em desvantagem em tantos aspetos.
Estava nervoso.
Estava sobrestimulado pelo seu corpo com avisos químicos a anunciar o seu fim.
Estava assoberbado pela dor física.
Estava inundado em memórias de tempos melhores.
Estava ciente do facto de que este não era ele mesmo, que estava a quebrar as suas máximas de alguma forma em querê-lo matar sem grande razão.
Estava confuso.
Essa era outra desvantagem.
Já a vantagem, a sua única desvantagem:
Tinha Quill agachado a tentar levantar a estátua.
Bem vistas as coisas, Quill estava desarmado e Set tinha a pistola na mão.
Não tinha porque não arriscar.
Decidiu-se.
Decidiu disparar.
O problema é que a bala não acertou em Quill.
Acertou na estátua.
E Set encontrou-se envolto em chamas.
Chamas.
Quentes.
Aconchegantes chamas.
Chamas por todos os lados.
À sua frente.
À sua direita.
E, pelo que conseguia assumir com um só olho, até à esquerda.
Quer à frente, atrás, ou à frente, tinha uma parede flamejante a envolvê-lo.
Pois elas também estavam a tocá-lo.
Por muito que não parecesse estavam a consumi-lo.
Tudo porque acertou no alvo errado com o seu olho esquerdo, o seu olho não dominante.
E ainda bem.
Significa que os malditos médicos não o poderão reanimar com as suas aparelhagens.
Significa que não o poderão interrogar ou levar à justiça.
Significa que ninguém poderá saber da vergonha que cometeu para consigo...
...das regras que quebrou.
Até que é um castigo condizente.
Errou para com os seus subordinados.
Portanto irá ter com eles no próximo plano para que eles o julguem devidamente.
Para que possa ser propriamente punido pelas pessoas que mais têm direito de o fazer.
Pela forma como os deixou a morrer sem fazer nada.
Pela forma como dobrou as suas próprias regras para cumprir uma missão que derradeiramente falhou.
Credo, falhou até em matar Quill, mesmo indo contra as suas máximas.
Deve ser isto o que Cerril e Phyl sentiram.
Ao menos sempre obteve a resposta.
Os seus dedos eram incinerados, incrustados, chamuscados, carbonizados.
aos seus dedos seguiram-se os braços, peito, barriga e assim por diante.
Mesmo com a chama a subir-lhe à cabeça, não conseguia parar de ter vontade de se rir com a ironia do seu destino.
Em querer acertar no Quill acertou na estátua.
A peça de nome "O Demónio".
Não conseguia parar de pensar que, no meio disto tudo, talvez tenha acertado no alvo certo.
O JF-25 pode parecer uma estátua à primeira vista. Isto porque o é em aparéncia e função. Contudo, o que o distingue de outras estátuas de rocha é a sua capacidade de envolver numa camada de chamas a quem inflinge dano na sua estrutura.
A figura retratada na estátua é possivelmente um retrato de um ser que existiu nos tempos primordiais, o que explicaria a falta de documentação relativamente a ela. Acredita-se que esta figura seja um JF das épocas ancestrais do mundo. Acredita-se que esta figura tenha tido algum tipo de domínio sobre o fogo, explicando a punição que faz cair sobre os seus agressores.
A estátua é feita de um material rochoso a princípio comum. A sua constituição ainda está por ser determinada graças ao facto do JF-25 ser capaz de queimar todos os que se atrevem a danificá-lo. Apesar de tudo, crê-se que o material seja praticamente inquebrável. Uma vez que, segundo os poucos registos a que se têm acesso, nada, nem os piores golpes, conseguiram sequer originar uma rachadura nos locais atingidos. A bala disparada por Set é apenas um testamento entre muitos à resistência fora do comum do material que reveste a estátua.
O JF-25 não distingue as suas vítimas por intenção. Quer o dano tenha sido infligido com intenção de o acertar ou não, o castigo será o mesmo. De uma forma ou de outra, o indivíduo que o agredir sofrerá com a fúria flamejante das suas chamas escaldantes com temperaturas que superam em muito as de uma chama comum. As chamas começam por envolver o indivíduo como se de uma cúpula incendiada se tratasse até se irem aproximando e fechando em si até envolverem por completo a vítima e a carbonizarem por completo. De fora para dentro até se dissiparem quando o trabalho estiver feito.
As vítimas do JF-25 tornam-se irreconhecíveis com a retaliação da estátua. Toda e qualquer forma que remetesse para a sua humanidade é incinerada juntamente com todo o resto do seu corpo. No fim, as pessoas queimadas tornam-se massas pretas que pouco relembras as suas silhuetas humanas originais.
Set é um exemplo perfeito disso. Por muito que não intencionalmente tenha disparado para a estátua, ao atingi-la com a bala, marcou a sua morte. E efetivamente a morte veio na forma de uma mar de chamas que inicialmente nadava à sua volta até o consumir por completo para formar restos que pouco remetiam para ele.
Cerril e Phyl também acabaram por desrespeitar a estátua apesar de não terem a intenção de tal. No desespero da corrida e de saírem do camião onde julgavam estar uma granada, acabaram por derrubar a estátua. No processo, a estátua, mesmo dentro da caixa, sentiu-se obrigado a castigar o seu mau manuseamento por cercá-los em chamas e os consumir totalmente numa questão de segundos.
Estes foram apenas os três exemplos acercas dos quais temos mais informação sobre.
Muitos cientistas da Fundação acreditam que dentro da estátua possam estar os restos mortais do JF primordial retratado pela estrutura da estatueta ou talvez mesmo um corpo intacto e dormente da criatura que observa tudo atentamente. Pelo menos esta última opção explicaria como é que a estátua consegue misteriosamente reagir aos ataques que vêm na sua direção. Ainda assim, uma coisa é certa. As respostas não serão descobertas enquanto não for encontrada uma maneira de penetrar no material rochoso da estátua e especialmente um método de o fazer sem se ser incinerado vivo.
O JF-25 foi originalmente encontrado no Egito. Segundo os poucos documentos e registos encontrados que relatem a existência da peça, a estátua foi descoberta no Antigo Egito. Sabe-se que a estátua foi entregue a Napoleão Bonnaparte durante a sua visita à região, se bem que este presente pode ter surgido como um método viável dos egípcios se livrarem da estátua que, por muito que nada comprove, é bem provável que tenha sido considerado amaldiçoada pelo trilho de corpos chamuscados deixados nas pessoas que a manuseavam mal. O JF-25 permaneceu sob custódia francesa durante muito tempo. Por essa razão, a Fundação suspeita que, durante esse período de tempo, a estátua não tenha declarado mais vítimas, uma vez que, caso contrário, os franceses já se teriam livrado dele há muito. No final da Segunda Guerra Mundial, a estátua foi entregue aos Estados Unidos da América como um presente de agradecimento ao país companheiro também pertencente aos Aliados por ter auxiliado no término da Guerra e na libertação da França do domínio do Terceiro Reich. E no domínio americano continuou até hoje.
A Fundação conseguiu capturar o JF-25 após o incidente dado entre os grupos de Set e de Quill. Todos os oficiais de autoridade e médicos que chegaram ao local eram membros dos Infiltrados, com uma agenda secreta de ajudar a Fundação. Como tal, o JF-25 foi secretamente entregue pelos membros dos Infiltrados no local ao esquadrão de soldados da Fundação, que tinha sido alertado com antecedência para estar atento ao movimento do transporte do museu "Cloister's", o museu com atual custódia do JF-25 e do JF-30. O esquadrão em questão foi propositadamente enviado para o local de modo a trazer a estátua à instalação mais próxima. Nada nas ordens entregues indicava que deveriam intervir, apenas que deviam deixar o camião seguir o seu trajeto e, quando chegasse o momento certo, esperar que os Infiltrados lhe pasassem os JF contidos no camião.
O planeamento desta operação foi apenas permitido graças ao membro secreto dos Infiltrados denominado por [OCULTADO] que cumpriu o papel de [OCULTADO] e que, como tal, sabia o que transporte trazia consigo e os planos do que iria ocorrer naquela noite entre os dois grupos. Essa vantagem de informação permitiu a Fundação organizar-se e obter os objetos determinados pacificamente, esperando que outros se matassem para, quando tudo se acalmasse, pudessem levar os espólios, como um abutre se alimenta do trabalho dos animais mortos.
Na cena do crime, não havia indício da presença de Quill ou de qualquer um dos seus subordinados. E, tirando o monte de corpos estiraçados no chão, os indivíduos conhecidos como Set, Cerril e Phyl estavam literalmente irrecinhecíveis e impossíveis de identificar. Por isso, os agentes Infiltrados no local, fizeram por ocultar a existência das três massas carbonizadas e entregaram-nas ao esquadrão de soldados que veio levar os JF-25 e JF-30 para serem posteriormente estudados. O relatório redigido pelos agentes presentes definiu o incidente como um negócio entre duas gangues que acabou numa escaramuça. O grupo inteiro de Set e o grupo inteiro de Quill foram dados como mortos, apesar do destino de Quill e da maioria dos seus subordinados ser, na verdade, incerto e os seus paradeiros ainda desconhecidos.
É importante notar que o chão do atrelado do camião encontrava-se repleto de sensores. Tendo em conta o contexto do conflito, a Fundação conseguiu averiguar que os sensores no chão do atrelado conseguiriam identificar especificamente quando é que uma das duas caixas presentes fosse erguida um metro de altura ou mais. Assim que esse limite fosse quebrado, o pin preso ao molde de plástico sob a forma de uma granada que se encontra preso na região superior da parede do fundo do atrelado irá ser solto. A ideia é que o pin sirva de ferramenta de terror, capaz de assustar os inimigos com a possibilidade de ocorrência de uma explosão. Causando um clima de desespero e de corrida desenfreada, como o que realmente se deu, onde todos correriam a temer a sua morte que, na verdade, tratava-se apenas de uma falsa ameaça. Afinal, a casca de plástico em forma de granada estava vazia e era apenas um mecanismo para conter e largar o pin, reunidas as condições definidas pelos sensores.
Como o grupo de Zeke conseguiu pôr mãos numa tecnologia tão avançada permanece uma pergunta por responder.
Relatório:
Descrição Geral
O JF-25 apresenta-se como uma estátua de aparência rochosa comum, possivelmente representando uma figura humanoide de caráter ancestral. Apesar da aparência inerte, a entidade demonstra propriedades anômalas de retaliação contra qualquer tentativa de dano físico.
O mecanismo de defesa consiste em envolver o agressor numa camada de chamas intensas, formando uma cúpula ígnea que se fecha progressivamente até consumir completamente a vítima. As temperaturas excedem largamente as de uma chama convencional, resultando na carbonização total do alvo em poucos segundos.
Natureza da Estrutura
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Material: Rochoso, constituição exata desconhecida.
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Resistência: Até o momento, não foi registrada a ocorrência de fissuras, rachaduras ou danos estruturais, mesmo após impactos diretos de alta intensidade (inclusive disparos de arma de fogo).
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Durabilidade: Considerada virtualmente inquebrável.
Propriedades Anômalas
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O JF-25 não distingue entre ataques intencionais ou acidentais. Qualquer impacto sobre sua superfície desencadeia o processo de retaliação.
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O padrão de reação é invariável: surgimento de chamas ao redor da vítima, formação de cúpula flamejante e incineração total.
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Restos das vítimas consistem em massas carbonizadas e irreconhecíveis, sem traços humanos preservados.
Exemplos Documentados
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Indivíduo "Set": Disparo acidental contra a estátua resultou em execução imediata por chamas.
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Indivíduos "Cerril" e "Phyl": Derrubaram a estátua dentro de um contêiner durante uma fuga. Mesmo contida, a entidade reagiu, resultando em carbonização total.
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Estes casos confirmam a ausência de distinção entre dano intencional e não intencional.
Hipóteses de Origem
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Possível representação de um JF ancestral com domínio sobre o fogo.
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Teorias sugerem que o interior da estátua pode conter restos mortais ou um corpo adormecido do ser original, explicando sua capacidade de reação.
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Material da estátua impossibilita investigações invasivas sem risco de ativar o efeito anômalo.
Histórico de Custódia
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Antigo Egito: Primeiros registros da existência da estátua, possivelmente considerada amaldiçoada devido às mortes associadas ao seu manuseio.
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Período Napoleônico: Objeto entregue a Napoleão Bonaparte, provavelmente como tentativa dos egípcios de se livrarem da anomalia.
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Pós-Segunda Guerra Mundial: Transferido da França para os EUA como presente diplomático de agradecimento.
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Museu Cloister's: Peça mantida em exposição, juntamente com JF-30.
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Fundação Juízo Final: Objeto recuperado após incidente entre os grupos de Set e Quill, através da ação coordenada de agentes Infiltrados.
Operação de Recuperação
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A transferência foi viabilizada pela infiltração de agentes com acesso prévio às informações sobre o transporte.
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O incidente entre os grupos rivais resultou na morte confirmada de Set, Cerril e Phyl.
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As mortes foram oficialmente registradas como consequência de uma escaramuça entre gangues, com ocultação da natureza anômala do evento.
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O JF-25 foi então entregue de forma pacífica ao esquadrão da Fundação.
Observações Técnicas
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O atrelado de transporte continha sensores de movimento calibrados para detectar elevação das caixas em mais de 1 metro.
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O acionamento liberava um pino conectado a uma cápsula plástica em forma de granada, simulando risco explosivo.
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O mecanismo funcionava como ferramenta psicológica, induzindo pânico e desorganização nos alvos.
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A proveniência dessa tecnologia permanece desconhecida, sendo associada ao grupo de Zeke.
Conclusão
JF-25 constitui ameaça severa e imprevisível a qualquer tentativa de contato físico. Sua natureza sugere ligação direta com entidades primordiais ligadas ao elemento fogo. Até que um método seguro de análise estrutural seja desenvolvido, a investigação permanece limitada a observações externas.
Contenção:
Estrutura Física
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Dimensões da Cela: 12 m x 12 m x 10 m.
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Materiais de Construção:
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Paredes, chão e teto revestidos com camadas de tungstênio e cimento refratário de alta densidade, capazes de resistir a temperaturas superiores a 3.000 °C.
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Revestimento interno adicional em cerâmica ablativa, projetada para dissipar calor extremo.
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Isolamento: A cela deve permanecer em ambiente pressurizado negativo, conectado a sistemas de ventilação com filtros resistentes a chamas, de modo a conter qualquer propagação térmica.
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Suporte Estrutural: O piso possui plataforma anti-vibração para evitar deslocamento acidental do objeto.
Disposição do Objeto
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O JF-25 deve permanecer sobre uma base de pedra basáltica sólida com 1 metro de espessura.
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O acesso humano à cela é estritamente proibido.
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Qualquer observação deve ser feita por meio de câmeras de fibra ótica resistentes ao calor, instaladas em ângulos fixos.
Segurança Operacional
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Acesso:
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Nenhum funcionário pode entrar na cela.
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Todos os procedimentos de inspeção devem ser remotos.
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Manutenção da cela realizada exclusivamente por drones automatizados.
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Proximidade:
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Nenhum objeto deve ser movimentado ou lançado contra o JF-25.
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Qualquer tentativa de contato físico direto é considerada execução sumária.
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Isolamento da Anomalia:
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A cela está situada a 100 m de qualquer outra contenção ativa.
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Barreiras térmicas redundantes impedem a propagação de incêndio em caso de ativação acidental.
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Sistemas de Emergência
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Supressão de Chamas: Apesar das temperaturas excederem limites comuns, a cela possui sistema de liberação automática de gás inerte (argônio líquido vaporizado), para reduzir a propagação em caso de ignição além dos limites internos.
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Encapsulamento Secundário: Em caso de quebra estrutural da cela, portas de titânio reforçado selam automaticamente o setor inteiro, isolando-o do restante da instalação.
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Autodestruição Local: Instalada carga explosiva de implosão controlada no compartimento, autorizada apenas pelo alto comando da Fundação, como último recurso para enterrar permanentemente o objeto caso ocorra falha total de contenção.
Observação Especial
A principal vulnerabilidade da contenção não é estrutural, mas sim comportamental: qualquer dano físico, intencional ou acidental, desencadeia a ativação das chamas de JF-25. A contenção, portanto, não deve buscar neutralizar a anomalia, mas sim impedir qualquer interação física com ela.
